O destino dos que cruzaram com ‘Dudu’

O ‘bonde’ do traficante deixou um rastro de sangue entre o Vidigal e a Rocinha

 

 

RIO – O corretor de seguros Renato Gonzaga Gomes e sua mulher, Telma Veloso, voltavam, com três sobrinhos, de um restaurante na Barra da Tijuca para seu novo apartamento em Botafogo. Vinham cantando no carro. Gomes tinha tomado uns chopes a mais e entregara a direção a Telma, que decidiu vir pela Avenida Niemeyer, porque o caminho era mais bonito. De repente, cerca de cinco homens saltaram do mato e tentaram parar o carro.

Telma olhou para Gomes e acelerou. Ele acha que ela pensou: “Vou tirar minha família daqui.” Gomes ouviu tiros e sentiu cheiro de pólvora, enquanto o carro ficava desgovernado. Ele segurou o volante com a mão esquerda e fez o carro bater do lado, para pará-lo. Só então percebeu que Telma estava morta, com um tiro de fuzil na nuca. Ele e os sobrinhos ficaram feridos.

Era o começo da travessia de Eduíno Eustáquio de Araújo, o Dudu, do Morro do Vidigal para o da Rocinha, separados pela Niemeyer. No bloqueio que montou na avenida, o bando conseguiu seis carros, embarcou neles e começou a subir a Rocinha, atirando, pela Estrada da Gávea. No Clube Emoções, na entrada do morro, onde havia um baile funk, as pessoas saíram correndo em direção à praia de São Conrado.

Na lendária curva do S do antigo Circuito da Gávea, onde Chico Landi corria nos anos 40 e 50, o “bonde”, como são chamados os comboios que invadem as favelas, teve de parar. Uma ambulância do Corpo de Bombeiros atravessava o caminho, numa operação de resgate de um motociclista acidentado. Os carros se engavetaram na curva. A ambulância foi cravada de balas.

Os bombeiros e o motociclista – que se levantou da maca e saiu correndo – se refugiaram na garagem da Viação Amigos Unidos. Pedro, o guarda noturno da garagem, abriu o portão para eles e para uma Kombi trazendo moradores que chegavam do trabalho. Era meia-noite de quinta-feira, dia 8.

A babá Fabiana Oliveira estava numa moto com o marido, Edson Moura. Ambos foram atingidos pelos tiros. Edson conseguiu se refugiar num bar. Fabiana ficou na estrada, em frente à garagem. Demorou a morrer. Os bombeiros deitados no chão, embaixo dos ônibus, ouviram durante muito tempo os gritos de socorro de Fabiana, que aos poucos foram perdendo a força. Mas não tinham como alcançá-la, por causa dos tiros.

Por volta de 3 horas, Dudu e seus homens chegaram à Quadra da Cachopa, onde havia um pagode. Dudu mandou que Wellington da Silva, o Maluquinho, professor e campeão carioca de skate, viesse para fora. “Você andou vacilando”, teria dito Dudu. Deu um tiro numa das pernas e outro que arrancou o braço esquerdo, no qual talhou a letra “C” com uma faca. Deitado no chão, Wellington pediu que não o matasse, dizendo que tinha uma filha de 3 anos e outro de 5 meses. Ele gritava o nome de Emiliane, sua mulher. Dudu o fuzilou com um tiro na testa.

Wellington, de 27 anos, era uma pessoa popular na favela. Alegre, brincalhão, desde 1992 ele dava aulas de skate de graça para os meninos do morro, numa pequena rampa de cimento. Ele costumava dizer que não tinha a pretensão de tirar os garotos do tráfico, mas de pelo menos evitar que alguns entrassem nele. Com ajuda da prefeitura e dos skatistas brasileiros Bob Burnquist, campeão mundial, e Bruno Passos, ambos vivendo em San Diego (EUA), Wellington estava montando uma escola de skate, bike e roller (patins), com uma rampa nova.

Na manhã de quinta-feira, na véspera de sua morte, Wellington perguntou a Emiliane se ela era feliz com ele, agradeceu pelos filhos que tinha lhe dado e ficou olhando um tempo para eles e depois para o céu. “Parecia que ele estava se despedindo”, diz sua cunhada, Cíntia Souza. Emiliane perguntou o que seria dela se ele morresse. “Você vai saber se virar”, respondeu Wellington. Depois foi até a rampa que estava construindo. “Como eu sofri, como lutei para construir isso aqui”, disse ele, passando a mão no cimento.

Emiliane, de 28 anos, e Cíntia, de 19, decidiram seguir adiante com o projeto da escola, com os primeiros alunos formados por Wellington, que hoje já são professores, e com a ajuda de Bob e Bruno.

Renato Gomes, o marido de Telma, que tinha se mudado havia quatro meses para o Rio, com uma promoção, apartamento e escola pagos pela empresa, está voltando para Belo Horizonte, com os filhos de 7 e 14 anos.

Os filhos da babá Fabiana, um de 4 meses e outro de 8 anos, estão na casa de sua sogra, Dalmira Reis de Moura, enquanto Edson se recupera no hospital. 


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