Ato contra Pinochet no Senado reúne 10 mil

SANTIAGO – Uma manifestação contra o ingresso do ex-ditador Augusto Pinochet no Senado serviu ontem para marcar a fundação da Frente Ampla por um Chile Democrático,

liderada por parlamentares da coalizão de governo, partidos de esquerda e as principais organizações sindicais e estudantis do país. Num domingo ensolarado e quente, a manifestação, realizada no Parque O’Higgins, o maior de Santiago, reuniu apenas 10 mil pessoas, segundo os organizadores, e 1,2 mil, segundo os carabineros.

O protesto transcorreu em clima pacífico, com apenas dois carros de polícia a cerca de 300 metros do local. Momentos festivos, com a participação de grupos musicais, alternaram-se com momentos de emoção, protagonizados pelos parentes dos desaparecidos durante o regime militar. Pinochet, como era de se esperar, foi execrado pela multidão, formada sobretudo de jovens. À pergunta, feita por Marcos Barraza, dirigente da Confederação de Estudantes Universitários do Chile, sobre de onde provinha a honra do general, agraciado com o título de “comandante-chefe benemérito” do Exército, a multidão respondeu aos gritos de “assassino”.

A figura mais importante na manifestação era o senador Jorge Lavandero, da Democracia Cristã, partido do presidente Eduardo Frei. O Estado perguntou a ele se não temia romper a unidade da Concertación, a frente de quatro partidos que governa o Chile desde a instituição da democracia. “Estou lutando pela unidade do povo do Chile”, retorquiu.Especula-se que Lavandero, o mais bem votado nas eleições de dezembro, queira candidatar-se à presidência, em 1999. O senador negou.

Na quinta-feira, o presidente exortou os chilenos a “esquecer o passado e olhar para o futuro”, num recado dirigido aos expoentes da coalizão de governo que participam do movimento de resistência ao ingresso de Pinochet no Senado, que lhe dará imunidade parlamentar contra eventuais processos por crimes contra os direitos humanos.

Ontem, Lavandero reagiu: “Sou amigo do presidente, mas discrepo profundamente dele nessa questão.” Eleito quatro vezes deputado e três vezes senador, Lavandero disse que não há lugar no Senado para quem não foi eleito livremente, e mandou um recado para Pinochet: “Vá para casa, que nada lhe ocorrerá.” A manifestação foi dominada pela presença marcante dos parentes de desaparecidos, uma ferida ainda aberta no Chile, como na Argentina. Logo no início, oito senhoras da Agrupación de los Familiares de Detenidos Desaparecidos subiram ao palco e falaram os nomes de seus parentes mortos pela repressão.

Bem junto ao palco, estava, de pé, Rudolfo Müller, de 76 anos, cujo filho, Jorge, desapareceu com a namorada, Cecília Boeno Cifuentes, em outubro de 1974. Jorge Müller, que tinha 22 anos na época, havia sido cinegrafista de um documentário sobre o golpe, intitulado La Batalla de Chile. Jorge era também militante do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR). Indagado sobre se Jorge pegou em armas, o pai respondeu ao Estado: “Não, sua arma era a câmera.” O diretor do documentário, Patrício Guzmán, conseguiu fugir para a Espanha, e depois para Cuba, para onde os rolos de filme seguiram clandestinamente.

Lá, foi montado o documentário de três horas. O filme foi visto em várias partes do mundo, mas não no Chile. Até hoje, está censurado no país. Rudolfo Müller tem uma cópia e diz que só alguns chilenos já assistiram ao filme.

No dia 7 de outubro de 1973, Emilio Astudillo, então com 16 anos, estava em casa, no povoado de Lonquén, a 45 quilômetros de Santiago, quando os agentes foram buscar seu pai e dois irmãos. O pai e o irmão mais velho eram sindicalistas rurais. Os corpos dos 3 e de outras 12 pessoas foram encontrados em dezembro de 1978, depois de uma denúncia anônima.

Lonquén entrou para a história como o primeiro lugar em que foram encontrados corpos de vítimas da ditadura. Hoje, uma comissão, da qual faz parte Emilio Astudillo, luta pela construção de um memorial para as vítimas. As autoridades têm outros planos: instalar ali um grande depósito de lixo.

Também os líderes da manifestação e da nova Frente Ampla têm histórias para contar. Marcos Barraza, de 24 anos, presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de Santiago do Chile, teve os pais presos e torturados. O pai, que tem o mesmo nome que ele, exilou-se na França. A mãe, Patrícia Gomez, mudou-se do norte para o sul do país. Os três moram hoje em Santiago.

Manuel Ahumada, conselheiro nacional da CUT chilena, tinha 17 anos em 1973 e era militante da Juventude Comunista. Foi preso cinco dias depois do golpe.

 

Mas na manifestação de ontem, animada pelo grupo mais popular do Chile, o Illapu, que mistura música andina e flamenca, havia também muita gente que não era nascida em 1973. O ato foi iniciado com um desfile de jovens artistas de rua, entre músicos andinos e malabaristas circenses. No meio deles estava a malabarista de rua Cecília Ugarte, de 16 anos. Indagada por que não seguia a recomendação do presidente, de esquecer o passado e olhar para o futuro, Cecília respondeu ao Estado: “São coisas que não se podem esquecer. Não é justo que Pinochet saia livre, depois de tudo que fez.”

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*