Mais um trem da história está passando

A promessa não cumprida de um negócio que cai como uma luva para o Brasil

 

A indústria da informação é o maior negócio lícito do mundo. Dentro dela, o maior setor é o do software, o programa que faz o computador realizar operações. O hardware, o computador em si, perde cada vez mais espaço e valor para o software.

No mundo das funções cotidianas executadas por ordem de chips instalados nos automóveis, eletrodomésticos e equipamentos de toda espécie, hardware e software tendem a uma convergência, na qual o segundo, que é o que armazena, processa e transmite a informação, passa a sobrepujar o primeiro, em valor agregado. “Hardware virou commodity”, resume Silvio Meira, diretor-presidente do Centro de Estudos de Sistemas Avançados do Recife (Cesar), numa analogia com as mercadorias primárias.

Além de sua importância econômica crescente, o software tem outras virtudes. Sua produção não pressupõe custosas fábricas. Bastam cabeças pensantes e computadores como os de casa e do escritório. Não polui e não requer infra-estrutura de escoamento. Sua distribuição se faz pela via eletrônica, em que o cliente paga e baixa o programa pela Internet, vai por e-mail ou, quando muito, gravado num CD, se não embarcado no chip de um equipamento qualquer. Não é indústria. É serviço.

Por todas essas razões, sua margem de lucro é alta e seus funcionários são mais bem pagos que a média. Pelo cálculo da Organização Internacional do

Trabalho, cada emprego direto no setor de software cria outros 18 indiretos.

No Brasil, empresários, especialistas e funcionários do governo opinam unanimemente que os brasileiros e o software foram feitos um para o outro. A reserva de mercado do hardware, felizmente expirada em 1992, se não inaugurou muitas empresas nacionais fabricantes de computadores, estimulou a formação de enorme massa de técnicos em computação.

Esses profissionais foram forjados no labirinto da legislação e no turbilhão da economia brasileira, com suas mudanças súbitas e freqüentes, suas contradições, suas moedas fugazes, seus tributos em cascata e, claro, o arsenal de subterfúgios e adaptações, sem o qual nenhum empresário sobreviveria. O software brasileiro tem que dar conta de tudo isso.

Somados a essa intimidade com o caos, os brasileiros também contam com atributos naturais, como a flexibilidade e a criatividade, que são bem-vindos no mundo do desenvolvimento de programas. Isso não é só conversa para afagar o ego. Várias companhias, sobretudo na área das telecomunicações, que foi a que mais cresceu nos últimos anos, por causa da privatização, têm instalado no Brasil unidades de desenvolvimento de software sofisticado e estratégico para seus negócios.

“Os profissionais daqui são competentes, criativos e versáteis, e têm custo competitivo”, descreve Rosana Fernandes, gerente da área de desenvolvimento de software da Motorola do Brasil. Em 1999, a companhia americana escolheu Campinas para montar sua linha de desenvolvimento de programas de enhanced message service, que possibilitarão aos seus novos aparelhos celulares receber e enviar mensagens com arquivos anexados. “É um software bastante complexo. Não pode ter erro”, diz Rosana. Ele será “embarcado” em aparelhos celulares, a maioria fabricada aqui, e vendidos no mundo todo.

A importância crescente do software e a conveniência de fazê-lo no Brasil foram antevistas dez anos atrás por um grupo que se autodenominava, com bom humor, a Gangue dos Quatro: Silvio Meira, então presidente da Sociedade Brasileira de Computação, Tadao Takahashi, pioneiro da Internet no Brasil, Ivan Moura Campos e Eduardo da Costa, ambos no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O grupo idealizou o Programa Nacional para a Exportação do Software (Softex). E estabeleceu como meta para o Brasil exportar, em uma década, ou seja, este ano, US$ 2 bilhões. O cálculo foi feito assim: o setor faturava então US$ 200 bilhões no mundo e o Brasil representa 1% da economia mundial. Entre 1993 e 1996, período em que ficou sob coordenação do CNPq, o governo destinou R$ 28 milhões ao Softex, hoje entidade privada sem fins lucrativos, que criou 19 núcleos em todo o País para estimular o empreendedorismo nessa área.

Passada uma década, estima-se que o País exporte US$ 100 milhões em software — 20 vezes menos que o sonhado e 80 vezes menos do que a Índia, cujo Produto Interno Bruto é 30% menor que o do Brasil. A cifra, baseada em levantamentos perante as empresas, é incerta.

O exportador de software, isento de taxação, pode fazer o câmbio em qualquer banco. Não passa pelo Banco Central. E, segundo Eduardo da Costa, que hoje vive em Boston e tem uma empresa de consultoria na área, a i-cubo, muitos exportadores acabam reduzindo drasticamente o valor declarado da remessa porque os fiscais têm dificuldade de entender como um punhado de CDs pode custar US$ 100 mil e desconfiam de lavagem de dinheiro. Para evitar complicações, declaram uma mixaria e embolsam o valor real no exterior. A secretária de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia, Vanda Scartezini, diz que o governo quer incrementar o controle e fazer um mapeamento das exportações.

Seja como for, ninguém discute que o Brasil está a anos-luz de uma meta modesta, quando comparada ao desempenho de países de nível de desenvolvimento semelhante e ao seu próprio potencial. Então, o que está dando errado?


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