Direita chega ao 2º turno evitando polarização

Discurso de Lavín é mais fácil de entender do que as teses mais ideológicas de Lagos

 

SANTIAGO – Se tivesse de agradecer a apenas uma pessoa pela histórica votação que obteve no domingo e pela eventual vitória no segundo turno, dia 16, Joaquín Lavín deveria escolher o juiz espanhol Baltasar Garzón, autor do pedido de extradição do general Augusto Pinochet, preso em Londres. A ausência do general e a capacidade do candidato de apresentar-se acima de partidos e ideologias foram cruciais para a direita alcançar o feito de domingo, segundo analistas ouvidos pelo Estado.

Antes da detenção de Pinochet em Londres, em outubro de 1998, quando Ricardo Lagos, da coalizão de governo Concertación, ocupava folgada dianteira nas pesquisas, era comum a análise de que a direita chilena não conseguiria crescer enquanto se mantivesse à sombra do general. Dizia-se que a direita só se libertaria com a morte de Pinochet, já que ninguém previa seu insólito destino. Mas não foi só a direita que pareceu aliviada: a opinião pública, também.

“A imprensa tentou criar uma polarização em torno do tema Pinochet, mas não funcionou”, diz o diretor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), Francisco Rojas. Ele observa que, embora 70% dos chilenos achem que Pinochet deve ser julgado pelas violações aos direitos humanos praticadas durante seu regime (1973-1990), “proporção igual ou superior afirma que quer estabilidade”.

Atentos a essa realidade, tanto Lavín quanto seu adversário, o socialista Ricardo Lagos, fugiram do assunto, no esforço para captar o voto do centro. Lavín foi mais longe, evitando toda polarização político-ideológica. “Nisso, foi ajudado por seu partido, a União Democrática Independente (UDI), que é bastante disciplinado e aceitou não aparecer na campanha”, afirma Rojas.

Enquanto esteve diretamente associada ao regime militar, a direita foi submetida a um teto nas votações realizadas desde a restauração da democracia: os 43% obtidos pelo sim no plebiscito de 1988, quando a maioria rejeitou a permanência de Pinochet por mais oito anos no poder. Esse parecia ser o saldo entre o crédito pela eficácia do modelo econômico, de um lado, e o débito pelo autoritarismo e a violação dos direitos humanos, de outro.

A Concertación, coalizão formada pela Democracia Cristã, o Partido Socialista e o Partido pela Democracia, reunindo as forças de oposição ao regime, elegeu no primeiro turno os presidentes democrata-cristãos Patricio Aylwin (54% dos votos válidos) e Eduardo Frei (58%) e obteve maioria absoluta nas três eleições parlamentares desde 1989. No domingo, Lavín, com 47,52% dos votos válidos, virtualmente empatou com o socialista Ricardo Lagos, que recebeu 47,96%.

“O debate deixou de ser ideológico no sentido da guerra fria”, explica o cientista político Ricardo Israel, da Universidade do Chile. “Continua havendo diferenças ideológicas, mas em relação às propostas concretas quanto à saúde, educação, criminalidade e emprego.” Ocorre que as soluções apresentadas por Lavín são mais facilmente assimiláveis que as de Lagos. Lavín promete mais cadeias e mais polícia, enquanto Lagos associa a criminalidade aos problemas sociais. “É difícil para o povo entender raciocínios abstratos”, observa Rojas. Na curta campanha que se segue até o segundo turno, Lavín será favorecido pela tendência de crescimento; por ter provado que é capaz de vencer; pelo fato de não ter de mudar sua mensagem e estilo de campanha, que se mostraram eficazes; e pelos recursos muito superiores de que dispõe, graças ao apoio maciço do empresariado.

 

Lagos, de sua parte, com a troca de comando de sua campanha, transferido para a ministra da Justiça, Soledad Alvear, poderá atrair mais votos das mulheres e dos democrata-cristãos – até aqui, a maior fatia do eleitorado. Também procurará simplificar sua mensagem e realçar os sinais de recuperação da economia.

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