Temer, relembre Lyndon Johnson

LYNDON JOHNSON ASSINA O IMMIGRATION ACT: inspiração de um vice que assumiu e entrou para a história americana/ Wikimedia Commons

Michel Temer tem diante de si a tarefa de transformar o Brasil em um país viável de todos os pontos de vista, por meio de reformas que o colocariam em igualdade de condições com a fatia do mundo que ruma para a prosperidade e a redução das desigualdades, mas que enfrentam monumentais resistências. Não retroceder e superar essas resistências requerem tenacidade e liderança. Ao longo da história, inúmeros governantes abraçaram desafios como esse. Na qualidade de vice tornado presidente, Temer poderia se mirar no exemplo de Lyndon B. Johnson. Eleito vice na chapa de John F. Kennedy em 1960, Johnson assumiu a presidência a bordo do Air Force One, o avião presidencial, às 14h38 do dia 22 de novembro de 1963, diante de um mundo estarrecido com o assassinato do presidente, em um dos momentos mais dramáticos da história dos Estados Unidos.

Mas LBJ, como era conhecido, não veio para a Casa Branca apenas para tapar um buraco. Em seu curto primeiro mandato, e no seguinte, reeleito, Johnson aprovou no Congresso sucessivas leis, um conjunto sem precedentes de medidas que ele batizou de programa Grande Sociedade, que equivale a uma revolução e representa hoje o alicerce da sociedade americana. Para isso, LBJ contou com duas habilidades desenvolvidas ao longo da vida: sua sensibilidade ao sofrimento dos mais necessitados, forjada na sua infância pobre, e sua compreensão do funcionamento do Congresso, adquirida como líder democrata no Senado. Algo que também não falta a Temer, como veterano deputado e ex-presidente da Câmara.

Johnson era o filho mais velho de um total de cinco. Embora seu pai fosse empresário e deputado estadual no Texas, e sua mãe, filha também de deputado estadual, ele cresceu em uma casa de três cômodos, em meio a dificuldades financeiras. Seu pai perdera tudo em especulação com algodão. Depois de concluir o ensino médio, aos 16 anos, ele trabalhou de bico durante três anos, até entrar no magistério. Ao se formar, passou a trabalhar como professor em uma escola em Cotulla, no Texas, frequentada predominantemente por mexicanos muito pobres. Essa experiência consolidou a sua sensibilidade social. Ele entrou para a política em 1930, trabalhando na campanha do deputado democrata Richard Kleberg. Com sua eleição, Johnson mudou-se para Washington e se tornou seu assistente. Em 1938, Johnson se elegeu deputado, cargo que ocupou durante 12 anos — interrompido apenas entre 1941 e 42, para lutar na 2.ª Guerra Mundial, na Marinha.

Depois de uma derrota na disputa para o Senado em 1941, Johson venceu as primárias democratas de 1948, para ser candidato a senador, por apenas 87 votos, de um total de 988 mil. Ficou na Casa durante outros 12 anos, e foi líder tanto da minoria quanto da maioria democrata. Seu estilo de liderança era implacável, impondo disciplina à bancada do partido. Nas primárias presidenciais de 1960, ele foi derrotado por Kennedy, por 809 a 409. E acabou surpreendendo ao aceitar o convite do rival para ser seu vice. Sem seu nome na chapa, Kennedy provavelmente não teria vencido no Texas, na Louisiana e nas Carolinas do Norte e do Sul, derrotando assim o republicano Richard Nixon.

Assim como aconteceu com Temer durante o mandato e meio de Dilma Rousseff, Johnson foi relegado durante o governo de Kennedy. O presidente não aproveitou a extraordinária habilidade de seu vice em lidar com o Congresso, enquanto tentava aprovar leis ampliando os direitos dos negros e dos pobres. Johnson se sentia desprezado por Kennedy, e atribuía isso às diferenças sociais entre ambos. Kennedy provinha de Massachusetts, na rica e industrializada região da Nova Inglaterra, era filho de empresário e político e de uma socialite e filantropista, além de ser assediado pelas mulheres por sua beleza e glamour. O texano Johnson era a antítese de tudo isso.

Entretanto, depois da morte de Kennedy, coube a Johnson aprovar no Congresso as leis de direitos civis. Não contente, ele avançou muito mais do que o plano original do presidente morto.

Cinco dias depois do assassinato, Johnson fez um pronunciamento perante uma sessão conjunta do Congresso, no qual evocou a memória de Kennedy, para pedir a aprovação das reformas. Em janeiro do ano seguinte, o presidente fez um histórico discurso sobre o Estado da União: “Esta administração hoje, aqui e agora, declara uma guerra incondicional contra a pobreza na América. Conclamo este Congresso e todos os americanos a se juntarem a mim nesse esforço. Não será uma luta curta ou fácil, não será suficiente só uma arma ou estratégia, mas não descansaremos até vencer essa guerra. A nação mais rica da terra pode vencê-la. Não podemos pagar o preço de perdê-la. Mil dólares investidos em resgatar um jovem inempregável hoje podem retornar 40 mil dólares ou mais ao longo de sua vida”.

