Transição não acaba com saída de Pinochet

SANTIAGO – A entrega do comando do Exército pelo ex-ditador Augusto Pinochet, empossado senador vitalício, não encerra a transição democrática no Chile.

Essa é a opinião de um dos mais prestigiados analistas políticos chilenos, Francisco Rojas, diretor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). Em entrevista ao Estado, Rojas afirma que, para chegar à democracia plena, o Chile ainda precisa de uma reforma constitucional, além de superar a vocação autoritária, enraizada não só nas Forças Armadas, mas em toda a sociedade chilena.

Estado – Com a saída de Pinochet do Exército, conclui-se a transição democrática no Chile?

Francisco Rojas – Não. É uma etapa importante, mas a transição democrática não se conclui, porque o Chile tem uma democracia imperfeita. A vontade política da imensa maioria dos chilenos é aperfeiçoar sua democracia e isso significa criar as condições para uma reforma constitucional. O novo presidente do Senado (Andrés Zaldívar) confirmou a vontade pessoal e da coalizão (governista) que ele representa de buscar o consenso nacional para fazer essa reforma.

Estado – O sr. acredita que isso acontecerá na legislatura que se inicia agora?

Rojas – Não. Nos próximos quatro anos, não há possibilidade de produzir mudanças constitucionais significativas.

Estado – Isso porque falta maioria absoluta à Concertación (coalizão de centro-esquerda que governa o país) no Senado.

Rojas – Sim. E, na Câmara dos Deputados, a Concertación tem 51% das cadeiras, o que lhe permite fazer muitas coisas importantes, mas não é o suficiente para produzir a reforma constitucional (que exige dois terços dos votos). Será preciso um consenso nacional significativo, com o qual a direita, em 1988 e 1989 (início da transição democrática), se comprometeu, mas não cumpriu.

Estado – Então, há aí um círculo vicioso. Os (nove) senadores designados dão maioria à direita. Não se pode fazer a reforma política, que eliminaria, entre outras coisas, os designados, porque a direita tem maioria.

Rojas – Certamente. É preciso buscar a imensa maioria nacional para produzir essa mudança. E essa situação é muito difícil, dado o sistema eleitoral:

para uma coalizão eleger os dois candidatos do mesmo distrito, o primeiro colocado tem de ter o dobro de votos do segundo; caso contrário, a cadeira fica para a aliança minoritária, no caso, a direita, que acaba sobre-representada. Mas é parte das peculiaridades da transição que os partidos tenham aceito a prova de fogo que as regras do jogo impõem.

Estado – Ainda se pode falar da “política dos três terços” (que divide os eleitores chilenos equitativamente entre a esquerda, o centro e a direita)?

Rojas – Em termos de localização político-partidária, o Chile continua tendo os três terços. Mas há, hoje em dia, uma coalizão majoritária, democrática e modernizadora, que envolve mais de 60% da população. O presidente Eduardo Frei obteve 58% dos votos (1993), o plebiscito (de 1988, em que venceu o “não” à permanência de Pinochet na presidência) foi ganho com 55% dos votos, o presidente (Patrício) Aylwin ganhou com cifra similar (1989) e nas últimas eleições (dezembro), o governo obteve mais de 51%, mas com grande quantidade de votos nulos. Isso está relacionado com certo nível de frustração com a política, com os entraves às mudanças.

Estado – Há uma polarização entre os que vêem Pinochet como “salvador da pátria” e os que o vêem como “assassino”. A Realpolitik se faz entre esses dois extremos?

Rojas – Sim.

Estado – E como se faz política, com tantas paixões envolvidas?

Rojas – As paixões estão envolvidas em certos simbolismos vinculados à situação atual, que mostra que a figura do general Pinochet continua influenciando os chilenos. Mas o país tem uma perspectiva de futuro muito significativa. Sobre o passado, não há nenhuma possibilidade de a sociedade chilena ter uma versão única para a história. O passado nos divide. Temos duas memórias históricas diferentes: uma, em que se percebia o governo do presidente Salvador Allende como a ponta de lança do comunismo internacional, e outra, como um governo constitucional, que buscou resolver os problemas básicos da sociedade chilena, em particular, pensando nos mais pobres. Creio que também não teremos uma visão comum sobre o tema da violação do direitos humanos. Para quem encabeçava o governo militar, essa violação foi parte de uma guerra civil e a imensa maioria deste país está segura de que não houve uma guerra civil, mas uma violenta repressão, sobretudo nos primeiros anos.

Estado – É o futuro que une os chilenos?

Rojas – Sim, temos um acordo sobre a visão do futuro, em que há um consenso quanto à democracia. Também quanto à necessidade da abertura ao exterior, como forma de alcançar o desenvolvimento econômico. A diferença significativa está quanto à forma de produzir uma maior eqüidade, num país que também tem um grau de polarização social significativo. O Chile não será um país moderno, enquanto não resolver o problema da pobreza. O terceiro tema que nos une é que o Chile quer ter relações com os setores militares diferentes das que teve no passado.

Estado – Quanto de poder o general Pinochet ainda tem?

 

Rojas – Um voto no Senado.

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