Política industrial: de mal a panacéia

Depois de amargar o abandono por mais de uma década, ela voltou para o topo da agenda na sucessão

 


De início, falava-se dela com algum receio e muitas ressalvas. Defendê-la frontalmente, só diante de amigos ou sócios do mesmo grêmio empresarial, entre quatro paredes. Com o tempo, seus simpatizantes foram crescendo e vencendo o temor de linchamento intelectual. Depois de mais de uma década de banimento, a expressão “política industrial” está agora na boca do povo. Consagrada nessa sucessão, em que os quatro candidatos a defenderam, ela abandonou a condição de doença curada, para assumir a de panacéia.

A ambivalência sempre acompanhou a política industrial. Mesmo os seus detratores de hoje concordam que ela teve papel central no desenvolvimento do Brasil, dos dourados anos 50 de Juscelino Kubitschek até o “milagre econômico” de fim dos 60 e início dos 70. Mesmo os que a propõem, reformulada, reconhecem que ela foi expressão do Estado clientelista, que elegia os “vencedores” por critérios escusos, freqüentemente transferindo riqueza não segundo a eficiência, mas a influência.

Durante um mandato e meio de Fernando Henrique Cardoso, predominou no governo – e no País, ainda que em ritmo decrescente – a noção de que um ambiente macroeconômico favorável tornava supérflua, além de incompatível, uma política industrial. Num ambiente de inflação, carga tributária e juros baixos, a indústria eficiente floresceria e a ineficiente teria o destino merecido.

Nos últimos dois anos, o déficit crescente nas contas externas foi minando as bases dessa certeza. A virada foi marcada com uma frase do próprio presidente, quando dava posse ao seu ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Sérgio Amaral, em agosto de 2001: “É exportar ou morrer, como se fosse um novo tipo de independência.”

Desde então, uma forte crença foi-se formando no Brasil, em torno da tese oposta àquela que domina a equipe econômica do governo. Completando o giro de 360 graus e consumando a reabilitação da política industrial, ela é vista agora como precondição para formar um ambiente macroeconômico favorável (veja em Próxima).

Num certo sentido, o empresariado nacional também está se sentindo reabilitado. “A vingança é um prato que se come frio”, sorri Horácio Lafer Piva, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “A indústria brasileira foi muito deixada de lado.” Depois de “muitos embates com o governo”, Lafer Piva sentia uma real disposição do ministro Sérgio Amaral para o diálogo.

Exemplo da correlação entre o ambiente macroeconômico e os problemas da indústria é a balança comercial no setor eletroeletrônico, no qual as importações vêm aumentando muito mais depressa do que as exportações. Em 1990, as exportações somaram US$ 1,7 bilhão e as importações, US$ 2,8 bilhões; em 2001, esses números saltaram para US$ 4,5 bilhões e US$ 12,5 bilhões, respectivamente.

A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) estima que em 2010 as importações cheguem a US$ 40 bilhões, se nada for feito. O presidente da Abinee, Carlos de Paiva Lopes, propõe que o governo incentive a instalação no Brasil de uma grande fabricante de chips, componentes que o País não produz e que são a alma dos eletroeletrônicos.

José Augusto Marques, presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), compara o abandono da política industrial por causa de suas falhas a jogar fora o bebê junto com a água do banho. “Não há ambiente tão propício que dispense política industrial.”

E o ambiente não é exatamente propício. De acordo com o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), os impostos em cascata e a diferença de juros frente aos concorrentes estrangeiros superam em muito as tarifas de importação no Brasil. “Competir com tarifa negativa significa arrochar salário e renda”, resume Ivoncy Ioschpe, presidente do Iedi.

Segundo Lafer Piva, não se trata de adotar a política industrial dos anos 60 e 70, mas de medidas “mais horizontais que verticais”, ou seja, mais destinadas a igualar as condições de competitividade com os concorrentes, que gozam de juros mais baixos e impostos mais racionais, do que

propriamente de benefícios setoriais. “Uma nova política industrial tem de incluir como atributos desempenho, transparência e tempo definido quanto às medidas específicas”, diz o presidente da Fiesp.

Para todos os representantes da indústria, existem hoje instrumentos confiáveis para medir o potencial de cada segmento e determinar medidas pontuais para impulsionar sua eficiência. E a negociação com o governo pode ser perfeitamente transparente.


 

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