Procurando afastar um obstáculo que hoje também atrapalha o Brasil — a falta de colaboração de Estados e municípios com as reformas —, Johnson manifestou sua preocupação com a participação dos outros níveis de governo: “A pobreza é um problema nacional, que requer organização e apoio nacionais. Mas esse ataque, para ser efetivo, deve também ser organizado, apoiado e dirigido por esforços estaduais e locais. Porque a guerra contra a pobreza não será vencida aqui em Washington. Ela tem de ser vencida no campo, em toda casa, em toda repartição pública, do tribunal até a Casa Branca”.

Já no mês seguinte, com uma série de emendas apresentadas por defensores dos direitos civis, a Câmara aprovou uma lei muito mais abrangente do que a proposta inicialmente por Kennedy. Ela eliminou exigências para o exercício do voto, que dificultavam o acesso dos mais desprovidos, proibiu a segregação racial em lugares públicos, a discriminação de raça e sexo na contratação de trabalhadores e na filiação a sindicatos, e autorizou o Ministério Público a processar escolas que bloqueassem o ingresso de alunos negros. Depois de 83 dias de obstrução por parte de senadores do Sul, tradicionalmente mais racista, o Senado aprovou a lei em junho de 1964.

Na eleição de 1964, Johnson obteve 61% do voto popular, derrotando o republicano Barry Goldwater no colégio eleitoral por 486 a 52. Ele interpretou a vitória acachapante como forte mandato para levar adiante sua guerra contra a pobreza.

Nos anos seguintes, e ao longo do seu segundo mandato (1965-69), Johnson obteve a aprovação no Congresso de uma série de leis e políticas públicas, que no seu conjunto foram comparadas e consideradas uma continuação do New Deal (1933-38), com o qual o presidente Franklin D. Roosevelt combateu os efeitos da Grande Depressão. As medidas incluíram a criação do programa Job Corps, do Ministério do Trabalho, que existe até hoje, e oferece capacitação de mão-de-obra para jovens de 16 a 24 anos. Nesse período também foram criados o Medicare e o Medicaid, que garantem atendimento médico para os velhos e os pobres, respectivamente. Foram lançados ainda programas na área de educação, moradia, infra-estrutura urbana, meio ambiente e imigração.

Essas iniciativas iam contra o instinto e a cultura americana, que valorizam o esforço e a realização individuais em detrimento da interferência do Estado. Com elas, os EUA se distanciaram um pouco do darwinismo social, adotando salvaguardas que caracterizam o sistema de bem-estar social das social-democracias europeias. Essa combinação de amparo social para os que precisam de ajuda com o substrato, que continuou existindo, de ambiente favorável ao empreendedorismo, à competição e à inovação, potencializou os Estados Unidos, permitindo que eles se tornassem o que são hoje — apesar de todas as suas contradições e conflitos internos.

Assim, pela porta dos fundos da Casa Branca, Johnson se tornou um dos presidentes mais importantes da história do país. Assim que assumiu a presidência, ele passou a aperfeiçoar seus métodos de persuasão. Tornou-se habitual o presidente interromper negociações com líderes políticos com um convite para um mergulho na piscina da Casa Branca. Como não haviam trazido roupas de banho, Johnson os convencia a — como ele mesmo — entrar nus. Era uma espécie de ritual de batismo para um novo grau de confiança e intimidade. Bom, Temer não precisa copiar Johnson em tudo.

Até porque uma outra guerra, como resultado da peculiaridade da posição americana na guerra fria, definiu a carreira dele tanto quanto a sua guerra contra a pobreza. Na campanha de 1964, Johnson havia prometido não ampliar o envolvimento dos EUA no Vietnã. Entretanto, guerras seguem o seu próprio curso, e um ataque de guerrilheiros vietcongues contra a base americana de Pleiku, em fevereiro de 1965, levou-o a lançar a Operation Rolling Thunder, uma série de bombardeios aéreos, somado ao envio de 3.500 fuzileiros navais. Sucessivas mobilizações elevaram o efetivo americano no Veitnã para 180 mil ao final daquele ano, e para 500 mil, em 1968.

A escalada, as mortes de soldados americanos e de civis vietnamitas, o custo da guerra, que chegou a US$ 25 bilhões em 1967, e a inflação resultante levaram a uma queda acentuada na popularidade do presidente. Johnson se sentiu mortificado com os protestos, sobretudo dos jovens, que gritavam “Hey, hey, LBJ, how many kids did you kill today?” (“quantas crianças você matou hoje?”) Era a opinião pública liberal, que mais importava para ele, que se voltava contra o presidente. Johnson passou a evitar viagens e aparições públicas para não se expor a essas manifestações. Quebrando uma tradição segundo a qual o presidente se lança à reeleição sem ser desafiado pelo seu partido, o senador Eugene McCarthy lançou sua candidatura em 1968. Foi a gota d’água para Johnson mais uma vez surpreender o país, anunciando, em 31 de março de 1968, que havia ordenado a redução dos bombardeios no Vietnã, que havia proposto negociações de paz com os comunistas, e que não disputaria a presidência.

Um mandato e meio, no entanto, foi suficiente para Johnson entrar para a história como um dos mais importantes presidentes dos Estados Unidos.

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