Cristovam propõe ‘pacto nacional’ após as eleições

Governador do DF critica corporativismo e considera que lutas sociais devem ser objetivos suprapartidários

 

BRASÍLIA — A estabilidade monetária força a esquerda a abandonar o discurso corporativista, calcado nas lutas salariais, para elaborar pautas para toda a população. A análise é do governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque, que tenta a reeleição. Em entrevista ao Estado, ele propõe um pacto nacional após as eleições. Com o bom desempenho no primeiro turno, Cristovam deve emergir da eleição como forte candidato à liderança nacional do PT.

Na disputa, ele conseguiu até apoio do PFL do DF, contra Joaquim Roriz (PMDB). É a primeira vez que o partido apóia o PT no País. O deputado eleito Paulo Octávio (PFL), que articulou a união, diz que o PFL quer contrapartida: que o PT apóie o senador Hugo Napoleão contra o governador do Piauí, Francisco Mão Santa (PMDB). Hoje, a direção do PFL reúne-se com Cristovam.

Estado — A que o senhor atribui o esfriamento entre seu governo e os sindicatos?

Cristovam Buarque — Fiz provocações ideológicas às corporações e faltou afago do meu governo a algumas lideranças. Mas o principal motivo é que a estabilidade monetária expôs limitações financeiras. Os sindicatos viam-se com a função de pressionar por reajustes altos, o que era impossível.

Estado — Não poderia estar aí indicado um novo caminho para um PT menos corporativo, sindical, mais administrativo?

Cristovam — Não tenho dúvida. A estabilidade força a esquerda a mudar o discurso. Com o processo de inflação, a esquerda identifica-se com a corporação sindical. Perde a perspectiva de longo prazo e o projeto nacional. Ela cai na reivindicação no lugar da proposta, no curto prazo no lugar do longo prazo e numa pauta de corporações em vez de uma pauta do povo inteiro.

Estado — O senhor fala em pacto nacional. Como se concilia a idéia com o papel de oposição?

Cristovam — A gente tem de separar ações do dia-a-dia de oposição de formulações de longo prazo. Os americanos brigam entre dois partidos, mas se unem quando há guerra. Pôr todas as crianças na escola devia nos unir mais do que a Guerra da Coréia os uniu. É uma guerra contra o obscurantismo, o atraso, o egoísmo bárbaro da elite do País. Temos de definir objetivos suprapartidários, dizendo quanto custa, quem paga e em quanto tempo se faz.

Saúde e criar empregos têm de estar acima dos partidos. Têm de ser objetivos nacionais.

Estado — O déficit público não merece uma guerra, e daí a necessidade de reformas?

Cristovam — Claro. Vai depender de quem paga. Aí está a chave. Se for resolver o déficit financeiro criando o déficit ético da miséria das crianças, não vou apoiar. Há um déficit educacional e um sanitário. Por que só se discute o fiscal? A gente não fala em resolvê-lo deixando de pagar as dívidas com o setor financeiro.

Estado — Isso não desestabilizaria o sistema?

Cristovam — Deixar milhões fora da escola não desestabiliza? Pode não desestabilizar hoje, mas vai desestabilizar depois. Temos de discutir o déficit fiscal ao lado do educacional, do sanitário, até do psicológico dos desempregados e vamos ver o que é que desequilibra. A elite se acostumou a considerar só o déficit que lhe interessa.

Estado — Déficit fiscal quer dizer que falta dinheiro. Não é preciso resolver isso primeiro?

Cristovam — Não sobra porque parte vai para juros; outra pode ser desperdício. Contamos o dinheiro para saber se o problema é demitir professor ou não pagar juros e que aspecto desestabiliza mais.

Estado — Não pagar juros é um problema de credibilidade…

Cristovam — E não pagar professores cria uma população demente, improdutiva, no futuro. Existem soluções simples. Botar todas as crianças na escola não é necessariamente caro. O programa Bolsa-Escola para todo o País custaria zero vírgula alguma coisa do déficit.

Estado — A defesa a todo custo, pelo PT, dos direitos adquiridos, como no caso da Previdência, não contribui para o déficit?

Cristovam — Acho que não é isso que faz o déficit. E aceito debater todos os direitos. Só não sou favorável a pôr no mesmo nível o direito adquirido de um assalariado e o de um banqueiro especulador.


Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*