Corte de gastos, a peça que falta nos programas

Estudo feito para a Bovespa avalia que as promessas dos candidatos a presidente só seriam viáveis com redução das despesas públicas

 

O diagnóstico é o mesmo: o perfil da despesa pública é muito rígido (vide Previdência), o custo da rolagem da dívida é alto demais e a carga tributária bateu no teto. A contra-indicação também: uma ruptura dos contratos causaria mais dor que alívio. A receita não varia muito: reformas tributária e da Previdência, diminuição dos juros, aumento das exportações e substituição de importações, investimentos em infra-estrutura, política industrial, melhoria e ampliação da educação e da saúde. A lacuna também é uma só: como tornar compatíveis diagnóstico e receita sem terapia de redução de gastos públicos.

Os programas de governo dos quatro principais candidatos à Presidência são surpreendentemente convergentes, observa estudo que a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) encomendou ao professor Celso Martone, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP). Outro ponto em comum dos quatro programas, escreveu Martone, é seu caráter “improvisado e precário”, com “baixo nível de detalhe e consistência”.

Nessa linha, a parte econômica do programa do PT é “um amontoado de idéas, críticas à política atual e propostas pouco detalhadas, de tal sorte que se torna difícil enxergar sua consistência global”, critica o professor. O plano prevê uma fase de transição, dedicada à reforma tributária, à implementação de política industrial e aos investimentos em infra-estrutura.

Dela se passaria a um círculo virtuoso de crescimento sustentado. Martone opõe duas objeções a esse cronograma. A primeira é a de que a fase de transição poderia se estender pela maior parte do eventual mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, porque aprovar a reforma tributária já se mostrou politicamente difícil e o governo e os partidos “carecem de recursos humanos e organização para desenvolver políticas setoriais”.

Além de tempo, os investimentos em infra-estrutura demandariam dinheiro público, supõe Martone. Já a política industrial pressuporia renúncia fiscal. E a reforma tributária não representa garantia de aumento da arrecadação. Pelo contrário: a eliminação de tributos em cascata e de outras distorções pode reduzi-la, sendo a aposta no aumento da base de arrecadação apenas isso – uma aposta.

O plano conta com melhor gestão das receitas da União, racionalização das despesas, redução do serviço da dívida pela queda da taxa de juro, e o uso de outras fontes de recursos, como fundos de pensão, FGTS e FAT e parcerias com o setor privado via mercados de capitais. “Mas nenhuma dessas fontes é detalhada”, diz Martone. “Trata-se, portanto, de uma proposta bastante frágil.”

O professor acha que o de José Serra “é o que mais se parece com um programa de governo, pela abrangência dos temas cobertos, clareza e detalhamento das metas”. Mas Martone detecta nele um “sofisma”. O programa está baseado na expectativa de que o aumento do crescimento da economia produzirá aumento concomitante da receita, capaz de financiar as metas sociais do programa (melhora e universalização de educação, saúde e Previdência), que, ao seu ver, superam as do PT em matéria de custos.

“Se, de saída, supomos resolvido o problema do crescimento, é claro que tudo o mais se torna viável”, escreve Martone. “No entanto, não é possível crescer mais enquanto não se resolver o problema fiscal, que requer profundo corte de despesas públicas, o que inviabiliza as políticas sociais propostas.”

O programa de Anthony Garotinho é “o mais completo” dos quatro, avalia Martone. “Do ponto de vista macroeconômico, parece ser um programa responsável. É o único que propõe explicitamente a redução da despesa pública.” Entretanto, o especialista acha que “não está claro” como conciliar essa austeridade fiscal com as promessas do candidato do PSB de aumento do salário mínimo, reajuste para o funcionalismo, universalização da educação e saúde e geração de empregos.

O professor considera o programa de Ciro Gomes “o de mais alto risco, porque propõe as mudanças mais radicais”. O programa, em sua nova versão, explicita idéias que Martone considerou ontem “estapafúrdias”, como tributar o lucro das empresas com alíquotas progressivas. O estudo de Martone é anterior à nova versão do programa, mas ele a examinou a pedido do Estado.

“O grande mérito do programa (de Ciro) é que tem uma visão muito clara sobre o nó representado pela poupança interna, mas suas propostas concretas continuam bem descosturadas”, disse o professor. Ele não vê, por exemplo, como um governo Ciro obteria o aumento da poupança interna.

A expectativa é a de que isso viria com a mudança do modelo de Previdência, de repartição para capitalização, e com a substituição das contribuições previdenciárias e dos encargos trabalhistas dos trabalhadores por um imposto sobre valor adicionado que, para arcar com tudo isso, estima Martone, alcançaria uma alíquota proibitiva.

Na Bovespa, a receptividade do estudo foi muito boa, conta o presidente da Bolsa, Raymundo Magliano Filho. “Houve muito avanço na discussão sobre os mercados de capitais. Todos incluíram o tema em seus programas”, diz Magliano. Lula, Serra e Garotinho foram discutir suas propostas com os corretores. Ciro não foi, mas “jantou duas ou três vezes” com Magliano. 


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