Déficits dentro de déficits definem o perfil do rombo

No buraco de R$ 45,1 bi, destacam-se os R$ 18,5 bi da União e R$ 10,6 bi para 295 mil pessoas

A Previdência no Brasil é como uma matryoshka, a boneca russa que se vai abrindo e revelando uma série de réplicas menores. O déficit total é de R$ 45,1 bilhões este ano. Dentro dele, o déficit dos servidores públicos responde pela substancial parcela de R$ 34,2 bilhões. Nesse, por sua vez, está a soma expressiva de R$ 18,5 bilhões, que é o déficit da União. E, dentro desse, uma fatia de R$ 10,6 bilhões corresponde ao que custa anualmente a nata dos aposentados e pensionistas da União – 295 mil pessoas que ocupam o topo da pirâmide.

A soma que eles recebem por ano equivale a mais de quatro vezes o que o governo pretende arrecadar com a instituição da cobrança de contribuições dos inativos. Entretanto, o governo não cogita rever os valores pagos a esses inativos. Se a própria contribuição dos inativos enfrenta sérios riscos de ser vetada pelo Supremo Tribunal Federal, que pode considerá-la violação de direitos adquiridos, a revisão dos benefícios pareceria ainda menos aceitável.

É o que propõe, no entanto, o ex-ministro da Previdência e Assistência Social Reinhold Stephanes. “Se, depois de introduzida a idade mínima de 60 anos, ainda faltar dinheiro para contratar pessoal para as universidades, os hospitais e a Justiça, acho que se deveria tomar a medida extrema de chamar de volta professores, médicos e procuradores que se aposentaram muito jovens e com benefícios altos e ainda podem perfeitamente trabalhar.” Aliás, muitos trabalham, acumulando aposentadoria e salário.

A maioria dos juristas considera impensável a revisão dos benefícios ou da condição de aposentados, entendida como direito adquirido. “O direito adquirido é um princípio geral do Direito”, resume o professor Dalmo de Abreu Dallari, da Universidade de São Paulo. “Ele existe em todos os países democráticos.”

“Em nenhum dos 130 países onde há previdência organizada existe um sistema comparável ao brasileiro”, pondera, no entanto, Stephanes. “Aqui, está sendo considerado direito adquirido o que seria absurdo em qualquer país, mas que está muito bem enquadrado na mentalidade brasileira.”

Além do Brasil, apenas no Benin, Egito, Equador, Irã, Iraque e Kuwait não existe idade mínima para se aposentar. Entretanto, nenhum país do mundo, segundo o Livro Branco da Reforma da Previdência, publicado pelo ministério, combina essa característica com outras, como ausência de teto para os benefícios, permissão para continuar trabalhando, aposentadorias maiores do que os respectivos salários e acúmulo de benefícios.

De um lado, o direito adquirido, como princípio geral do Direito. De outro, a idade mínima, um teto razoável para a aposentadoria e a proibição de trabalhar e de acumular benefícios como princípios gerais da doutrina previdenciária. No meio, um déficit de R$ 45,1 bilhões, que asfixia o País.

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