Escolha do Brasil ‘será boa para a paz’, diz chanceler

Celso Amorim defende a capacidade brasileira de influir nas questões políticas mundiais e critica ‘discriminação’

 

BRASÍLIA – Um assento permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU seria bom não só para o próprio País, mas para a paz e a liberdade no mundo. O governo brasileiro preferiria que isso se concretizasse sem a “discriminação” entre membros permanentes com e sem poder de veto. Mas sabe que entre o ideal e o real há um longo caminho a se trilhar. É o que explica o chanceler Celso Amorim, em entrevista ao Estado.

Para Amorim, não há custo político no pleito brasileiro, até porque ele não é de hoje. “O presidente Lula, que tem no reconhecimento da capacidade de ação do Brasil no exterior um dos pilares da sua política externa, deu mais ênfase ao tema.”

O chanceler defende a capacidade brasileira de influir nas questões políticas e comerciais do mundo e diz que Brasil e Argentina devem permanecer coesos no Mercosul em nome de sua relevância. “Tem muita gente que não se importa de ser irrelevante”, diz Amorim. “Queremos ser relevantes, junto com nossos parceiros da América do Sul.”

A proposta de ampliação do Conselho de Segurança com novos membros permanentes ou rotativos, mas sem poder de veto, atende ao anseio do governo brasileiro?

É evidente que eu acho que qualquer discriminação não é desejável. Acho que isso ainda vai ser objeto de muita negociação. Entre o que é realista e o que é ideal há uma linha grande a ser percorrida.

Por que é importante para o Brasil ser membro permanente?

Acho que isso contribui para uma maior influência nossa nas decisões internacionais. A atitude do Brasil tem sido sempre em favor da paz, de soluções negociadas, de compreensão de que alguns problemas de segurança estão ligados a problemas econômico-sociais. E o Brasil é um país grande,

tem um peso, pode influir. O Brasil estar presente nessas decisões é importante não só para o Brasil, egoisticamente, mas, para falar a verdade, para o mundo. Isso pode ser pretensioso. Por que o Brasil vai se meter nisso? Paz e liberdade – aliás, como o seu jornal sabe – são coisas cuja

importância a gente só sente quando não tem. O Brasil deseja que o mundo seja pacífico, que seu comércio se desenvolva, que os turistas possam viajar. Acho que podemos contribuir para a paz estando no Conselho de Segurança de maneira mais efetiva.

O poder de veto não é essencial para isso?

Essa proposta feita pela comissão não é a palavra final. Isso terá que ser objeto de negociação. O ideal era aos poucos reduzir o poder de veto dos que o têm atualmente. Sabemos que no curto prazo isso não é realista. Agora, haver algum incentivo para que eles sejam mais restritivos no próprio poder de veto é positivo. O fato de os novos membros terem ou não poder de veto

tem de ser visto à luz disso. Se já está estabelecido que eles não têm nenhum, talvez os atuais não tenham incentivo para diminuir o deles. O ideal seria que caminhássemos para uma convergência entre os novos e os atuais.

O acordo entre EUA e Colômbia permite, no caso de um colapso na Colômbia, os EUA intervirem. Se uma intervenção militar americana, com ou sem consentimento do governo colombiano, passasse pelo Conselho de Segurança, o Brasil, tendo poder de veto, vetaria?

É muita hipótese, não é? É pouco provável, no período em que nós estamos, os Estados Unidos virem a intervir militarmente na Colômbia. Acho que as opções do governo colombiano são da alçada dele. Temos procurado ajudar a Colômbia na questão de segurança, na medida de nossas possibilidades, naturalmente mais limitadas. Uma intervenção militar num país da América do Sul não é desejável. E o que a gente puder fazer para contribuir com que isso não ocorra…

Mas o veto deve ser respaldado por uma…

O veto é uma coisa muito séria. Na minha opinião, uma maneira de restringi-lo seria evitar-se o veto fútil. Há muitas resoluções que não afetam a segurança do país em questão, são resoluções muitas vezes declaratórias, e são vetadas. Outras são vetadas por outras motivações políticas que não têm a ver com a questão em si. Hoje em dia, um membro permanente só pode votar a favor, abster-se ou vetar. Podia-se dar a ele uma faculdade que os outros membros têm de votar ‘não’ que não seja veto, porque muitas vezes o que se quer é apenas marcar posição. O veto foi criado no contexto da guerra fria. Se você tomasse uma decisão que fosse frontalmente contra a União Soviética, contra os Estados Unidos, contra o Reino Unido, que na época era visto como uma grande potência, causaria guerra mundial. A médio prazo, temos de trabalhar para que o poder de veto seja exercido com maior autocontenção. E no futuro, até, quem sabe, terminá-lo.

