Desemprego: chegamos ao fundo do poço?

Só anos de crescimento substancial poderão fazer diferença. Ainda assim, sob condições

 


C. e E.* completam hoje um ano de casados. Em tempos normais, é uma fase marcante, pelas mudanças no estilo de vida, pelas adaptações, pelas descobertas do convívio, pela intensidade dos sonhos. Para o jovem casal, tem sido uma provação.

Quando decidiram casar-se, no início do ano passado, C. e E. somavam renda familiar de R$ 4 mil. C.*, que trabalhava no departamento de compras da Telemar, foi demitida em abril; E., que fazia o site na internet do jogador Romário, perdeu o emprego depois da Copa do Mundo.

Nesse ano que passou, E., formado em jornalismo, com 28 anos de idade e 5 de carreira, chegou a trabalhar de frentista e de auxiliar de cozinheiro, por salários de R$ 200.

Ultimamente, ele tem repetido o ritual de um profissional empregado, saindo de casa de terno. Mas para distribuir cópias de seu currículo. Já foram 1.200, nos prédios e semáforos da região da Avenida Paulista. Na esquina com a Alameda Casa Branca, um motorista chegou a lhe apontar um revólver, pensando que se tratasse de assalto.

O esforço de E. resultou em duas entrevistas de emprego. Ele aguarda resposta. Se nada acontecer, terá de sair no dia 20 do apartamento onde mora, na zona leste de São Paulo, com a mulher e o sogro, um gerente industrial também desempregado. Sem ter como pagar aluguel, eles não sabem para onde vão. “Não é uma situação muito confortável”, descreve, com delicadeza. “Você fica com a auto-estima muito abalada.”

É difícil encontrar, nas grandes cidades brasileiras, alguém que não tenha, no seu círculo de parentes e amigos, alguém vivendo uma história parecida com a de E..

De acordo com a última Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, de julho, há 2,682 milhões de desempregados nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife. Outros 5 milhões de pessoas recebem menos de um salário mínimo ou trabalham sem carteira assinada (ver quadro).

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se elegeu prometendo criar 10 milhões de empregos ao longo do mandato. É cedo para cobrar resultados, apesar do sentimento de urgência de quem está desempregado. Geração de empregos, objeto de obsessão no mundo todo, é coisa intrincada, e que, de qualquer maneira, toma um tempo, depois que se adotam as políticas adequadas. A questão é de saber se pelo menos estamos indo na direção certa – e a que ritmo.

Depois de um crescimento da economia de 1,5% em 2002, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), subordinado ao Ministério do Planejamento, prevê para este ano expansão de 0,5% do Produto Interno Bruto.

É uma visão mais conservadora que a do mercado. Levantamento do Banco Central com instituições financeiras projeta crescimento de 1,2% este ano. Para 2004, a estimativa do Ipea é de 3,5% e a do mercado, de 3%.

Seja como for, é muito pouco, diante do enorme estoque de desempregados, subocupados e informais acumulado ao longo de anos, ao lado da deterioração do poder de compra dos salários.

Segundo cálculo do professor João Saboia, do Instituto de Economia da UFRJ, usado no Plano Plurianual do governo e com o qual concordam outros especialistas, 1 ponto porcentual do PIB representa 0,5 ponto na taxa de desemprego. Por ano, ingressam na população economicamente ativa das seis regiões metropolitanas 1 milhão de novos candidatos a vagas – ou 0,5% daquela população, que soma 21 milhões. Assim, cada ponto porcentual de crescimento da economia serve só para evitar que o desemprego aumente.

“Não há mágica nem pirotecnia. Só teremos a criação maciça de empregos que o País necessita com a volta do crescimento”, diz o ministro do Trabalho, Jaques Wagner. Ele se declara otimista, citando a redução de 2,5 pontos porcentuais na taxa básica de juros e a ligeira queda no índice de desemprego, de 13%, em junho, para 12,8%, em julho.

“Precisa ser um crescimento econômico sustentado, que não seja muito episódico”, ressalva Lauro Ramos, coordenador de Estudos sobre o Mercado de Trabalho no Ipea. “Não adianta crescer 3% num ano, 1% no segundo e 1,5% no outro.” Para que as empresas se animem a contratar maciçamente, é necessário “ambiente macroeconômico mais favorável”, diz Ramos.

A história recente mostra que a relação causal entre crescimento do PIB e do emprego está longe de ser matemática (ver gráfico). Quando o ambiente não é favorável, ou quando os setores que crescem mais o fazem basicamente aumentando a produtividade, sem gerar efeitos multiplicadores à sua volta, há o que os técnicos chamam de crescimento sem emprego.

“Se a economia crescer naturalmente, vai crescer numa direção pouco intensiva de mão-de-obra”, estima Hélio Zylberztajn, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). O pesquisador acha que deve haver uma “política intencional de criar empregos” em setores nos quais a mão-de-obra é intensiva e menos qualificada, como a construção civil e a infra-estrutura, o agronegócio e o turismo.

Mesmo que o “espetáculo do crescimento” finalmente se desenrole, o efeito disso sobre o desemprego é incerto, porque, além do componente conjuntural, o problema tem também um forte lado estrutural, e não está clara a proporção de cada um.

Para José Márcio Camargo, sócio da Tendências Consultoria Integrada e professor da PUC do Rio, ainda não estão esclarecidas as causas dos altos índices de desemprego registrados a partir de 1997 no Brasil: em que medida são conseqüência das altas taxas de juros praticadas nesse período ou da introdução de novas tecnologias, com a abertura da economia.

“Se o desemprego tiver aumentado por causa do descolamento entre a oferta de mão-de-obra desqualificada e a demanda das empresas por mão-de-obra qualificada, será um problema de difícil solução por muito tempo”, diz Camargo. “A economia cresce, mas a absorção de mão-de-obra é marginal.”

O futuro é incerto, mas há um otimismo no ar – e percepção não é nada desprezível, no delicado universo das contratações e demissões. “Não se pode falar em euforia, mas o ânimo vem melhorando”, observa José Augusto Minarelli, dono de uma firma de consultoria que grandes empresas contratam para assistir executivos por elas demitidos, na busca de nova colocação.

Segundo Minarelli, desde a posse de Lula, encontrar novos empregos para esses executivos vinha tomando o dobro do esforço e do tempo de antes. Em agosto, começou uma “ligeira” melhora. “As pessoas vêem que começam a voltar os investidores, o risco País e os juros estão caindo, a inflação está controlada, o governo está conseguindo passar as reformas”, enumera o consultor. “Há um início de virada nas atitudes, uma crença de que chegamos ao fundo do poço e a partir de agora vamos subir.”

 

 

*Os nomes foram suprimidos em 13/9/2010 a pedido dos entrevistados.

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