Vida real expõe contrastes de sistema irracional

Brasileiros tentam achar explicações ou justificativas para tantas disparidades

O médico Rubens Branco indignou-se ao ler no Estado que a aposentadoria média dos funcionários civis no Executivo federal é de R$ 1.740. “Gostaria de saber como isso é possível”, inquiriu. “Sou final de carreira, aposentei-me pela classe A, nível 3 e ninguém poderia ganhar mais que eu.” Aposentado por invalidez com benefício integral, por obstrução das coronárias, em 1984, o ex-médico do extinto Instituto de Pensão e Aposentadoria do Servidor (Ipase) recebe R$ 1.407.

A explicação são os adicionais incorporados ao salário dos servidores – e a suas aposentadorias. Graças a esses adicionais, um ex-assessor da Câmara dos Deputados, que pediu ao Estado para ser mantido no anonimato, recebe R$ 7.580 de aposentadoria – acima da média do Legislativo, de R$ 6.679.

É possível ir bem mais longe. O senador José Sarney (PMDB-AP), espécie de ícone do aposentado bem sucedido, condição na qual figurou até numa reportagem recente de The Wall Street Journal, tem aposentadoria calculada em cerca de R$ 25 mil, graças aos cargos eletivos e no Tribunal de Justiça do Maranhão que exerceu. O senador, cuja primeira aposentadoria veio aos 46 anos, não quis falar ao Estado sobre o tema.

O ex-assessor da Câmara, que sofre de câncer, diz que os aposentados por invalidez deveriam ser isentos da contribuição dos inativos, a ser reintroduzida por nova emenda constitucional; primeiro, porque os aposentados por invalidez estão impedidos de trabalhar – o que lhe parece lógico, já que se aposentaram porque supostamente não podem trabalhar; segundo, por causa dos preços dos remédios.

O ex-assessor cita o exemplo do Proleukin, usado no tratamento do câncer de faringe: custa R$ 1.280 e dura cerca de 20 dias. Segundo ele, se não tivesse situação financeira boa, teria morrido: gastou R$ 12 mil com seu tratamento. Quanto ao valor do benefício que recebe, entende-o como parte de seu contrato de trabalho com o Estado.

Apesar da proibição, Branco, de 72 anos, segue trabalhando como médico, porque, segundo ele, o valor da aposentadoria não dá para viver. Se, nos outros países, a regra é parar de trabalhar depois de aposentado – seja por invalidez ou por tempo de contribuição combinado com idade -, no Brasil, é difícil encontrar um aposentado que não tenha continuado trabalhando.

Ronald Riether, de 72 anos, aposentado há 10, cumpre pesada jornada de trabalho, das 8h às 18h, como gerente numa loja de material para jardinagem no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Riether pagou contribuição máxima, mas recebe pouco mais da metade do teto do INSS, de R$ 1.255.

Feitas as contas, ele concluiu que seria mais vantajoso aposentar-se com 30 anos de tempo de serviço e receber o benefício proporcional, de 80% do valor a que teria direito cinco anos mais tarde: esses cinco anos a mais de benefícios representariam mais do que a diferença entre o valor proporcional e o integral. A opção de aposentadoria proporcional, uma pérola da legislação brasileira, estimulou Riether a aposentar-se mais cedo.

É também muito difícil encontrar alguém que receba o teto do benefício pelo INSS. Hermes Neumann, de 58 anos, aposentado desde 1993, contribuiu sobre o valor máximo durante mais de 20 anos e recebe R$ 738. Para ele, uma das explicações para a discrepância entre o patamar de sua contribuição e o de seu benefício foi um truque usado pelo INSS na época da inflação alta: enquanto os salários e as contribuições eram reajustados mensalmente, o INSS só corrigia seus registros de quatro em quatro meses.

Neumann, que continua trabalhando como diretor de uma fábrica de móveis em São Bento do Sul, Santa Catarina, entrou na Justiça para tentar reaver a diferença. “Se não me devolverem como pecúlio, estarão confiscando meu dinheiro, porque sempre contribuí sobre o máximo.”

Dos velhinhos de Tatuí ao senador José Sarney, passando por servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada, a Previdência parece aos brasileiros um sistema imprevisível e inexplicável. Só uma lógica emerge de seu confuso universo: a do salve-se-quem-puder.

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