Militares têm problemas iguais aos dos civis

A sétima reportagem da série mostra que, embora a previdência dos militares seja um caso à parte, também requer mudanças Apesar das especificidades da carreira, regime tem distorções semelhantes

Os militares têm carreira e regime de previdência diferentes dos demais trabalhadores. No Brasil, no entanto, a Previdência dos militares sofre de problemas parecidos com aqueles observados no resto do sistema: dissociação entre contribuição e benefício – um e outro perdidos na vala comum do Tesouro federal -, artifícios no sistema de contagem de tempo e privilégios difíceis de justificar, como a pensão para as filhas solteiras.

Em tese, os militares, quando saem para o trabalho, podem estar indo ao encontro da morte. Por isso, tradicionalmente, argumenta-se que, para que eles possam desempenhar suas funções com um mínimo de tranqüilidade, precisam dispor de regime de pensão que garanta o sustento de suas famílias. No Brasil, esse regime existe desde a Guerra do Paraguai (1864-1870), que deixou muitas viúvas e órfãos desamparados. Noutros países, essa necessidade é suprida por seguro especial, feito em caso de guerra.

As condições especiais se estendem, também, para a aposentadoria dos militares. Todo militar tem prazo máximo para ficar em determinada patente. Se não for promovido, tem de ir para a reserva. Assim, os militares podem aposentar-se muito cedo, se não evoluem na carreira. No Brasil, como forma de compensação por deixarem compulsoriamente a ativa, eles aposentam-se com o salário integral da patente seguinte. Assim, enquanto a média do salário da ativa é de R$ 1.236, a da aposentadoria é de R$ 2.341.

O período de formação em escolas militares e curso universitário são contados como tempo de serviço, assim como períodos de licença para tratamento de saúde de familiares, até o máximo de um ano, contínuo ou não. São contados em dobro o tempo da licença-prêmio e férias não gozadas.

Os militares afirmam que todas essas regalias são para compensar o fato de não ter FGTS, não receber por hora extra, estar sujeitos a dedicação exclusiva e ter de mudar-se constantemente de cidade, o que dificulta a formação de patrimônio. Além disso, argumentam, ao contrário de outras categorias de funcionários públicos, sempre pagaram contribuição previdenciária, até como inativos.

A alíquota referente à previdência dos militares é de 1,5% do salário bruto. Além disso, pagam 3,6% para assistência à saúde. A alíquota de 1,5%, que não chega a um quarto da menor alíquota para a iniciativa privada (8%), certamente não basta para sustentar a aposentadoria e muito menos a pensão estendida até a filha solteira, sobretudo considerando que ela incide, na maior parte da carreira, sobre salários muito mais baixos do que aqueles que resultarão no valor final do benefício.

A nova emenda da Previdência deve incluir alíquota mais alta – algo em torno de 6%. Com isso, a contribuição previdenciária total dos militares ainda deverá ficar abaixo da alíquota recolhida pelos demais servidores da União: 11% sobre o salário integral.

Como contribuem continuamente ao longo de toda a vida, ao contrário de outras categorias, os militares sentem-se injustiçados. “Nosso dinheiro entrou limpo no Tesouro e foi usado para outras despesas”, diz o coronel da reserva Márnio Teixeira Pinto. “Não temos culpa se nossas contribuições foram mal geridas.”

Os militares gostariam de ver seu dinheiro depositado em fundos de capitalização. O problema, dizem técnicos do governo, é que a previdência dos militares, assim como a do resto do funcionalismo público e a do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é regime de repartição, e não de capitalização. Ou seja, os ativos custeiam os inativos.

Para os especialistas em assuntos de defesa, a discussão em torno da previdência dos militares faz parte de uma discussão maior: a da profissionalização das Forças Armadas. Os compromissos firmados entre o Estado brasileiro e os militares, no que se refere às aposentadorias, resultam do fato de que a carreira militar é considerada vitalícia.

Nos países onde as Forças Armadas são profissionais, as condições de dispensa de um militar se aproximam da demissão de um trabalhador qualquer – com direitos proporcionais ao tempo em que ele esteve empregado. No atual status das Forças Armadas brasileiras, os especialistas em previdência concordam que os militares têm de ter regime próprio. Mas acham que ele precisa ser ajustado às condições atuariais.

“Por que não assegurar a pensão equivalente ao salário integral somente no caso em que o militar efetivamente morra em combate?”, pergunta, por exemplo, um especialista em defesa. “Por que os militares têm de aposentar-se tão cedo?”, indaga, por sua vez, o ex-ministro da Previdência e Assistência Social Reinhold Stephanes. “Os sargentos com 45 anos estão jogando futebol nos quartéis e o Exército está recontratando coronéis retirados.” As Forças Armadas, conclui Stephanes, “também exigem certa reestruturação, respeitando sua especificidade”.

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