Obtenção de 6 contratos suscitou suspeitas

Os atrasos nos serviços contratados são apontados como indício de que a Marítima, na verdade, não pretendia cumprir condições previstas na licitação

Foram lançadas suspeitas sobre o êxito da empresa Marítima Engenharia em obter os seis contratos. Os atrasos nos serviços contratados são apontados como indício de que a Marítima, na verdade, não pretendia cumprir os contratos. Teria oferecido os preços mais baixos e aceito os prazos fixados apenas para vencer as licitações, certa de que poderia renegociar posteriormente as condições de execução dos serviços.

A Marítima teria estado mancomunada com o ex-diretor de Exploração e Produção, Antonio Carlos de Agostini, e com o próprio ex-presidente da estatal, Joel Mendes Rennó. Agostini não quis falar ao Estado, encaminhando a reportagem a técnicos da Petrobrás. Rennó disse que não há nada de irregular nem nesses nem nos outros contratos firmados durante sua gestão de seis anos e quatro meses, encerrada em março.

Para um técnico da Petrobrás, esse tipo de acusação “é como cantar o resultado de jogo de domingo na segunda-feira”. A Petrobrás afirma que, pela Lei de Licitações (8.666), à qual estava então submetida, não podia deixar de ceder os contratos para a empresa que, uma vez habilitada, oferecesse o preço mais baixo — no caso, a Marítima.

De acordo com o especialista em direito público Floriano de Azevedo Marques Neto, “em contratos muito complexos, a contratante pode fazer constar do edital de licitação cláusula que evite a aceitação de empresa que não apresente condições de cumprir o prazo”. Azevedo Marques cita o parágrafo 4.º do Artigo 31 da lei: “Poderá ser exigida, ainda, a relação dos

compromissos assumidos pelo licitante que importem diminuição da capacidade operativa ou absorção de disponibilidade financeira, calculada esta em função do patrimônio líquido atualizado e sua capacidade de rotação.”

O presidente da Marítima, German Efromovich, reage assim: “Eu teria entrado na Justiça contra a Petrobrás, se ela tivesse feito isso.” Ele argumenta que não havia nada na situação de sua empresa que indicasse esgotamento da capacidade para assumir novos contratos. E aponta “um histórico de mais de 20 anos de relacionamento com a Petrobrás, sem um fato sequer que o desabonasse”.

German começou a trabalhar com a Petrobrás em 1975, quando criou uma empresa de inspeção industrial chamada Brastest. Em 1989, tornou-se representante da Coflexip Stena Offshore e entrou no ramo do petróleo. Em 1995, a Stena lhe vendeu a Marítima, que German já geria havia dois anos. No ano seguinte, em 1996, ele começava a vencer a seqüência de licitações.

Segundo a Petrobrás, no período das licitações, não havia indícios de que as plataformas da Marítima atrasariam. “Os projetos de engenharia estavam a todo vapor”, diz um técnico. Não teria havido motivo para não habilitá-la.

Somente na contratação da sétima plataforma dessa seqüência, em março de 1998, foi que a Petrobrás constatou indícios de atrasos.  Em vez de licitação, o serviço foi contratado por carta-convite, para consulta ao mercado, seguida de negociação direta. A Marítima não foi convidada. German garante que só não entra na Justiça contra a Petrobrás para não melindrar seu grande cliente. O motivo oficial apresentado pela Petrobrás para não convidar a Marítima é que os preparativos para a construção das plataformas já se arrastavam nesse momento, no estaleiro Davie, que acabaria falindo três meses mais tarde.

Na verdade, segundo uma fonte, somente nesse ponto, os técnicos, há tempos já preocupados com o acúmulo de contratos nas mãos da Marítima, foram capazes de “dobrar” o departamento jurídico da estatal, que finalmente concordou em avalizar a negociação direta com outras companhias.  O departamento jurídico resistia à idéia de realizar contratos desse porte — no valor de centenas de milhões de dólares — por negociação direta. Se a visão, chamada de “legalista”, do departamento jurídico preponderasse mais uma vez, a sétima plataforma também seria contratada por licitação e a Marítima poderia ganhar mais essa.

Se bem que, na licitação para a quarta plataforma, em maio de 1997, quem ofereceu o menor preço foi a Petroserv. Entretanto, a Petrobrás deixou expirar o prazo para a assinatura do contrato, sem tomar a iniciativa de firmá-lo. A Petroserv aproveitou para desistir e dedicar-se a outros contratos, num cenário em que o mercado se estava aquecendo e as taxas diárias das plataformas, subindo.

A Marítima era a segunda colocada dessa licitação e, pela Lei 8.666, se quisesse assumir o contrato, mediante desistência da primeira, teria de fazê-lo pelo preço vencedor. A Marítima assumiu, baixando quase US$ 3 milhões no preço que havia pedido. Em troca, recebeu garantias de que sua empresa não seria discriminada nas concorrências seguintes, por acúmulo de contratos. Acabou sendo, na contratação da sétima plataforma da série, há um ano, quando os boatos de favorecimento da Marítima já eram mais ostensivos.

