‘Parece-me simplesmente lógico para o Brasil’, diz especialista

Economista sul-coreana recomenda política industrial para o País

 

 

Num tema em que as posições costumam ser radicais – ou se ama ou se odeia política industrial -, Meredith Woo-Cumings se destaca pelo equilíbrio. A especialista da Universidade de Michigan, que migrou da Coréia do Sul para os Estados Unidos aos 14 anos, reconhece os ganhos econômicos da política industrial praticada, por exemplo, em seu país natal. Mas não se ilude quanto aos interesses políticos e eleitoreiros que cercam essas intervenções – a começar pelo que se observa na democracia considerada mais avançada do mundo, a dos EUA. Meredith conversou com o Estado durante seminário sobre crescimento econômico na Universidade de São Paulo, na semana passada.

Estado – Como a política industrial tem contribuído para o desenvolvimento dos países?

Meredith Woo-Cumings – Política industrial não é talhada na pedra. É um mecanismo flexível que acompanha um ambiente em mudança. E provém das instituições políticas que você tem no país, do compromisso político e preferencialmente de uma meta social baseada em consenso. O país que melhor lida com política industrial são os Estados Unidos. O exemplo óbvio é que o órgão mais poderoso de política industrial nos EUA tem sido o complexo industrial-militar. Esse foi o contexto para o desenvolvimento da indústria microeletrônica nos EUA. O governo subsidiou o surgimento de toda a indústria no complexo militar.

Estado – A proteção do setor siderúrgico pela administração Bush é um bom exemplo de política industrial?

Meredith – É. A consistência de uma política como essa está ligada ao segundo aspecto que mencionei: o mecanismo e o compromisso político. O presidente Bush deixou muito claro que a meta política de sua administração são as eleições. Os seis votos eleitorais (nas primárias) do Estado de West Virginia importam mais do que qualquer outra coisa, mais do que a saúde da ordem comercial mundial.

Estado – Mas isso não é ruim para a própria economia americana, na medida em que a indústria é obrigada a comprar o aço mais caro?

Meredith – Certo. Mas também é cálculo eleitoral no sentido de que pode ser ruim para um segmento dos consumidores e da indústria dos EUA, mas os consumidores e as indústrias afetadas pelo custo mais alto do aço não estão organizados como um grupo político. Nesse caso, a política atropela a economia e o bem-estar da população. Mas isso também é da essência da política industrial. Ela não está desenhada em nenhum país levando em conta seu impacto sobre a economia como um todo hoje, amanhã e depois de amanhã. Mas numa perspectiva muito maior, sobre o que é bom para o país no longo prazo, ou, no caso dos EUA, o que é bom para o ciclo eleitoral no longo prazo, não só nas eleições para o Congresso este ano, mas também para a eleição presidencial de 2004.

Estado – O que pode dar errado numa política industrial?

Meredith – Nas ex-colônias européias do Sudeste Asiático, como Malásia e Indonésia, muito do que se chama de política industrial é um arranjo político para proteger algum industrial influente de um revés. Portanto, é preciso ser muito cuidadoso. Embora não seja sempre muito fácil distinguir, porque, onde quer que haja política industrial, alguém está recebendo riqueza, sendo protegido, obtendo um lucro que provavelmente não mereceria obter, a não ser sob certas circunstâncias, sob uma meta política particular estabelecida para o longo prazo do país.

Estado – Foi isso o que ocorreu com os chabol (grupos oligopólicos) da Coréia do Sul?

Meredith – Sim, há transferências de riqueza envolvidas, mas acho que de maneira geral funcionou bem na Coréia do Sul. A chave para o sucesso sul-coreano foi que, ao mesmo tempo em que deram benefícios para industriais, também impuseram disciplina sobre eles. A política toda foi orientada por metas claras, embora em alguns casos essas metas fossem muito cruas. Disseram, por exemplo: ‘Okay, daremos monopólio a você, em termos de vendas no mercado interno, mas, para ter esse benefício, você terá que exportar um determinado volume e se não atingi-lo, adeus, você teve a sua chance e a desperdiçou’. Os economistas dizem que isso é muito ruim, porque muitas vezes exportaram às custas de grandes perdas, ou fizeram dumping no mercado americano, enquanto eram protegidos no mercado interno. Mas outra maneira de ver isso foi que, mesmo que estivessem exportando com prejuízos, ainda assim adquiriram uma fatia de mercado, e isso é muito importante, porque no futuro se pode expandir a partir dessa base. São os prós e contras.

Estado – A política industrial contribuiu para a crise financeira de 1997 na Coréia do Sul?

Meredith – O mecanismo financeiro era o principal mecanismo da política industrial. O governo tinha controle dos bancos e estabelecia os juros, sempre mais baixos do que a inflação. A Coréia era muito excepcional, muito como o Brasil. Foi o único país que permitiu deliberadamente que a inflação fosse alta. De maneira que os empréstimos eram subsidiados, porque se a inflação era de 12% e os juros de 6%, por exemplo, há aí um subsídio de 6%. Portanto, quem quer que pudesse obter um empréstimo bancário, recebia algum tipo de renda. Até o período da crise, o crédito doméstico era mais barato do que captar dinheiro no exterior. Isso foi muito bom, porque significou um limite à globalização. As pessoas ainda estavam usando dinheiro doméstico e nesse sentido o país era menos vulnerável.

Estado – Seria possível transpor o modelo da Coréia do Sul ou de Taiwan?

Meredith – Acho que não funcionaria no Brasil porque os anos 70 (em que essas políticas foram implementadas) foram muito excepcionais para a Coréia e Taiwan. Os dois países são divididos e vivem um estado de guerra, e naquela década esses conflitos estavam particularmente acirrados. Havia um alto grau de militarização, que significou o desenvolvimento da indústria pesada, e a única maneira de fazê-lo era por meio de política industrial. Isso não contém muitas lições para o Brasil, que sempre viveu longe da guerra fria. Mas uma política industrial seletiva, para impulsionar indústrias nas quais o Brasil possa ser competitivo, parece-me simplesmente algo lógico.


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