Os passageiros do vôo 8096

Depois da agitação da posse, a tranqüila viagem do ex-presidente rumo a Paris

 PARIS – O casal Fernando Henrique e Ruth Cardoso embarcou, na noite de quarta-feira, de volta para a vida normal. Ou quase. Embalado nas fortes emoções da transmissão do cargo, depois de ocupá-lo por oito anos, Fernando Henrique saiu em busca do descanso e da discrição, mas o calor dos últimos acontecimentos, os planos para o futuro, os contatos com gente importante e até mesmo a logística montada para que o casal viajasse sossegadamente sugerem que definitivamente esses dois ex-professores da USP jamais serão os mesmos.

Fernando Henrique e Ruth saíram de Brasília na tarde de quarta-feira – depois da cerimônia de entrega da faixa presidencial no Palácio do Planalto -, num avião da Força Aérea Brasileira (FAB), que os levou até a Base Aérea de Cumbica, em São Paulo. De lá, foram levados de carro diretamente para a pista onde aguardava o Airbus do vôo 8096 da TAM, 15 minutos antes da decolagem às 23h55. As malas, trazidas noutro carro, já tinham sido colocadas no avião.

O casal entrou silenciosamente na pequena área reservada à primeira classe. Das sete poltronas, três estavam ocupadas. A empresária Rosa Maria Scaravelli, dona da indústria farmacêutica IG Farma-Theraskin, de São Bernardo do Campo, surpresa com a entrada do casal, não perdeu a oportunidade de fazer uma saudação: “Obrigada por esses oito anos.” Fernando Henrique se sentou numa poltrona de trás, ao lado de Ruth.

Era a vez de ele se surpreender. Logo em seguida, o repórter e o fotógrafo do Estado se levantaram e foram em sua direção para cumprimentá-lo. Diante da promessa expressa de não importuná-lo, Fernando Henrique, com seu habitual espírito esportivo, abriu um largo sorriso: “Assim espero. O dia foi cansativo.” Dona Ruth foi menos efusiva. “Ah, gente!”, exclamou, como quem diz: “Tenha dó!”

O presidente prometeu uma entrevista para mais adiante. Não quis jantar, provando apenas o caviar. Mandou, por uma das aeromoças, um recado ao jornalista do Estado: conversaríamos no café da manhã. Em seguida, adormeceu, antes da 1 hora de quinta-feira.

O comandante e as três aeromoças da primeira classe eram conhecidos do casal: a TAM teve o cuidado de escalar para o vôo os mesmos tripulantes que atendiam no avião da companhia fretado pela Presidência da República, para as viagens internacionais de Fernando Henrique. Discreto, o piloto não anunciou a presença do ex-presidente e o restante dos passageiros da business e da classe econômica ficaram sem saber que viajavam em companhia ilustre. Somente um comissário de bordo mais afoito entrou, logo que o casal embarcou, para tirar uma foto com o ex-presidente.

Fernando Henrique pediu para ser despertado uma hora antes do pouso, às 13 horas de Paris (10 horas em Brasília). Assim que terminou o café da manhã, bastante frugal, levantou-se e veio se sentar ao lado do jornalista do Estado.

Quando o comandante anunciou a temperatura em Paris – 14° C -, Fernando Henrique sorriu, burlando-se do ameno inverno parisiense: “Está um calor danado.” Mas se corrigiu em seguida, lembrando dos tempos em que foi professor na capital francesa: “O problema é o vento frio.” Que estava a 140 quilômetros por hora. Na saída, ele despediu das aeromoças com beijos.

Recebido pelo embaixador Marcos Azambuja na porta do avião, o casal desceu tranqüilamente por uma escada privativa e entrou num dos dois carros que aguardavam na pista, ao lado do avião. O segundo carro esperou a bagagem.

Fernando Henrique e Ruth seguiram viagem para o interior da França, onde passará o fim de semana, num local que ele fez questão de manter em sigilo: “Nem eu sei para onde vou”, disse, procurando despistar.

Na segunda-feira, eles voltam para Paris, onde ficarão hospedados, por cerca de dois meses, na casa da viúva do ex-governador de São Paulo Roberto Costa de Abreu Sodré, cujo genro, Jovelino Mineiro, é sócio dos filhos de Fernando Henrique.

Mesmo em férias, o ex-presidente manterá contatos sobre seus futuros trabalhos. “Em fevereiro, eu vou para conversar com o Kofi (Anan, secretário-geral da ONU, ou pode ser que ele mande alguém aqui (na França) para conversar comigo.” Falta acertar detalhes do trabalho de Fernando Henrique como assessor especial de Anan. “Quero ter uma participação eventual e mais político-intelectual, burocrática certamente não”, descartou Fernando Henrique.

O ex-presidente vai no mês que vem a Londres, para negociar com a London School of Economics. E mantém conversações com três universidades americanas: Harvard, Brown e Columbia. “Também quero ficar um período curto de tempo todo ano (nos EUA)”, disse ele. Mas o que mais Fernando Henrique quer são férias: “O Clinton me convidou para participar em janeiro de uma conferência sobre globalização promovida pelo instituto dele nos EUA, mas não vou, porque quero descansar um pouco.”

Na volta, o ex-presidente terá muito trabalho. A mudança para o novo apartamento e os livros estão encaixotados. Fernando Henrique vai montar um instituto de pesquisas em São Paulo e diz que terá de partir do zero: “Disseram que meu instituto tinha R$ 7 milhões. Quisera eu tê-los. Não tenho um tostão.”

O ex-presidente admite que continuará tendo um protagonismo político no Brasil, mas diz que ele será “de outra natureza, não eleitoral ou partidário”.

“Nessa altura, estou pensando no que vou fazer noutras áreas”, declara. “Sou uma pessoa que se adapta muito facilmente às situações novas.”

“Depois de quase dez anos em que tenho que tomar a decisão final sobre tudo o que é importante no Brasil, isso produz um cansaço”, continua Fernando Henrique. “Quero acordar e não ter que responder telefonema com urgência nem ver na agenda o que vou fazer naquele dia, encontrar pessoas que não sabia que ia encontrar, algumas que eu não queria, participar de solenidades que não têm muito sentido para mim… Esse sentimento de liberdade é que me deixa mais contente.” 

 

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