Modelo do pré-sal coíbe competição, diz especialista

‘Exclusividade da Petrobrás’ inibe também avanço tecnológico, diz Freire


Wagner Freire pertenceu à primeira turma de técnicos da Petrobrás, na qual ingressou em 1958. Tornou-se geofísico-chefe em 1968, quando começou a exploração da Plataforma Continental. Como gerente adjunto, a partir de 1976, trabalhou nos contratos de risco com as companhias estrangeiras, após a quebra do monopólio. Foi diretor de Exploração e Produção, presidente da área internacional, obtendo as primeiras concessões no Mar do Norte e no Golfo do México, e da Petrobrás América, a subsidiária nos EUA. Saiu em 1992, criou e presidiu duas empresas independentes de petróleo, e hoje atua como consultor da indústria.

Suas críticas não podem ser afastadas como as de um outsider, alguém que não goste da Petrobrás ou que não entenda do assunto. E elas são contundentes. Na verdade, Freire discorda de tudo na condução do pré-sal – com exceção da ideia de se criar um fundo de desenvolvimento social. Ele teme que o calendário eleitoral e a ideologia se tenham sobreposto à boa técnica da gerência e da engenharia na dimensão conferida às novas reservas, no seu valor comercial, no modelo de sua exploração e no papel atribuído à Petrobrás e à Agência Nacional do Petróleo (ANP).

“Trabalho há 50 anos na indústria e nunca vi coisa igual”, disse Freire, de 76 anos, em entrevista ao Estado, antes de uma palestra no Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, em São Paulo, na noite de segunda-feira.

A euforia do governo com o pré-sal o remete à descoberta do Campo de Garoupa, na Bacia de Campos, em 1974. Segundo ele, as frases eram as mesmas ouvidas hoje em relação à Bacia de Santos: “É só furar que dá óleo.” Mas, naquela época como agora, a realidade era menos rósea. Garoupa foi o décimo poço furado; os nove anteriores “deram seco”, no jargão da indústria. Freire desconfia da extensão da província do pré-sal inferida pelo governo: “Tenho sérias dúvidas de que vão achar outros campos entre Marlim e Roncador. Todos os poços cavados nessa área de pré-sal deram seco.”

Aceitando a estimativa da Petrobrás, de que a Bacia de Santos contenha entre 9 bilhões e 14 bilhões de barris, Freire diz que isso não significa uma “mina de ouro”. As reservas provadas dos países que fazem a diferença na indústria estão noutro patamar, como as da Arábia Saudita – 264 bilhões de barris. O Brasil tem 14,7 bilhões de barris em reservas provadas de petróleo e gás (as do pré-sal são estimativas). O País consome cerca de 1 bilhão por ano. Assim, raciocina o especialista, o que temos atende apenas às necessidades de reposição. Não coloca o País noutro patamar.

Isso sem contar as desvantagens desse petróleo, situado entre 250 e 300 km distante da costa, a 6 mil metros de profundidade e sob uma camada de 2 mil metros de sal, cuja fluidez desestabiliza as perfurações. Tem alto teor de C02, que o torna poluidor e corrosivo. Esse componente pode ser extraído, mas então há o problema: o que fazer com ele. Pode ser reinjetado, mas a um custo alto. Por outro lado, sua curva de derivados é ruim, gerando muito mais óleo combustível que o de tipo Brent. Seu preço será 86% o do mercado, avalia Freire. Caro para extrair e barato na venda, sua rentabilidade será baixa.

O petróleo do Golfo do México tem sido extraído ainda mais profundamente, a 10 mil metros, e igualmente distante da costa, observa Freire. Ele é atraente, no entanto, porque lá impera a competição, e as regras não mudam. No Brasil, as escolhas do governo acrescentam novos problemas às agruras da geofísica.

Freire não vê sentido na mudança de regime, de concessão para partilha. Em qualquer caso, diz, primeiro precisa ser descontado tudo o que foi gasto na exploração e no desenvolvimento. O que sobra é dividido entre o governo e as empresas. E é o governo quem define essa divisão. “Existem contratos de concessão e de partilha duros e frouxos.” A diferença prática é que, na partilha, o governo recebe petróleo em vez de dinheiro. Mas o que o governo precisa é de dinheiro, e portanto terá o trabalho de vendê-lo.

O especialista considera “um grande erro” o argumento de que, na partilha, o governo terá mais controle sobre a produção. “A curva de produção de um poço obedece ao seu fator de recuperação, de acordo com as regras da engenharia de petróleo”, explica. “O governo não tem ingerência nisso. Seria um atentado à economicidade.”

A comparação da lista de países com contratos de concessão – EUA, Canadá, Noruega, Grã-Bretanha, Austrália, Brasil e Argélia – com a dos que preferem a partilha – Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuwait, Venezuela, Emirados Árabes Unidos, Líbia, Nigéria, Catar, China, Angola, México, Azerbaijão, Índia, Omã e Egito – parece indicar de que lado está a modernidade.

A participação da Petrobrás em todos os blocos, com o mínimo de 30%, é considerada “um absurdo” por Freire, além de inconstitucional. Ele argumenta que cada empresa deve avaliar o seu interesse por cada campo de petróleo e o seu grau de participação. “Não é verdade que as empresas gostam de ser parcerias da Petrobrás. Elas simplesmente não têm outra opção”, contesta Freire, que está deixando a presidência da Associação Brasileira de Produtores Independentes de Petróleo e Gás. Isso não é bom sequer para a estatal, diz. Tanto que a norueguesa Statoil “rebelou-se” em 1972 da obrigação de participar de todos os blocos.

Freire diz que “a exclusividade da Petrobrás coíbe a competição e o desenvolvimento de tecnologia”, com todas as desvantagens de se ter “um único comprador de equipamentos, plataformas e serviços”. Ele compara a produção de petróleo da Noruega e da Grã-Bretanha no Mar do Norte com a do Brasil. Os três começam juntos, em 1965, com o Brasil produzindo um pouco mais. A virada ocorre em 1970, com a descoberta do campo de Forties, no Mar do Norte. A curva anglo-norueguesa lembra a escalada de uma montanha; a brasileira é uma subida suave e modesta. Até aqui, Grã-Bretanha e Noruega extraíram 53,21 bilhões de barris; o Brasil, 9,97 bilhões.

Freire atribui a diferença menos à falta de petróleo do que de concorrência. Ele diz que o maior campo brasileiro, Roncador, com seus 3,9 bilhões de barris, aproxima-se do Forties, de 4,2 bilhões. “Lá, havia competição; aqui, só tinha uma companhia investindo.

“O consultor vê a perfuração de poços em campos novos pela ANP como símbolo da captura pelo Estado das funções da iniciativa privada. “Se não tiver petróleo, quem paga a conta? O contribuinte.” 


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