Com relação a nossos vizinhos, como a Argentina, e ao México, qual tem sido o custo político desse nosso pleito? Os argentinos têm ficado melindrados?

Não acho que haja custo político. Eles entendem que isso é uma coisa antiga, não foi inventada pelo presidente Lula. Até porque estamos mais próximos de uma possível decisão, como você vê por esse relatório. No próprio governo do presidente Fernando Henrique foi, talvez, levada com graus variáveis de intensidade. O presidente Lula, que tem, no reconhecimento da capacidade de

ação do Brasil no exterior um dos pilares da sua política externa, deu mais ênfase ao tema. Mas é uma coisa vista internacionalmente com essa legitimidade. Por que a Alemanha e o Japão quiseram ter o Brasil e a Índia como, digamos, companheiros dessa chapa? Porque reforça a posição deles próprios. Essa ‘candidatura’ brasileira dá legitimidade à reforma. É natural. Na América do Sul e América Latina, atuamos em muita coordenação com os outros países. Consultamos em assuntos importantes e evidentemente se o Brasil vier a ser membro permanente vai consultar mais ainda.

Quatro dos cinco membros permanentes apoiam o pleito brasileiro. Faltam só os Estados Unidos?

Os graus de engajamento desse apoio são diferentes de país para país. Às vezes, não tem nem a ver com o Brasil. Mas de uma maneira ou de outro obtivemos manifestações ou de claro apoio ou de grande simpatia. Os Estados Unidos nunca falaram nada contra o Brasil. Pelo contrário. O secretário de Estado Colin Powell esteve aqui e vocês ouviram. Grande parte da mídia achou

que foi apoio. Eu também. Não deixa de ser apoio, ainda que seja mental ou uma preparação. Obviamente os Estados Unidos detêm um grande poder em dizer o que vai e o que não vai acontecer. Acho que eles não vão querer se engajar claramente numa posição até verem como a situação vai evoluir. Acho que quem escreveu esse relatório provavelmente deixou o veto dos antigos e não botou para os novos para facilitar a aprovação. Temos cooperado com os Estados

Unidos em áreas importantes. Comentei com o Powell que em 1998, no final de uma negociação sobre o Iraque, em que demos uma fórmula que permitiu resolver a questão, ouvi do então embaixador deles na ONU, Bill Richardson: ‘Celso, o Brasil nos deu enorme trabalho, mas a gente tem que reconhecer que, se não fosse o Brasil, não haveria resolução.’ Temos credibilidade,

como temos na área comercial. Depois de Cancún (reunião da OMC em setembro de 2003), meu amigo (Robert) Zoellick (representante de Comércio dos EUA) escreveu um artigo em que citou cinco vezes o nome do Brasil criticamente, como se tivesse sido um desastre e fôssemos os responsáveis. Chegamos a Genebra e – digo sem falsa modéstia – o Brasil foi fundamental para o acordo. O grau de credibilidade que o Brasil tinha nos permitia fazer sugestões até para resolver problemas de outros. O próprio Zoellick reconheceu isso.

O Brasil não poderia ter sido mais bem-sucedido em colocar a culpa nos Estados Unidos pelo fracasso até agora da Área de Livre Comércio das Américas (Alca)?

No Brasil, isso é impossível. Primeiro, não interessa. Nosso jogo não é colocar a culpa em ninguém. Estou para responder uma carta do Bob Zoellick. Vamos relançar as discussões – e ele mesmo diz na carta dele, como eu sempre disse – baseados nos princípios que acordamos em Miami. Depois de Miami, acertadamente, tanto os Estados Unidos quanto nós nos concentramos mais na OMC. Nós achamos que teria sido mais simples um acordo Mercosul–Estados Unidos direto, como estão fazendo com outros. Conosco, eles preferem colocar num âmbito mais coletivo. Algumas vezes surgem complicadores desnecessários numa negociação de 34 países.

Por que eles não quiseram?

 

Vários países já assinaram acordos de livre comércio com eles. Tem países que por suas dimensões não têm as preocupações que o Brasil tem. Temos uma indústria importante, cujos interesses têm que ser vistos; uma política social de fármacos importante; de desenvolvimento tecnológico. Um país pequeno que obtém uma cota de dois ou três produtos, para ele aquilo é o que interessa. E estaria mais disposto a fazer concessões. Dizer que o Mercosul está isolado numa negociação com a Alca é o mesmo que dizer que a Índia e a China estão isoladas numa negociação na Ásia. Não tem cabimento.

 

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