Como Medellín virou a cidade-modelo que está vencendo o crime

Na década de 90, Medellín era associada ao cartel de drogas dirigido pelo traficante Pablo Escobar; em 2013, foi eleita a Cidade do Ano

Teleférico de Medellín: inaugurado em 2004, o projeto colombiano inspirou o teleférico do Complexo do Alemão, no Rio | Javier Larrea/ Getty Images

MEDELLÍN – É quase 1 da tarde de uma terça-feira de agosto, quando o professor Marlín Aguirre chega carregando um saco com 40 garrafas PET. Ele aproveita o horário de almoço para depositá-las numa máquina de reciclagem da prefeitura de Medellín, na Colômbia. Professor de biologia e química, Aguirre faz isso porque sabe da importância de sua ação para o ambiente. Mas ele está lá também por outros motivos: conseguir bilhetes de metrô, ingressos de cinema e descontos para academia de ginástica, restaurantes e outros estabelecimentos.

Para cada garrafa entregue, Aguirre e outros moradores de Medellín recebem pontos, registrados num aplicativo, que depois podem ser usados em serviços na cidade. Em cinco meses, o programa chamado de Kaptar já tem a adesão de mais de 5.000 pessoas, que depositaram 89.000 garrafas e latas na recicladora da prefeitura. A meta é espalhar 38 dessas máquinas em shoppings, parques e universidades até o fim do ano.

O programa é o exemplo mais recente de uma série de iniciativas que a cidade colombiana de 2,5 milhões de habitantes (a segunda maior do país, depois da capital, Bogotá) vem adotando nas últimas décadas, num esforço para empregar a tecnologia na solução de seus problemas de segurança pública, transporte, geração de renda e meio ambiente. É um esforço que transformou a vida da população e também a reputação internacional da cidade.

Na década de 90, Medellín era associada ao cartel de drogas que levava seu nome, dirigido pelo traficante Pablo Escobar. Hoje é reconhecida como uma cidade-modelo que está vencendo o crime. Em 2013, Medellín foi eleita a Cidade do Ano em um concurso realizado pelo The Wall Street Journal e pelo banco Citibank, em parceria com o Urban Land Institute, dos Estados Unidos. Não foi um resultado isolado. Medellín vem se destacando regularmente nos rankings internacionais de inovação — e na frente das grandes capitais brasileiras.

O caso de Medellín deixa claro como uma cidade só tem a ganhar quando a redução da violência se torna o foco das políticas de Estado. Nos anos 90, a taxa de homicídios chegou a um pico de 380 por 100 000 habitantes ao ano em Medellín. Isso lhe rendeu o título de cidade mais violenta do mundo (hoje, o posto é ocupado por Caracas, na Venezuela, com 130 mortes por 100.000 pessoas ao ano).

Por trás do número havia uma realidade selvagem, comum no Brasil: moradores com medo de sair à rua, bairros controlados por gangues, extorsões, sequestros e quadrilhas de todos os tamanhos e especialidades. De lá para cá, a incidência de homicídios caiu vertiginosamente, chegando a 21 em 2016 — a menor em 40 anos. É mais baixa que a taxa do Rio de Janeiro, que registrou 30 mortes violentas por 100.000 habitantes no ano passado. No Brasil, a média nacional é de 26. Em Florianópolis, 13. Nos países desenvolvidos, costuma ficar abaixo de cinco.

Com a redução da violência, os indicadores econômicos de Medellín deram uma virada. Desde 2010, o  produto interno bruto da região vem crescendo acima de 3% ao ano. No mesmo período, o número de empresas grandes e médias registradas em Medellín subiu de 1 800 para mais de 3 000. O movimento nos aeroportos passou de 2,1 milhões para mais de 4,2 milhões de passageiros por ano. E o desemprego caiu de 12,8% para 9,6%. Os indicadores sociais e o bem-estar também melhoraram. A desigualdade caiu em ritmo maior que o do país, e a taxa de pessoas abaixo da linha de pobreza saiu de 25%, em 2008, para 14%, uma das menores entre as grandes cidades colombianas. Mas o maior ganho é visto na expectativa de vida — de 2001 a 2016, subiu de 71,4 anos para 77,8. Entre os homens — as maiores vítimas de homicídios — aumentou ainda mais: de 68,2 anos para 76,4.

A explicação para o sucesso de Medellín na segurança pública está numa combinação de coisas que não costumam andar juntas. De um lado, houve uma intensa repressão policial e a aplicação de leis severas. De outro, programas sociais que oferecem uma porta de saída do mundo do crime, com capacitação profissional,  renda garantida por tempo determinado e apoio psicológico e social — além da presença tanto do Estado quanto de organizações não governamentais.

