Governo tem de impor autoridade, diz vice de Uribe

Em entrevista ao ‘Estado’, Francisco Santos lamenta: ‘Temos sido muito frouxos’

BOGOTÁ — Num governo alvo de imensas expectativas, ele é uma espécie de reserva moral e de ponto de contato com o país real. Jovem, de boa família, bem educado e preparado, e ao mesmo tempo uma pessoa comum, que nunca se meteu em política e que sofreu na pele o grande flagelo colombiano: o seqüestro.

O vice-presidente eleito Francisco Santos, de 40 anos, é personagem de Notícia de um Seqüestro, de Gabriel García Márquez, que narra os oito meses que o herdeiro do principal jornal da Colômbia, El Tiempo, passou acorrentado num cativeiro em Bogotá, entre setembro de 1990 e maio de 1991, seqüestrado pelo bando de Pablo Escobar, que chantageava o governo para não extraditar os chefes do narcotráfico para os Estados Unidos.

Pacho Santos, como é conhecido, emprestou à chapa do presidente eleito, Álvaro Uribe, não só um sobrenome de peso e confiabilidade, mas, também, uma enorme simpatia de rapaz bem nascido e bem intencionado. Ao deixar o cativeiro, fundou a organização País Livre, que presta assistência às vítimas de seqüestros, e que promoveu manifestações que reuniram mais de 3 milhões de pessoas.

Graduado em jornalismo pela Universidade do Kansas e em Comunicações pela do Texas, estudou também Ciências Políticas em Harvard, onde conheceu Uribe, em 1996. Era diretor de redação de El Tiempo em 2000, quando teve que deixar a Colômbia, ao se revelar um complô das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) para matá-lo. Desde então, foi assistente de direção do jornal espanhol El País, até ser convidado, este ano, para integrar a chapa de Uribe.

O vice-presidente eleito recebeu o Estado no fim da tarde de quarta-feira, na Casa Dann Carlton, o hotel convertido em quartel-general – literalmente, pelo esquema de segurança que o cerca – de Uribe e de Santos, que está trabalhando e vivendo lá. Sem gravata, recostado na poltrona, com os pés – só de meias – sobre a mesa de centro, informal e sereno.

Santos enfatizou o princípio da autoridade que deve nortear o novo governo e disse que, nessa nova etapa, a Colômbia espera mão firme também do Brasil contra a narcoguerrilha. Ao fim da entrevista, quis saber da situação dos seqüestros no Brasil. Diante do quadro descrito, advertiu: “Se não fizerem algo já, isso vai crescer.”

Estado – Num conflito tão intrincado e multifacetado como o colombiano, por onde começar?

Francisco Santos – Por eficiência nas Forças Armadas, por uma política de autoridade. Aqui, temos sido muito frouxos, muito moles. Não temos levado a sério o tema do conflito armado. É hora de o levarmos a sério, de a sociedade assumir a responsabilidade e pagar mais pela ordem pública. Exigir dos militares e da polícia é importante, e dar credibilidade à força pública.

Estado – Uma moldura mais clara e firme para as negociações pode ter duas conseqüências: impulsioná-las para valer ou travá-las, no caso de uma das partes não aceitar as condições da outra. As condições do futuro governo são negociáveis?

Santos – Por agora, não. Este país abriu uma porta de negociações muito grande no governo que está terminando. E infelizmente não funcionou. (Os guerrilheiros) não demonstraram a seriedade necessária. Então, é preciso apertar as condições novamente. Parte do esforço de autoridade é esse. Com as Farc, não chegamos a lugar algum.

Estado – É possível vencer as Farc pelas armas?

Santos – Creio que sim, mas será necessário um esforço tão grande e a destruição pode ser tanta que não sei se a sociedade colombiana está disposta a pagar por isso. O que sim será feito é mudar totalmente a situação militar para que eles entendam que é melhor a negociação política; que entendam que, com as armas, não há nada a fazer: o poder de dissuasão. Se estamos assim (põe as duas mãos quase no mesmo nível), que, em dois anos, estejamos assim (a mão que estava encima sobe e a que estava embaixo, desce). Alcançarmos uma diferença tão grande, de modo que a rentabilidade política das armas fique infinitamente menor que a da negociação.

Estado – Para isso, é preciso dinheiro, não?

Santos – Sim.

