Proibição do trabalho infantil revolta comunidade em Minas

Pais gostariam que seus filhos pudessem trabalhar para complementar renda e aprender uma profissão

 

SANTA RITA DE OURO PRETO, MINAS – Júnior completa 14 anos este mês. Aluno aplicado, está cursando a 8ª série numa escola de Santa Rita, distrito de Ouro Preto a 120 quilômetros de Belo Horizonte. No ano passado, ele trabalhou numa oficina de artesanato de pedra-sabão. Estudava das 7h às 11h e trabalhava das 12h às 16h. Com um salário de R$ 100 por mês, estava feliz da vida de ter “o seu dinheirinho”.

Mas a alegria não durou. Depois de dois meses, a Subdelegacia Regional do Trabalho baixou na empresa, que foi autuada e dispensou Júnior, com outros dois adolescentes. O mesmo aconteceu noutras oficinas que empregavam menores no distrito de Santa Rita, de 7 mil habitantes, que vive da mineração e do artesanato de pedra-sabão. Este ano, Júnior conseguiu vaga na escola à noite, mas não encontra o que fazer de dia. Seus pais estão revoltados.

“Agora é que tava bom. Poderia trabalhar o dia inteiro”, diz sua mãe, uma dona de casa de 38 anos. “O que ele ganhava ajudava e muito”, conta o pai, de 42. “Já imaginou meu filho estudando em Ouro Preto, e eu sozinho com meu salário sustentando?”, pergunta o pai, motorista de caminhão. A mãe não entende por que menores de idade não podem trabalhar: “É só saber dividir o tempo, uai. Não tem criança que é artista de novela? Por que na TV pode?”

O casal, que tem também uma filha de 10, um de 7 e outra de 6 anos, tentou cadastrar-se no Bolsa Família, mas não conseguiu, por causa do salário de R$ 840 do pai. Mas a preocupação não é só com dinheiro: “Esse menino vai ficar um marmanjão desses que não sabem fazer nada”, teme a mãe.

As queixas se repetem em muitos lares do distrito de Santa Rita, desde que a Subdelegacia começou a reprimir com vigor o trabalho infantil no artesanato de pedra-sabão, tradição de mais de 200 anos na região.

“Tinha que debater mais esse negócio de menor de idade não poder trabalhar”, critica Paulo Sérgio da Silva, dono de uma oficina de artesanato, que admite que empregava adolescentes até dois anos atrás, quando foi autuado por isso. “Menino de 14 anos não tá menino mais. Namora, pode ter até filho. Trabalhar, não pode.” Hoje com 42 anos, ele começou a trabalhar aos 14: “Eu saía da escola e ia amassar tijolinho. Nem recebia, era para aprender. Por isso somos homens hoje.”

LADRÃO

Maria Aparecida Bernardes, de 56 anos, fazendeira e artesã, condena: “É por isso que tem tanto ladrão nesse mundo. Menino não pode trabalhar, vai roubar.”

É comum ouvir entre os moradores de Santa Rita e das localidades que a circundam críticas ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), tanto pela parca ajuda de custo (R$ 25 por criança por mês na zona rural) quanto pelas atividades de recreação que oferece em sua “jornada ampliada”, como jogos e teatro. Muitos chamam isso de “aprender sem-vergonhice”.

Na visão da comunidade de Santa Rita, o tempo livre seria mais bem aproveitado pelos menores se eles tivessem reforço escolar ou aprendessem uma profissão – no caso, a de artesão da pedra-sabão, praticamente a única opção de trabalho na região. Em todo caso, o Peti não dá para todo mundo. Em todo o distrito de Santa Rita, o número de bolsas está sendo ampliado de 40 para 100 crianças. Outros programas assistenciais são bem mais robustos, como o Bolsa Família, que atende a 639 lares, e o Bolsa Escola e o Vale Gás, a 390.

“Meu filho tem 13 anos e é do meu tamanho”, diz José do Carmo Pinto, que trabalha numa oficina na beira da estrada, em parceria com o dono de uma pedreira no Vale das Bandeiras, onde se concentram as jazidas de pedra-sabão da região. “Se pudesse, eu ensinava a profissão para ele”, lamenta, enquanto molda uma carota, espécie de moringa para cachaça. “Desde que estivesse na escola, cumprindo seus deveres, se pudesse ajudar, seria uma boa. Mas não pode. A fiscalização vem em cima.”

SUJEITO

Segundo a socióloga Isa de Oliveira, secretária-executiva do Fórum Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, essa visão é generalizada no Brasil, sobretudo no interior. “Parcela significativa da população não tem informação suficiente para entender a importância do direito de ir à escola, de brincar, de ter infância”, observa. “O lúdico é educativo, é formativo.” Segunda Isa, o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, torna a criança sujeito de direitos. “Há uma cultura segundo a qual a criança é um objeto, e o adulto tem direitos sobre ela.”

A lei não distingue as crianças que trabalham para os pais daquelas empregadas fora de casa. O trabalho infantil é proibido pela Constituição até 14 anos e permitido dos 14 aos 16 sob um contrato especial de aprendiz. Mas a sua aplicação comporta nuances. “Nunca fomos para Santa Rita com o tacão da lei”, diz Maria Isabel Dacal Barrio, subdelegada regional do Trabalho. “No artesanato familiar, a ação não é fiscalizadora, mas de educação.” Já nas empresas e no garimpo, onde o trabalho informal e a mineração clandestina são a regra, Maria Isabel – chamada de “a juíza”, num misto de temor e hostilidade – tem feito inúmeras autuações.

Trabalhando na região desde 1996, a subdelegada está desiludida. Ao longo desses anos, Maria Isabel tem insistido com as famílias que elas devem se unir em cooperativas, transferindo as oficinas de fundo de quintal para locais comuns e apropriados, longe das crianças. Em contrapartida, seriam incorporadas no currículo das escolas locais aulas de design e segurança no trabalho, para as crianças progredirem, rompendo o ciclo de pobreza que se reproduz a cada geração.

“Mas eles não querem se organizar, se fortalecer, porque se consideram concorrentes entre si”, resigna-se a subdelegada do Trabalho. 


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