Um ponto de inflexão foi a eleição do presidente Álvaro Uribe em 2002. Nascido em Medellín, Uribe foi prefeito da cidade e governador de Antioquia, estado do qual Medellín é capital. A Colômbia é um país centralizado e tem coisas que só um presidente pode fazer. A polícia, por exemplo, é nacional, e as ações estão concentradas nos ministérios em Bogotá.

Uribe partiu para uma guerra total contra a guerrilha e o crime organizado. A polícia foi capacitada e passou a contar com mais inteligência do que com presença ostensiva. Ao mesmo tempo, a eleição de Sergio Fajardo para a prefeitura, em 2004, complementou a iniciativa federal. O município investiu na coleta e na sistematização de dados sobre o crime e a situação social nas favelas, identificando parceiros e inimigos.

O traficante Pablo Escobar em 1984, a fase mais sangrenta de Medellín | Ap Photo/ Glow Images

Um marco foi a inauguração do teleférico ligando o metrô às favelas Andalucía, Popular e Santo Domingo em 2004. Com o transporte, veio o Estado. No ano seguinte, foi instalado na favela Popular o primeiro posto do Centro de Desenvolvimento Empresarial Zonal (Cedezo), que oferece capacitação para pequenos negócios, agência de empregos e microcrédito. Diana Avendaño, coordenadora do Cedezo na favela Popular, conta que o posto atende de quatro a cinco pessoas por dia e oferece oficinas para ensinar contabilidade, plano de negócios e marketing digital.

Os moradores atendidos são tatuadores, donos de mercearia, de bar, de barraquinha de lanches, de salão de beleza, e assim por diante. “A vida melhorou muito aqui”, diz o eletricista Héctor Duque Arango, de 61 anos, que vive na favela há 30 anos. O Brasil tentou fazer algo parecido. O projeto de Medellín inspirou o teleférico do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, inaugurado em 2011. O sistema melhorou o transporte por um tempo, mas hoje está desligado. A operação foi interrompida em setembro de 2016 para a troca dos cabos e até hoje não foi retomada por falta de pagamento do governo estadual ao consórcio responsável.

UM PACTO PÚBLICO-PRIVADO

Em Medellín, as transformações também só foram possíveis graças à boa relação entre os setores público e privado. Isso começou a ser construído em 2002, com a criação de um comitê universidade-empresa-Estado. Acadêmicos, empresários e políticos passaram a se reunir para buscar soluções conjuntas para os problemas. Todos saem das reuniões com tarefas e compromissos.

Sucessivos prefeitos — a maioria sem partido — deram continuidade aos planos das administrações anteriores porque as políticas públicas são construídas em consenso com a ajuda do comitê e não sofrem com as disputas partidárias. “Se não há um acordo, dificilmente é possível concretizar planos de médio prazo. Essa é a diferença em relação a outros municípios”, diz Elkin Echeverri, gerente da Corporación Ruta N, agência da prefeitura que coordena os programas de inovação e tecnologia.

A própria localização da sede da Ruta N demonstra o esforço de integrar as ações. O prédio está encravado numa das áreas mais pobres da cidade, mas fica próximo da Universidade de Antioquia, de duas estações de metrô, de três terminais de corredores de ônibus e de quatro das principais avenidas de Medellín. A instalação da Ruta N atraiu empresas de alta tecnologia  para o bairro — muitas delas com escritórios no próprio prédio da entidade. Ao lado do edifício funcionam um laboratório de criação de protótipos, oficinas de empreendedorismo e o escritório de um programa de crédito, fornecido pela agência.

Nos dois primeiros meses de funcionamento, entre junho e agosto, o programa atendeu 80 empreendedores, com as mais diversas ideias de produtos e serviços. Um exemplo são os sócios Juan Camilo Díaz e Álvaro López, engenheiros mecânico e industrial, ambos de 26 anos, que criaram um salgadinho de batata-doce, mandioca-roxa e mandioquinha. Desde março, eles estão na Creame (“Acredite em mim”), incubadora da prefeitura.

Obviamente, ainda há muito o que fazer. A violência continua um problema grave nos bairros pobres, e a cidade convive com os obstáculos típicos de um país emergente: desigualdade social, economia informal e corrupção. Em julho, o então secretário de Segurança de Medellín, Gustavo Villegas, foi preso, acusado de fazer acordos com criminosos e alertá-los sobre operações policiais. Mas, mesmo nesse caso, é possível ver o copo meio cheio. Afinal, Villegas agora está atrás das grades. Um retrocesso é tudo o que a população de Medellín não quer. O mundo está de olho.

Publicado em Revista Exame online. Copyright: Grupo Abril. Todos os direitos reservados.

 

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