Interesses corporativos influem no efetivo

Número de militares não atende apenas às estratégias de dissuasão e presença, mas também a um pacto silencioso

Especialistas civis e alguns militares consideram que as Forças Armadas brasileiras têm pessoal demais e equipamento, preparo e capacidade operacional de menos. A suposta resistência das três Armas em reduzir seus efetivos, deslocando dinheiro e energia da quantidade para a qualidade, leva os críticos a suspeitar de que o principal motivo seja corporativista: a uma redução no número de soldados corresponderia um corte no número de oficiais, que os comandam, nas proporções da pirâmide das patentes.

Os militares argumentam que, dadas as dimensões territoriais do Brasil, para atender à estratégia da presença, é necessário manter o atual efetivo, que soma 310 mil homens. Segundo eles, o Brasil, com 165 milhões de habitantes, tem proporcionalmente menos militares do que os seus vizinhos, se forem consideradas as respectivas populações e territórios. A Argentina, por exemplo, tem 70 mil militares na ativa, para uma população de 34 milhões. O Chile, 93 mil, para 14 milhões. É um militar para 550 habitantes no Brasil, para 485 na Argentina e para 200 no Chile.

Os críticos rejeitam essa abordagem. Afirmam que não é assim que se calcula o efetivo adequado para um país, mas pela relação entre as necessidades de defesa e as possibilidades materiais. No caso do Brasil, o efetivo deve atender a duas estratégias básicas, estabelecidas pelas próprias Forças Armadas: a dissuasão e a presença. O Exército reconhece que apenas metade de seus 200 mil homens se mantém em condições de ação rápida e pronto emprego. Essas são as condições que atendem efetivamente ao imperativo da dissuasão, ou seja, de desencorajar eventuais agressões.

A outra metade se justificaria pela estratégia da presença. Acontece que as ameaças potenciais estão concentradas no norte, devido à instabilidade em vizinhos como a Colômbia e à vulnerabilidade da Amazônia, e não mais no sul, como até a década passada, graças à distensão na área do Mercosul. Mas menos de 20% do efetivo está na Amazônia, que representa metade do território nacional.

O Exército argumenta que não pode transferir mais brigadas do que as que já foram para lá. O principal argumento é falta de infra-estrutura. Segundo os militares, nenhuma outra cidade da Amazônia tem condições de receber brigadas, além das que já têm: Porto Velho (RO), Tefé (AM), Boa Vista (RR) e Marabá (PA).

Os militares reconhecem, no entanto, que a falta de infra-estrutura – ou de dinheiro – não é o único motivo. Fechar bases em cidades pequenas nas outras regiões, para transferir tropas para o Norte, tem alto custo político. As unidades do Exército desempenham papel importante na economia dessas cidades. Prefeitos têm acionado governadores e deputados, que batem na porta – literalmente – do ministro do Exército, para exigir a manutenção das bases. Geralmente, são bem-sucedidos.

Somando os 50% do efetivo capacitados para o pronto emprego com os 20% que exercem o papel da presença na Amazônia – considerando que não haja superposição deles –, restam 30% de pessoal cuja necessidade é posta em dúvida pelos críticos. Os militares argumentam, no entanto, que as Forças Armadas brasileiras não se destinam apenas às tarefas estritamente militares.

Há, ainda, as atividades subsidiárias, como, por exemplo, o apoio à polícia ou a distribuição de alimentos, por parte do Exército; a segurança no tráfego aéreo e a administração dos aeroportos, pela Aeronáutica; a segurança da navegação, a assistência a populações ribeirinhas e as operações de salvamento, por parte da Marinha. Em muitos pontos do País, sobretudo na Amazônia, os militares são o único braço do Estado, enfatizam todos eles.

Mesmo assim, membros da cúpula das Forças Armadas admitiram ao Estado que não teriam o que fazer com seus oficiais, se reduzissem o efetivo na base da pirâmide. No Brasil, a carreira militar é permeada por uma espécie de promessa, mais ou menos explícita, de que, fazendo tudo como deve, o militar irá para a reserva com boa patente – e pensão. Esse pacto silencioso, que nenhum general quer romper, demanda a manutenção de efetivo correspondente na base.

Não há esse compromisso, por exemplo, nos Estados Unidos, onde as Forças Armadas são 100% profissionais – diferentemente do Brasil, onde mais de 10% do pessoal do Exército é recrutado pelo serviço militar obrigatório. Lá, o efetivo vai sendo calibrado ano a ano, de acordo com as necessidades de emprego.

Esse é um dos pontos mais sensíveis para as Forças Armadas brasileiras, porque atinge os militares em suas perspectivas pessoais. Grande parte da resistência à criação do Ministério da Defesa e – uma vez tomada a decisão política – à delegação de poderes efetivos de planejamento da defesa para o novo cargo decorre do temor da redução de efetivo. Em tese, ministros militares tendem a ser mais sensíveis a esse tipo de preocupação do que os civis.

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