Cancelamento da negociação radicaliza crise

Comandante militar colombiano chama rebeldes de ‘delinqüentes’

 

BOGOTÁ – O governo colombiano elevou ontem o tom belicista contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), confirmando a impressão de que o processo de paz chegou a seu pior momento e está congelado, depois do cancelamento do encontro que ocorreria ontem, em Uribe (na “zona de distensão” do centro-sul do país), para o lançamento efetivo das negociações. Os indícios são de que o presidente Andrés Pastrana pretende isolar ainda mais as Farc, cujos principais líderes continuam mergulhados na selva montanhosa da região que controlam, sem dar explicações.

O comandante das Forças Armadas colombianas, general Fernando Tapias, referiu-se ontem à guerrilha de uma maneira que não se tinha ouvido desde o início do processo de paz, em novembro, quando o Exército se retirou da área de 42 mil quilômetros quadrados ocupada pela guerrilha.

“Nenhum delinqüente gosta que o controlem”, disse o general, ao comentar a recusa das Farc em permitir a instalação de uma comissão internacional de verificação da situação na zona de distensão.

A discordância originou o impasse. As Farc são acusadas pela Defensoria Pública de realizar execuções e seqüestros na área e, pelos militares, de utilizá-la como base para ataques fora dela.

Qualificando o cancelamento da reunião de ontem de “frustrante” e a posição das Farc de “insensata”, o comandante disse que ela é “uma amostra de que a guerrilha gosta de dar golpe após golpe no povo colombiano”. Tapias lembrou que “a Colômbia é uma democracia”, mas os guerrilheiros “não estão lutando por nada, a não ser pela proteção ao crime”, numa referência incomumente explícita às ligações entre a guerrilha e o narcotráfico.

A ocasião das declarações do comandante também foi significativa: uma cerimônia de condecoração de 37 militares feridos em combates com a guerrilha, num hospital militar de Bogotá.

“O discurso do governo e das Farc militarizou-se”, lamentou ontem, em entrevista ao Estado, o escritor Arturo Alape, intelectual simpatizante da guerrilha que a imprensa colombiana ouve freqüentemente para interpretar a visão dos guerrilheiros. De acordo com Alape, havia sido acertada na reunião entre Pastrana e o líder máximo das Farc, Manuel Marulanda (ou Tiro Certo), em 2 de maio, a formação de uma comissão para “acompanhar” a situação na zona de distensão. “Agora, o governo quer uma comissão para exercer controle sobre a área” – o que a guerrilha não aceita.

“O futuro do processo de paz é incerto, porque não estão decididas as regras do jogo”, explica o escritor, acusando tanto as Farc quanto o governo de “prepotência”, depois de haverem obtido vitórias em combates. “A situação militar ficou muito mais complexa, com evidências da participação americana no conflito.” Moradores do Departamento de Meta disseram ter visto aviões com bandeira americana apoiando a Força Aérea colombiana, na contra-ofensiva da semana passada.

A Colômbia recebe anualmente ajuda americana de US$ 256 milhões para o combate ao narcotráfico e solicitou na semana passada outros US$ 250 milhões ao ano, mais o empréstimo de armamentos e equipamentos do Comando Sul. Mas tanto os EUA quanto a Colômbia negam que haja ou possa haver participação americana direta em combates.

Enquanto as negociações com as Farc mergulham no impasse, o presidente Pastrana move-se na direção de retomar o processo de paz com um grupo guerrilheiro menor, mas igualmente aguerrido e desestabilizador: o Exército de Libertação Nacional (ELN). O presidente recebeu ontem no Palácio de Nariño os representantes das famílias dos seqüestrados pelo ELN de um avião da Avianca e de uma igreja na periferia de Cali.

Diante da disposição do governo em negociar, os parentes dos seqüestrados fizeram um apelo, em entrevista coletiva no palácio, para que o ELN esclareça quem é seu representante nas negociações. O papel é disputado entre o deputado Bernd Schmidbauer, ex-chefe do serviço secreto alemão, e um sinistro casal, Werner e Michaela Mauss, seus ex-agentes.

 

A libertação dos reféns é a condição imposta pelo governo para negociar a paz com o ELN. Por sua vez, o ELN realizou os seqüestros, em março e abril deste ano, para pressionar o governo a iniciar efetivamente o processo de paz com o grupo. O governo havia-o preterido em favor das Farc, que têm estimados 15 mil guerrilheiros, enquanto o ELN possui cerca de 4 mil. Desde a eleição de Pastrana, há um ano, o ELN, aparentemente asfixiado por falta de recursos, demonstrara muito mais pressa do que as Farc em obter um acordo de paz. Agora, parece ter chegado a sua vez. 

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