“Custos de construção de plataformas, hoje em dia, não são mais mistério”, diz German, aparentemente sugerindo duas coisas: o preço da Marítima era factível e suas concorrentes é que andavam cobrando demais. Mas, como a Marítima explica o seu êxito em ter oferecido taxas diárias mais baixas, justamente no momento das grandes contratações da Petrobrás? German e sua equipe se orgulham de haver previsto o aquecimento da demanda e a conseqüente escassez de sondas para águas profundas e vislumbrado nos modelos compactos a chance de vencer concorrências.

Há cinco anos, a Marítima diz ter percebido que a Petrobrás precisaria de sondas novas. O cálculo foi o seguinte: há 500 plataformas no mundo. Dessas, 150 são sondas semi-submersíveis — que se deslocam como embarcações e têm sido objeto de preferência da Petrobrás. Dessas, apenas 10% podem operar em águas profundas, como são as da costa brasileira. Entre 1982 e 95, nenhuma plataforma semi-submersível para águas profundas foi construída. Em 1995, todas essas sondas estavam contratadas.

Técnicos da Petrobrás concordam que poderiam ter sido impostas condições mais estritas à habilitação, em relação ao capital das empresas ou experiência em perfurações, por exemplo. A Marítima é menor que seus concorrentes e nunca havia furado poço, quando venceu as licitações. Mas a Petrobrás, segundo eles, “estava lançando uma aposta no mercado, para a construção de plataformas aos preços e prazos menores possíveis, naquele cenário de demanda aquecida e quantidade insuficiente de sondas disponíveis para águas profundas no mercado internacional”. Quanto maior a concorrência, melhor.

Um experiente empresário do setor não considera anormal a entrada de uma empresa sem experiência em perfurações. “Tecnologia, compra-se”, diz ele. “Para cada contrato que você ganha, pode associar-se com quem tenha a tecnologia necessária.” Logo depois da adjudicação do primeiro contrato, das Amethysts 2 e 3, a Marítima se associou à Pride Foramer, uma das seis maiores do mundo no setor.

Nesse caso, o interesse da associação, de parte da Marítima, parece ter sido mais por estrutura corporativa — para captar recursos e executar a obra — do que por tecnologia, já que o projeto foi desenvolvido por ela, sem a Pride.

Antes da licitação, uma equipe da Marítima passou semanas em consulta com engenheiros da Petrobrás, segundo fontes da estatal, para definir as necessidades do cliente e as especificações técnicas ideais das plataformas.

No jargão da indústria, seu projeto foi “customizado” — desenvolvido conforme as necessidades da Petrobrás.

O empresário citado acima observa que o modelo compacto das Amethysts, que são plataformas leves, envolve riscos bem maiores do que plataformas mais pesadas — e mais caras. Uma tempestade pode mais facilmente avariar e tirar de serviço uma Amethyst do que uma plataforma maior. Se eventualmente a Petrobrás se cansar das interrupções, pode contratar os serviços de outra plataforma, deixando a Marítima, com o perdão do trocadilho, a ver navios.

Segundo a fonte, o ônus será da Marítima: “Nesses contratos de serviços, a Petrobrás se protege muito bem.” Em contraste, uma plataforma grande, diz ele, pode ser usada “do Mar do Norte para baixo”, o que quer dizer que seus proprietários têm mais opções de lugares para colocá-la em serviço, com segurança — e por mais tempo, já que são mais duráveis. Assim, as condições para amortizar o investimento e obter lucros são mais favoráveis.

A Marítima afirma, contudo, que a amplitude de operação das Amethysts não é tão estrita assim. Elas também podem operar nos mares calmos da Costa Ocidental da África e do Golfo do México, garante a empresa. As reservas angolanas, nigerianas e americanas são bem maiores que as brasileiras. Ainda segundo a Marítima, a Amethyst 1 fez perfuração no Mar do Norte. Só existe uma área — de “ambiente inóspito” — em que esse modelo compacto não pode operar: West of Shetlands, ao noroeste da Escócia, onde as ondas alcançam 30 metros.

Segundo os engenheiros da Marítima, o que torna possível que a Amethyst seja bem mais compacta que outras plataformas semi-submersíveis é o seu sistema de posicionamento dinâmico (DP, da sigla em inglês). Um emissor de sinais para o fundo do mar detecta as correntes marítimas e informa um computador que controla os motores que, pela rotação das hélices, mantêm a plataforma no lugar. O outro sistema, de semi-submersíveis ancoradas, exige plataformas de áreas bem maiores, para suportar guinchos e cabos de aço que pesam centenas de toneladas.

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