Novos membros do Conselho de Segurança não terão poder de veto

Comissão que estudou ampliação do órgão e reforma da ONU entrega hoje suas propostas ao secretário-geral

 

BRASÍLIA – Um relatório elaborado por uma comissão de notáveis com propostas de reformas da ONU será entregue hoje em Nova York ao secretário-geral Kofi Annan. Sem terem conseguido chegar a um consenso sobre o tema que mais interessa ao Brasil, a ampliação do Conselho de Segurança, os 16 integrantes da comissão apresentam duas opções: a criação de seis assentos permanentes ou a de oito “semipermanentes”, eleitos a cada quatro anos. Em qualquer caso, o total de assentos do Conselho aumenta de 15 para 24 e é mantido o poder de veto dos cinco membros permanentes e não se concede o mesmo privilégio aos novos integrantes.

O relatório não cita nominalmente os seis países que ocupariam as seis cadeiras, na primeira opção, chamada pelos diplomatas de “modelo A”. Mas o Brasil é considerado candidato natural, ao lado de Alemanha, Japão e Índia, com os quais formou em setembro o G-4 para postular sua candidatura, e a África do Sul (ou Nigéria) e o Egito. Assim, o “modelo A” atende parcialmente à reivindicação brasileira, embora o governo critique a “discriminação” entre membros permanentes com e sem direito ao veto (ver entrevista com o chanceler Celso Amorim).

“Não modificamos o poder de veto porque foi considerado que não haveria consenso na comissão”, explica o embaixador João Clemente Baena Soares, um dos 16 integrantes. “Imagine que estamos num clube. Você vai dar os mesmos privilégios que você tem para outros que chegaram depois?” Na comissão havia integrantes provenientes dos cinco países membros permanentes, embora tecnicamente eles não fossem representantes de seus governos, mas pessoas convidadas por Kofi Annan – que pode acatar, modificar ou rejeitar o relatório.

Na defesa da proposta dos seis assentos permanentes, Baena diz que contou com apoio mais decidido do general indiano Satish Nambiar, que foi comandante das forças da ONU em Kosovo. Os outros membros provenientes de países aspirantes a membros permanentes também foram favoráveis ao “modelo A”, mas não com tanta ênfase: a japonesa Sadako Ogata, uma ex-executiva da ONU, hoje presidente da Japan International Cooperation Agency, e o egípcio Amr Mussa, secretário-geral da Liga Árabe.

O relatório prevê uma “moratória voluntária” sobre países que estejam criando novas instalações nucleares, e diz que a Agência Internacional de Energia Atômica deve garantir o fornecimento de combustíveis nucleares “a preço de mercado” para esses países. Baena se colocou contra esse tópico, registrando sua discordância, mas evitando rejeitar o relatório inteiro só por causa disso.

“Os países que estão cumprindo suas obrigações de renunciar ao armamento nuclear e não à energia pacífica devem ser respeitados”, disse o embaixador brasileiro. “E não serem obrigados a comprar combustível nuclear de cinco ou seis empresas que dominam esse mercado no mundo.”

O relatório sugere que as intervenções militares tenham de ser necessariamente aprovadas pelo Conselho de Segurança, ficando explicitamente desautorizadas intervenções unilaterais. “Na minha opinião, ficaram mais difíceis as intervenções militares”, diz o embaixador Baena, de 73 anos, membro da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas.

O texto diz que elas não podem ficar limitadas às operações militares de manutenção da paz, devendo haver depois um esforço para reconstruir o país onde tenham ocorrido. E propõe a criação de uma comissão encarregada dessa reconstrução, subordinada ao Conselho de Segurança. A comissão se encarregaria de levantar recursos dos organismos financeiros multilaterais, e ajudaria também “Estados em estágio avançado de desagregação”, como alguns países africanos.

O embaixador conta que não foi procurado individualmente por nenhum país para negociar suas propostas na comissão, embora tenha havido encontros coletivos com vários ministros de Relações Exteriores, entre eles os do Brasil, da Espanha, da França e da Suíça. A comissão se reuniu seis vezes, a partir de dezembro do ano passado.

Além de Baena, o único latino-americano era o uruguaio Enrique Iglesias, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento. O general Bent Scowcroft, o integrante americano, apoiou todas as decisões da comissão e “participou naturalmente das reuniões, como os outros membros”, diz o embaixador.

Embora seja o que chama mais atenção no Brasil, a reforma do Conselho de Segurança não é o único tema do relatório. Ele procura também “livrar a Carta da ONU de dispositivos obsoletos”, diz Baena. Escrita no calor da 2.ª Guerra, ela se refere, por exemplo, a Japão e Alemanha, hoje os maiores contribuintes financeiros do órgão, depois dos EUA, como inimigos. O texto também versa sobre a estrutura do secretariado-geral e uma enorme gama de temas. 


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