Corte do gasto público é consenso entre economistas

Especialistas de um amplo espectro não vêem outra saída para gerar mais superávit, reduzir a relação dívida/PIB e finalmente baixar os juros

 

O ruído produzido pela divergência entre os ministros Antonio Palocci e Dilma Rousseff ecoou no País como se houvesse múltiplas escolhas, na condução da política econômica. A chefe da Casa Civil atacou os planos da equipe econômica de aprofundar o ajuste fiscal, defendeu aumento nos gastos e sustentou que os juros altos convertem o esforço de redução da dívida pública numa tarefa de “enxugar gelo”. Consulta a um amplo espectro de economistas revela que as opções não são tantas assim. Alguns dosariam os juros com mais generosidade. E é só. De resto, o que há é um enorme consenso, justamente em torno do ponto central que causou a erupção no governo: a necessidade de cortar gastos.

A política de superávits primários, introduzida em 1999, tem sido sustentada, até aqui, pelo aumento da carga tributária e pelo corte dos investimentos. Esses expedientes chegaram ao limite, concordam os economistas: uma carga acima dos atuais 37% do PIB não é tolerável e o investimento público aproxima-se de zero. O que resta são as despesas correntes obrigatórias, que, segundo o especialista Raul Velloso, representam 90% do gasto não-financeiro (ele inclui o Bolsa Família, “politicamente obrigatório”).

Como o próprio adjetivo indica, essas despesas não são facultativas. Para evitá-las, é preciso mexer na Constituição – reformar a Previdência, desvincular receitas constitucionais, rediscutindo tabus como saúde e educação –, demitir servidores, eliminar cargos de confiança, renegociar contratos, etc. Em vez de gastar muito, gastar direito. As receitas variam, mas não há dúvidas quanto a esse ponto: o governo precisa gastar menos.

A finalidade do superávit primário, estipulado em 4,25%, é reduzir a relação dívida/PIB, que hoje está em 52% – menor apenas que da Turquia e da Argentina. Em meados dos anos 80, a dívida da Irlanda era 130% do PIB. Após sucessivos superávits primários de 6% a 8%, ela está hoje abaixo dos 40%. Muitos economistas acham que, no lugar de meta de superávit primário, deveria haver meta de relação dívida/PIB. A queda na relação diminui a insegurança do credor – e, com ela, os juros.

O momento mais difícil é este em que o Brasil está: enforcado nos juros – sua maior despesa individual, 8% do PIB –, tem de tirar dinheiro de algum lugar para abater o principal da dívida. Nessa hora, um sinal acerca das intenções futuras pode ajudar. Se o País fizer um compromisso “crível” de reduzir no médio prazo suas despesas correntes, haverá uma percepção de “melhoria geral”, que manterá o apetite dos investidores pelos títulos do governo mesmo que os juros caiam, atesta Lisa Schineller, responsável pela avaliação de risco do Brasil na Standard & Poor’s.

Os juros refletem, também, as preocupações com a inflação. Carlos Langoni, ex-presidente do BC, avalia que a atual taxa básica, de 19%, deve-se mais à necessidade de conter os preços do que de atrair compradores dos títulos da dívida brasileira.

Nesse campo, há divergências. Amir Khair, secretário de Finanças da ex-prefeita Luiza Erundina, argumenta que a taxa Selic não tem contido a demanda, e sim a oferta: entre setembro de 2004 e julho de 2005, quando a taxa subiu de 16% para 19,75%, os juros do crédito para empresas aumentaram 4,2 pontos porcentuais; para consumidores,1,4. Os juros altos também não são responsáveis pelo real valorizado ante o dólar, que segura os preços, analisa Khair: no mesmo período, os investimentos em carteira, que vêm em busca da rentabilidade dos juros, tiveram saldo de US$ 970 milhões; já as transações correntes e investimentos diretos somaram US$ 29 bilhões.

Seja como for, risco e inflação se unem na taxa de juros. “Como um processo generalizado de alta de preços, a inflação é a desconfiança na moeda, um papel emitido pelo governo que as pessoas não acreditam que vá manter o valor”, define Tomás Málaga, economista-chefe do Banco Itaú. Reciprocamente, a queda brusca dos juros acarretaria fuga de investidores, aumento do dólar, ampliação do consumo e inflação, sintetiza o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega.

Nenhum dos economistas ouvidos pelo Estado defende essa redução abrupta. “Quero ajuste fiscal que reduza a relação dívida/PIB,mas com estratégia para baixar os juros”, diz Luiz Carlos Bresser-Pereira, ministro da Administração e Reforma do Estado do primeiro governo FHC. “Em economia, a ordem dos fatores altera o produto”, resume Langoni. 


Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*