Sem idade mínima nem teto, Brasil ignora os fundamentos do sistema

Aposentadoria faz as vezes de complemento de renda

A Previdência brasileira é insustentável porque viola todos os fundamentos do que os especialistas chamam de doutrina previdenciária: idade mínima de aposentadoria, teto para benefícios e relação consistente entre receita e despesas e entre contribuições e benefícios. Mesmo respeitando esses fundamentos, as previdências de todo o mundo têm enfrentado dificuldades e sofrido reformas, por causa de mudanças nos perfis da população e do trabalho; sem respeitá-los, a explosão de hoje no Brasil já era previsível décadas atrás.

A emenda constitucional n.º 20, de dezembro do ano passado, estipulou como teto da aposentadoria dos servidores públicos federais o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que hoje é de R$ 12.700. Permite, no entanto, que esses aposentados recebam também aposentadorias e pensões de outros regimes – além de salários por outras funções e cargos. E garante aos aposentados os reajustes, aumentos, benefícios e vantagens que os da ativa da mesma função venham a receber.

Para os aposentados da iniciativa privada, o teto é de R$ 1.255. Entretanto, os mais de 900 mil servidores e 18 milhões de trabalhadores que se aposentaram antes da promulgação da emenda, em dezembro, estão livres desses tetos.

A emenda também impôs idade mínima de 65 anos para homens e 60 para mulheres. Mas criou regime de transição, pelo qual quem já estava filiado antes de sua promulgação pode aposentar-se com 53 e 48 anos, respectivamente. A outra condição é tempo de contribuição de 35 anos para homens e 30 para mulheres. Na prática, portanto, no período de uma geração, a emenda manteve o regime de tempo de serviço.

“Não creio que isso se mantenha por mais de cinco anos”, prevê o ex-ministro da Previdência e Assistência Social, Reinhold Stephanes. O especialista diz que o Brasil teria de adotar idade mínima de 60 anos e considera obsoleta a distinção entre homens e mulheres.

Stephanes condena as aposentadorias especiais com tempo de serviço de 15 a 25 anos para atividades insalubres. “Se determinado trabalho prejudica a saúde, ele deve ser proibido.” Também não vê sentido na redução em cinco anos do tempo de serviço dos professores do ensino fundamental ao médio. “Pagam salários baixos para os professores e os compensam aposentando-os cedo.”

Essa atitude se estende a todas as categorias. “A aposentadoria é vista no Brasil como complemento de renda.” O Brasil é provavelmente o único país do mundo que permite aos aposentados trabalhar. Essa permissão atropela outro conceito básico: “A aposentadoria é um seguro de renda destinado àqueles que perderam a capacidade de trabalho”, ensina o Livro Branco da Reforma da Previdência, editado pelo ministério.

“A Previdência é vista como a forma de compensar as precariedades do País”, resume Stephanes. Não só econômicas, mas também políticas, como comprova a aposentadoria especial para os perseguidos pelo golpe militar de 1964. Jornalistas empregados em veículos pequenos ou funções de remuneração relativamente baixa passaram a receber benefícios equivalentes aos salários de diretores de grandes jornais, com base no argumento de que, se não fosse o golpe, poderiam ter chegado lá. Pelo mesmo artifício, funcionários de filiais saltaram para o patamar de renda de presidentes de matrizes.

Em todos esses casos, a relação entre contribuição e benefício é nula. Além disso, no tempo em que o sistema era jovem, e apresentava superávits, graças a uma relação muito mais favorável entre número de contribuintes e de beneficiários, sofreu desfalques dos sucessivos governos. As contribuições dos trabalhadores ajudaram a financiar até a construção de Brasília. Milhões de pessoas foram agraciadas com benefícios, sem contrapartida de contribuição nem provisão do Tesouro.

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