Seleção artificial entra no lugar da seleção natural

O Estado voltará a escolher os vencedores entre aqueles que perderam nos anos 90

 

 

Um governo ativo na geração de empregos, com obras públicas, política industrial, créditos e incentivos, implica no que os economistas chamam de “escolha dos vencedores”. Se o mercado é o ambiente da seleção natural, estamos entrando no laboratório da seleção artificial.

André Urani, presidente do Iets, é um dos que consideram a decisão um equívoco. “Em vez de repetir estratégias que já fizeram seu tempo, como substituição de importações, eleição de vencedores e de setores estratégicos, com o Estado substituindo o mercado no papel de alocador de recursos, deveriam fazer o mercado funcionar melhor”, diz Urani.

Para ele, a experiência internacional mostra que “não é o desenvolvimento fordista, a grande empresa, a indústria de ponta que gera mais e melhores empregos, mas as redes de micros e pequenas empresas”, como as do Nordeste da Itália. São essas redes que permitem combinar crescimento econômico com redução de desigualdade e geração de trabalho e renda, argumenta Urani.

Ele acha que, em vez de se preocupar em atrair uma fábrica de microprocessadores, por exemplo, o Brasil deveria procurar prover pequenas empresas de segmentos tradicionais, como móveis, confecções e têxteis com o que elas necessitarem: crédito, informações, assistência técnica, apoio à comercialização, comunicações, água, esgoto, eletricidade, transportes, etc. “Ao longo da história, criamos esse ambiente para grandes empresas, quando nossa melhor chance de inserção mundial são os setores tradicionais e de ponta em micro e pequenas empresas.”

Urani cita o exemplo dos móveis. A Itália, que tem mão-de-obra cara e escassa e não tem matéria-prima, produz US$ 50 bilhões em móveis por ano e exporta US$ 25 bilhões, dos quais US$ 12 bilhões para os EUA, que representam um mercado de US$ 70 bilhões. O Brasil, que tem mão-de-obra barata e matéria-prima, exporta US$ 250 milhões. De olho na Área de Livre Comércio das Américas (Alca), empresas italianas estão investindo em joint ventures no pólo moveleiro de Uberlândia (MG).

“Apostar em pactos de desenvolvimento local, com ampla articulação dos setores público e privado e da sociedade civil, é muito mais eficaz do que qualquer coisa costurada em Brasília, com a escolha de vencedores e migalhas para os perdedores”, garante Urani.

Soma zero – Para Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, no Rio, se os anos 90 foram a “década do consumidor”, estamos entrando agora no “império do produtor”. Segundo Neri, os consumidores foram os grandes beneficiados com a abertura comercial, a privatização e a reforma administrativa, enquanto os produtores nacionais perderam com isso.

Com a ênfase na demanda e a política industrial, diz o pesquisador, os produtores serão favorecidos, mas os consumidores levarão a pior no preço mais alto e na pior qualidade dos produtos nacionais protegidos. “A maioria difusa e silenciosa dos consumidores vai perder.”

Neri compreende que essa política tenha a finalidade de gerar não só empregos, mas também exportações, e que a escassez de dólares é uma restrição ao crescimento. Mas considera “complicado” privilegiar, com recursos públicos, grupos que, embora tenham sido perdedores nos anos 90, não são a parte mais fraca da sociedade. Por isso, em contraste, o pesquisador considera “genial” o Programa Fome Zero, que dará dinheiro aos mais pobres. 


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