Indefinição sobre os transgênicos pode ter custado R$ 23,6 bi ao País

Cálculo inclui o que deixaram de ganhar os produtores de soja, milho e algodão e os fabricantes de sementes

 

A indefinição do Brasil em relação aos organismos geneticamente modificados já pode ter custado R$ 23,6 bilhões ao País. O cálculo se refere às vantagens que os produtores de soja, milho e algodão teriam deixado de aproveitar – embora essas vantagens sejam contestadas por críticos dos transgênicos. A conta inclui também o que os fabricantes brasileiros de sementes podem ter perdido com o contrabando vindo da Argentina.

Segundo cálculos da Consultoria Céleres, se os sojicultores brasileiros tivessem podido introduzir gradualmente sementes transgênicas, adaptadas para cada região, teriam economizado em herbicidas, mão-de-obra e combustível para os tratores R$ 6,5 bilhões (com o dólar cotado a R$ 2,11) entre as safras de 1996 e 2006. O montante equivale a mais da metade do valor da soja em grãos produzida no Brasil em 2006 – R$ 11,8 bilhões.

O cálculo leva em consideração o que os produtores teriam pago em royalties aos detentores da tecnologia, e baseia-se nos ganhos obtidos nos Estados Unidos e na Argentina, respectivamente o primeiro e o terceiro produtores de soja do mundo – o Brasil é o segundo. A Céleres estima que, mesmo da maneira como a soja tolerante a herbicida entrou no mercado, sem a necessária adaptação a cada ambiente de produção, ela rendeu ao agricultor, no período, R$ 2,9 bilhões a mais do que se ele tivesse usado a soja convencional.

A pedido do Estado, a Céleres calculou os prejuízos também para o milho e o algodão resistentes a insetos, considerando que poderiam ter sido introduzidos a partir de 2001. Os produtores de milho teriam aumentado sua produção em R$ 8,5 bilhões e ainda economizado R$ 2 bilhões em inseticidas e no manejo da lavoura. No caso do algodão, a economia teria sido de R$ 352 milhões e o aumento da produção de pluma e de caroço renderia cerca de R$ 280 milhões a mais. A soma desses prejuízos é de R$ 17,6 bilhões.

Além disso, com as sucessivas autorizações para que os sojicultores conseguissem créditos nos bancos usando sementes não-certificadas – diante do fato consumado do contrabando e da produção própria de sementes transgênicas -, a indústria de sementes do Brasil perdeu R$ 6 bilhões, apenas nos anos de 2005 e 2006, segundo dados da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem). O faturamento de R$ 7,5 bilhões, em 2004, caiu para R$ 5,5 bilhões em 2005 e para R$ 3,5 bilhões em 2006, em números redondos, contabiliza Ywao Miyamoto, presidente da Abrasem.

‘A indústria de sementes do Brasil, que tem uma tradição de 40 anos, foi praticamente dizimada pela pirataria’, lamenta Miyamoto. O ministro da Agricultura, Luís Carlos Guedes Pinto, concorda com a análise: ‘O contrabando de sementes piratas ocupou o espaço da semente nacional por tanto tempo e em tão larga escala que criou uma crise brutal’, disse ao Estado.

Ações na Justiça, dificuldades de obter os dois terços necessários nas votações e demoras na emissão de pareceres pelos representantes da área ambiental têm paralisado a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), à qual cabe autorizar pesquisa e comercialização de produto transgênico.

MEDIDA PROVISÓRIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem até o dia 21 para sancionar ou vetar medida provisória, aprovada na Câmara e no Senado, destinada a destravar a comissão, reduzindo para metade mais um (14, do total de 27) os votos necessários para conceder licenças de comercialização.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que comanda a resistência no governo aos trabalhos da CTNBio, pedirá ao presidente que vete a MP 327. Na visão dela, quem tem de dar licenças ambientais para cultivos transgênicos é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), subordinado a seu ministério.

Como a nova Lei de Biossegurança, de 2005, confirmou essa atribuição à CTNBio, Marina quer que pelo menos se mantenha a maioria de dois terços, por meio da qual os ambientalistas têm conseguido barrar as autorizações. ‘A lei foi alterada de forma equivocada’, avalia João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas, encarregado do tema no Ministério do Meio Ambiente.

O Ministério do Desenvolvimento Agrário também pedirá o veto. ‘Não vejo nenhum argumento razoável para não manter o quórum de dois terços para as decisões sobre liberação comercial’, diz Magda Zanoni, do Núcleo de Estudos Agrários para o Desenvolvimento Rural e representante do ministério na CTNBio. ‘Em um ano, fizemos muito.’

OPOSIÇÃO

Dos 27 integrantes da CTNBio, 5 se opõem sistematicamente a qualquer coisa que conduza à liberação comercial: dois representantes do Ministério do Meio Ambiente, a representante do Desenvolvimento Agrário, um da Secretaria da Pesca e outra dos consumidores, indicada pelo Ministério da Justiça. Outros dois ou três os acompanham freqüentemente.

Em tese, seria possível alcançar o quórum de 18 votos. O problema é que os opositores nunca faltam, enquanto dificilmente todos os outros estão presentes. São cientistas, com muitas ocupações, e até com dificuldades financeiras para comparecer em Brasília, já que a diária de R$ 180 às vezes não é suficiente para quem tem de viajar até o aeroporto mais próximo.

O ministro da Agricultura pedirá ao presidente que sancione a mudança do quórum, embora vete a parte da MP que libera a venda de algodão produzido com semente transgênica contrabandeada. ‘O tema dos transgênicos precisa ser encarado de forma técnica, e não emocional’, diz Guedes.

O Ministério da Ciência e Tecnologia seguirá a mesma linha. ‘Nunca conseguimos dois terços’, diz Luiz Antonio Barreto de Castro, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do ministério, e primeiro presidente da CTNBio, criada em 1996. ‘Desde 2005, não liberamos nada.’ 


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