Estado – Imposto de guerra, ajuda americana…

Santos – Estamos olhando tudo. O certo é que a sociedade colombiana precisa fazer um esforço muitíssimo maior.

Estado – Os paramilitares se dissolvem com o fim da guerrilha ou será necessário lidar com eles especialmente?

Santos – Não se deve deixar aí coisas soltas. Melhor é derrotá-los. Mas é tão difícil quanto com as Farc. Os paras já têm narcotráfico, têm base social, estão se parecendo cada vez mais com a guerrilha em tudo, inclusive na barbaridade. O ideal é derrotar ambos. Mas, num momento dado, será preciso mostrar aos paramilitares o custo de uma derrota militar.

Estado – A base das negociações seria a mesma da guerrilha?

Santos – Como vamos saber?

Estado – Vocês vão começar pela guerrilha?

Santos – Sem dúvida. Se eles quiserem. Se não, não há negociação.

Estado – Espera-se algo do Brasil, que ainda não tenha feito?

Santos – (Faz uma pausa de 10 segundos) Sim, esperam-se muitas coisas.

Estado – No campo militar, também?

Santos – Seria importante que tivéssemos um arranjo militar, porque essa fronteira é porosa. O narcotráfico continua sendo muito importante no Brasil, o segundo ou terceiro maior consumidor de drogas do mundo. Aí, há uma tarefa grande. Se não a fizerem já, terão um problema muito sério, muito em breve. E têm que estar conosco no sentido de ver que as Farc estão prejudicando sua sociedade.

Estado – O sr. tem falado em se dedicar à questão dos seqüestros, que está muito ligada ao problema do conflito armado, em geral. É possível tratá-la pontualmente, isoladamente?

Santos – Sim, com grupos especializados, inteligência dedicada quase de maneira exclusiva ao tema dos seqüestros; e contra-inteligência, porque há elementos que se desviam. Focalizar o problema e dedicar toda uma estratégia do Estado a resolvê-lo.

Estado – Será criada uma estrutura especial para isso?

Santos – Não. É política de Estado. Com 3 mil seqüestros (por ano), a Colômbia nunca teve uma política séria para os seqüestros. É por isso que temos o problema que temos.

Estado – Será usada a polícia mesma?

Santos – A polícia e o Exército, sobretudo.

Estado – O sr. é visto como um garante de que o próximo governo vai respeitar os direitos humanos. E o sr., que garantias tem sobre as relações de Uribe com os paramilitares?

Santos – Estou absolutamente seguro de que não há nenhuma. Se não, não estaria aqui.

Estado – Nunca houve?

Santos – Nunca houve. Esse é o homem certo para o momento, um homem que jamais viola a lei.

Estado – E com o narcotráfico, no passado?

Santos – Também não.

Estado – E a licença para avionetas de narcotraficantes (quando era diretor da Aviação Civil, nos anos 80, segundo denúncia do jornalista Joseph Contreras, em sua Biografia Não-Autorizada de Álvaro Uribe Vélez, lançada este mês)?

Santos – Também não. Estou plenamente seguro. É um homem cujo patrimônio é transparente. Por Deus, é um homem que tem sido honesto.

Estado – Faz tempo que o conhece?

Santos – Não. Eu o conheci em Harvard, onde estudamos nos anos 96 e 97.

Estado – Como surgiu o convite para ser seu candidato a vice?

Santos – Foi numa conversa, aqui mesmo, alguns andares acima. Estivemos falando de política. Ele conhece minha trajetória. Falamos de uma quantidade de temas e ele me disse: “Quer ser vice?” E eu disse: “Sim.”

Estado – Os partidos sempre foram muito importantes na Colômbia. O sr. acha que seria bom “institucionalizar” este governo, talvez com o Partido Liberal?

Santos – Não sei se com este governo, mas sei que é preciso institucionalizar o Partido Liberal.

Estado – O sr. é liberal?

Santos – Sim. Mas nunca militei no partido. Sempre votei independente.

Estado – Quando falem de ou com o governo, os jornalistas de El Tiempo, a partir de agora, estarão falando, indiretamente, num certo sentido…

Santos – … com o chefe.

Estado – Como o sr. imagina essa nova relação?

 

Santos – De total respeito e independência, como foi até agora. Não penso em ligar para El Tiempo, de maneira alguma tentar influir.

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