Chile: atentado coloca imigrantes no centro da eleição

Um senador que defende mais rigor com estrangeiros foi atacado nesta quarta-feira, num fato que pode beneficiar o ex-presidente e oposicionista Sebastián Piñera

SANTIAGO – A campanha para as eleições do próximo domingo no Chile sofreu um abalo de consequências ainda imprevisíveis, mas que pode beneficiar o candidato já favorito nas pesquisas, Sebastián Piñera, um ex-presidente de centro-direita. O senador Fulvio Rossi, que defende a expulsão de estrangeiros envolvidos em crimes, foi alvo de um atentado aparentemente cometido por um estrangeiro.

Rossi foi apunhalado no estômago e golpeado na cabeça às 11 horas desta segunda-feira (12h em Brasília), quando estava em um depósito na casa de seu pai falecido, em Iquique, no norte do Chile, onde ele guardava material de campanha. Segundo correligionários que o socorreram, o atacante teria gritado “Nós te advertimos”, com “sotaque não-chileno”.

Sua assessora, Paula Afani, contou que o senador recebeu uma mensagem de que estavam rasgando seu material de propaganda e foi para lá. Quando chegou ao depósito, o atacante, que era “de cor”, o estava esperando. Ninguém foi preso, mas a polícia afirmou por volta do meio-dia que estava buscando dois suspeitos.

O norte do Chile tem uma grande quantidade de imigrantes colombianos, alguns deles envolvidos em pistolagem, relacionada com atividades de narcotráfico e agiotagem. Esse tipo de crime não era comum alguns anos atrás no Chile. O aumento da criminalidade, uma das principais preocupações dos chilenos nessas eleições, é associado à onda de imigração da última década, sobretudo de haitianos, venezuelanos, colombianos e peruanos.

Ex-membro do Partido Socialista da presidente Michelle Bachelet, Rossi concorre como independente, mas apoia o candidato do governo, Alejandro Guillier. Há um mês, ele tem denunciado ameaças de morte por suas posições em relação à imigração. Médico, o senador afirmou ter encontrado no seu talonário de receitas as frases “Chega de migrações ilegais” e “Rossi, cuide-se na rua”.

“Não me deixarei amedrontar”, escreveu Rossi em sua página do Facebook no mês passado. “Outro dia, cidadãos estrangeiros intimidaram meu filho com tiros para o alto. Seguirei adiante com minhas propostas em matéria imigratória.”

No dia 13, um caminhão que transportava o senador e seus correligionários capotou em Cochane, na fronteira com a Bolívia. Rossi saiu ileso e, como médico, socorreu dois feridos. Mas o caso foi considerado um acidente.

Rossi perdeu o foro privilegiado e sofre um processo na Justiça sob a acusação de receber doações ilegais da mineradora SQM, a maior produtora de lítio do mundo. O dono da empresa, Julio Ponce Lerou, foi genro do ex-ditador Augusto Pinochet. Mesmo assim, a candidatura de Rossi recebeu recentemente o apoio do ex-presidente Ricardo Lagos, também ex-socialista, hoje líder do Partido pela Democracia.

Muitos políticos, de todas as correntes, repudiaram o atentado. Bachelet tuitou: “O Chile não merece essa violência!”. Sua porta-voz declarou que o governo estava à espera de mais informações para iniciar as ações legais pertinentes.

Piñera fez um pronunciamento à imprensa, dizendo que “o agressor tem que ser identificado e castigado de maneira exemplar”. O candidato favorito segundo as pesquisas, que deve passar para o segundo turno com Guillier, apoiado pelo governo, acrescentou que é inaceitável que “covardes delinquentes por razões que não conhecemos atentem contra a vida de um candidato, qualquer que seja seu setor político”.

Embora esteja em campo adversário ao de Rossi, Piñera tem posições parecidas em relação à imigração. Em maio, o ex-presidente declarou: “Não sou xenófobo, mas sim creio que é preciso ter bom senso, não tenho por que aceitar qualquer pessoa que queira vir ao Chile”.

Piñera, um empresário bilionário, argumentou que “o Chile não é responsável por reinserir e reabilitar todos os habitantes do mundo”, e que “se pode ter um critério de seleção”. O líder liberal ressalvou: “Vamos abrir as portas a tudo o que é bom para o Chile, o comércio, o turismo, o intercâmbio, a imigração legal, e vamos fechar as portas a tudo o que é ruim, a criminalidade, o contrabando, a imigração ilegal, o narcotráfico”.

Segundo informe publicado pela Organização Internacional do Trabalho, entre 2010 e 2015 a população de imigrantes no Chile aumentou em média 4,9% ao ano — o maior índice da América Latina. Depois do Chile, vêm o México, com 4,2%; o Brasil, com 3,8%, e o Equador, com 3,6%.

O governo é mais ambivalente em relação ao tema. Guiller, senador pelo Partido Radical e candidato apoiado pela presidente, também demonstra preocupação com a imigração, mas ao mesmo tempo tem uma visão positiva sobre seu impacto econômico, por causa da queda da natalidade no Chile, um país que deixou a condição de subdesenvolvido, segundo relatório de outubro da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE).

Em entrevista no mês passado, Guiller, ex-jornalista, disse que o Chile “não está preparado” para o aumento da chegada de imigrantes. Mas acrescentou que sua “contribuição já está aparecendo no PIB”: “À medida que se regularizam, estão sendo uma contribuição em um país que diminui sua natalidade. Vamos precisar deles, não é uma questão de se gostamos ou não”. Guiller acrescentou: “É preciso ter políticas para que aprendam o idioma e regularizem sua situação”.

O candidato criticou a proposta de Rossi, de expulsar todos os imigrantes que cometam crimes: “Sei que há um sentimento anti-imigrante em muita gente e que há candidatos que têm a tentação de buscar esse voto fácil. É possível que dê votos, mas na vida não se pode só buscar votos. Se você quer sair ao mundo, tem que ter reciprocidade com os que chegam a seu país”. Isso, apesar de Rossi apoiar sua candidatura.

No ano passado, Guiller defendia uma “imigração seletiva”, ou seja, aceitar apenas os estrangeiros que interessassem ao país. E até apresentou um projeto de lei nesse sentido.

O Chile é um país cheio de contradições. O atentado contra Rossi foi repudiado pelo deputado Guillermo Teillier, presidente do Partido Comunista e candidato à reeleição: “É deplorável que se recorra à violência na política”. Teillier é acusado de ter sido o autor intelectual da tentativa de assassinato contra Pinochet, em 1986.

Ele nega, mas em uma entrevista em 2014 chamou o atentado de “um ato ato patriótico, porque tentou salvar a pátria do poder cruel de alguém que declarou a guerra a um povo desarmado”.

O Brasil tem eleições presidenciais ano que vem. Assim como no Chile, a imigração nunca foi um tema decisivo por aqui. Pelo menos do lado de cá da Cordilheira, em Santiago, os ventos começaram a mudar.

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