Petrobrás cancela contrato de US$ 546 milhões

Acordo com a Marítima Engenharia para fornecimento de duas plataformas de perfuração estava sob forte pressão política e havia suspeita de irregularidades

A Petrobrás anunciou ontem à noite a decisão de rescindir quatro contratos de afretamento de plataformas de perfuração de petróleo e de serviços, no valor total de US$ 546 milhões, por motivo de atraso. Dois dos contratos haviam sido firmados com a Marítima Engenharia e Petróleo Ltda e os outros dois com a multinacional Falcon e sua representante no Brasil. Cancelamento de contratos desse porte é fato inédito na história da estatal.

A Marítima era reponsável pela maior parte desse montante: US$ 391,7 milhões, referentes a duas plataformas de perfuração. Elas deveriam ter entrado em serviço há quase oito meses, mas o estaleiro onde estavam sendo construídas, no Canadá, faliu. A Marítima alega motivo de força maior.

Esses e outros contratos firmados entre a Petrobrás e a Marítima têm sido alvo de intensas pressões, na forma de gestões políticas em Brasília, de suspeitas lançadas na imprensa e de disputas dentro da própria estatal. Finalmente, na reunião mensal de sexta-feira, o Conselho Administrativo da Petrobrás aprovou a rescisão dos dois contratos. No fim da tarde, o diretor de Exploração e Produção, José Coutinho Barbosa, enviou carta à Marítima, comunicando a decisão, em caráter irrevogável.

Na carta, a Petrobrás afirma que sua decisão foi causada pela necessidade de reduzir gastos. A desvalorização do real afetou a estatal, que tem a maior parte de seus contratos cotados em dólar. Entretanto, especula-se no setor que a decisão teve também forte componente político, em razão das suspeitas lançadas sobre os contratos entre a Marítima e a Petrobrás — fomentadas por concorrentes da empresa.

A Marítima atraiu atenção ao vencer, entre dezembro de 1996 e setembro de 1997, quatro licitações internacionais — e assumir o contrato de outra, em que ficara em segundo lugar, depois que a primeira colocada desistiu. Esses contratos são para afretamento de seis plataformas e prestação de serviços de perfuração de poços, por prazos que variam de cinco a sete anos, e somam US$ 1,5 bilhão. As duas primeiras licitações foram para as plataformas cujos contratos estão sendo agora cancelados.

A Marítima venceu as licitações comprometendo-se a construir seis sondas de um novo modelo, denominado Amethyst, desenvolvido em conjunto com a holandesa Workships Contractors. Segundo a Marítima, por ser mais compacto, esse modelo leva menos aço e reduz os custos entre US$ 40 e 90 milhões, em comparação com os modelos convencionais, propostos por suas concorrentes. Já trabalha há cerca de três anos no Brasil, em serviço de limpeza de poços, a Amethyst 1, construída pela Workships e operada pela Marítima.

Na época das quatro primeiras licitações, a Marítima não tinha experiência em perfuração de poços. A empresa começou a operar uma sonda de perfuração, a Nymphea, justamente no mês da última licitação dessa série — setembro de 1997. Segundo denúncias, o fato de a Petrobrás ter entregue contratos de seis sondas para uma empresa sem experiência seria um dos indícios de irregularidade.

O presidente da Marítima, German Efromovich, responde lembrando que há dois critérios alternativos para a habilitação de empresas nesse tipo de licitação: a propriedade de plataformas e o “acervo técnico” que as capacite a executar os contratos. A Marítima enquadra-se, diz German, no segundo caso. A empresa está, desde junho de 1996, quando começou a operar a Amethyst 1, associada à americana Pride Foramer, que realizou “o primeiro furo da Bacia de Campos, há 25 anos”.

Além disso, a Marítima também já havia trabalhado em perfuração com a americana Diamond. E emprega uma equipe de engenheiros vinda da OPL (do Grupo Odebrecht). “Se provo, com registros no Crea (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura), que meus profissionais têm experiência no setor, a estatal não pode me alijar do processo licitatório”, diz German.

Citando como exemplo uma concorrente, German afirma que a Petroserv também não tinha plataforma antes de ganhar o contrato para sua sonda Louisiana, há cerca de três anos. Mas tinha experiência anterior, como associada à Etesco, de São Paulo. Da mesma forma, diz German, a OPL obteve experiência associada a outros.

As duas primeiras plataformas a serem construídas — Amethysts 2 e 3 — deveriam ter iniciado os serviços no dia 29 de setembro, segundo o contrato.

De acordo com a Marítima, o projeto de engenharia foi concluído, todos os equipamentos foram adquiridos, o aço chegou a ser cortado e a solda iniciada, mas o estaleiro Davie, no Canadá, onde as plataformas seriam construídas, faliu, em meados do ano passado. A Marítima diz que seu prejuízo com o cancelamento desses contratos é da ordem de US$ 50 milhões.

A construção estava parada havia um ano, à espera de definição sobre onde prosseguiria. A Marítima afirmou ter a opção de montar cada uma das duas nos outros dois estaleiros onde está construindo as outras quatro plataformas.

Alternativamente, propôs construí-las nos estaleiros do Rio — criando 3 mil empregos diretos e 6 mil indiretos. A Marítima associou-se ao Estaleiro Mauá, por meio de contrato de arrendamento por 30 anos, com opção de compra.

De acordo com o presidente do Sindicato Nacional da Indústria Naval (Sinaval), Omar Resende Peres, no início dos anos 80, a indústria naval fluminense respondia por 40 mil empregos diretos e 200 mil indiretos. Hoje, são apenas 2 mil empregos diretos. O setor encarava a proposta de construir as Amethysts 2 e 3 no Brasil como oportunidade de reerguimento. Segundo cálculos da Agência Nacional do Petróleo (ANP), nos próximos quatro anos, o volume de investimentos em exploração e produção será da ordem de US$ 15 bilhões no Brasil — e US$ 300 bilhões no mundo.

Para o presidente do Sinaval, as condições estão dadas para que a indústria naval fluminense participe desse mercado: “Parque industrial montado, no valor de bilhões de dólares, mão-de-obra qualificada e até recursos financeiros do Fundo da Marinha Mercante”, que arrecada US$ 500 milhões ao ano (dos quais o governo liberou apenas US$ 180 milhões no ano passado), com a cobrança de 25% de adicional sobre o valor do frete dos produtos importados.

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