Votação da CPI influi na liberação de recursos

Parlamentares são castigados ou recompensados no empenho de emendas

 

O governo Lula pode ser acusado de tudo, menos de não ter-se esforçado para evitar o incêndio. No fim de maio e início de junho, quando lutava desesperadamente, primeiro para não aprovar a criação da CPI dos Correios, depois para que ela não fosse instalada, o Palácio do Planalto, numa exibição atípica de coordenação do governo, abriu a torneira das verbas para emendas de parlamentares, na esperança de arrefecer seu ímpeto investigativo.

Levantamento no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), feito pela liderança do PFL, mostra uma notável coerência entre o comportamento dos votos para abertura ou não da CPI e o “empenho” de recursos para emendas individuais de parlamentares – sobretudo nos partidos mais sensíveis a esse tipo de negociação, como o PP, o PL e o PMDB. Até no PT, onde a liberação de verbas é mais generosa do que nas outras legendas, é possível identificar castigos e recompensas relacionadas à votação.

Junho é tradicionalmente o mês em que o Ministério do Planejamento dá o sinal verde para os ministérios começarem a autorizar gastos previstos nas emendas orçamentárias. A mão invisível do Estado, no entanto, tende a dosar as liberações de acordo com as conveniências. Com o arrocho da política econômica, os parlamentares têm sido tratados a pão e água. No fim de maio, estavam famintos pelas verbas para as obras que tanto edificam as relações com os prefeitos em seus redutos eleitorais.

Para os parlamentares do PP, foram liberados R$ 7,884 milhões. Desses, R$ 6,320 milhões foram para os 32 parlamentares que votaram contra a CPI, o que dá uma média de R$ 197,5 mil por cabeça. Já os 18 parlamentares do PP que votaram a favor da CPI tiveram liberado R$ 1,564 milhão para suas emendas, ou uma média de R$ 86,9 mil para cada um.

O PMDB se mostrou, como sempre, dividido. Já o governo se manteve coerente. Os 46 parlamentares do partido favoráveis à abertura da CPI tiveram de se contentar com R$ 665 mil em emendas empenhadas. Já os 39 que votaram contra receberam R$ 2,147 milhões.

O PL, presidido pelo disciplinado Valdemar Costa Neto, que depois renunciaria ao mandato diante das evidências de saques a seu favor nas contas do empresário Marcos Valério, entrou com 40 votos contra a abertura da CPI. Talvez se pudessem antever as conseqüências dessa CPI, tivessem votado a troco de nada. Mas suas emendas ganharam vida com R$ 1,37 milhão de recursos liberados, numa média de R$ 34 mil por cabeça. Seis dos sete parlamentares favoráveis não tiveram nada liberado. João Paulo Gomes da Silva (MG) foi o único desse grupo que obteve empenho: R$ 97,5 mil.

Até mesmo os petistas foram discriminados. Os 15 parlamentares que votaram a favor da CPI tiveram, em média, R$ 46 mil em recursos liberados para cada um. Já os 81 que seguiram a orientação do partido receberam R$ 59 mil.

O PT, com 101 parlamentares, é o partido que conta com mais “empenho” – literalmente – do governo. A liberação de recursos para as emendas de seus parlamentares somou, até junho, R$ 5,526 milhões. Numa recordação da amizade recente, o PTB de Roberto Jefferson, com apenas 44 cadeiras, veio em segundo lugar, com R$ 5,278 milhões. O PSDB, cujos 46 parlamentares que votaram foram a favor da CPI, recebeu dez vezes menos: R$ 519.999. O PFL deu 62 votos a favor da CPI e 3 contra, e amargou um empenho de apenas R$ 550 mil.

COMISSÃO DE ÉTICA

O senador José Jorge (PFL-PE) entrou com representação contra o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, na Comissão de Ética Pública, formada por cinco membros indicados pelo presidente para fiscalizar a atuação de funcionários do governo. “Esta execução do Orçamento da União contraria frontalmente a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2005”, argumenta o senador, citando que “a execução da lei orçamentária e seus créditos adicionais obedecerá ao princípio constitucional da impessoalidade na administração pública, não podendo ser utilizada para influir na apreciação de proposições legislativas em tramitação no Congresso”.

A comissão, que se reúne uma vez por mês, receberá a representação esta semana, e um de seus membros se encarregará de analisá-la. Presidida pelo advogado Fernando Neves da Silva, ex-ministro do TSE – que foi quem recomendou ao ex-ministro José Dirceu alegar no Conselho de Ética da Câmara que não exercia as funções de deputado na época a que se referem as denúncias do mensalão -, pode desde advertir o funcionário até recomendar ao presidente que o demita. Neste caso, não vai dar em nada. Bernardo pode facilmente diluir a responsabilidade sobre a liberação dos recursos, que, em tese, está a cargo de cada ministério.

Na prática, quem faz o corpo a corpo com o Congresso – na época, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, -, é que instrui os ministérios sobre as emendas politicamente prioritárias, enquanto os ministros do Planejamento e da Fazenda definem quanto eles podem gastar.

O Estado tentou, sem sucesso, ouvir os ministros e ex-ministros citados. 


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