Projeto tirou 10 mil famílias da coca

Parceria entre agência da ONU, governo e setor privado introduziu 30 produtos rentáveis para camponeses

 

BOGOTÁ – Em todas as partes do mundo, substituição de cultivos ilícitos tem sido historicamente sinônimo de fracasso. Quando muito, os programas oficiais oferecem sementes, assistência técnica, insumos e crédito para os agricultores trocarem suas plantações de coca por lavouras tradicionais de milho, mandioca, etc. Quando dá tudo certo e conseguem vender, os camponeses recebem dez vez ou menos do que ganhariam com a coca – que tem preço e comprador garantidos.

O francês Thierry Rostan, do Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC), está mudando essa história. Responsável por relações com o setor privado e levantamento de fundos desde 1999, Rostan conduz uma parceria entre camponeses, governo colombiano, países doadores e setor privado que já fez 10 mil famílias colombianas trocarem a coca por produtos de valor agregado, com venda garantida nas redes de supermercado colombianas ou para exportação. Nesses sete anos, o programa consumiu US$ 10 milhões, doados basicamente por EUA e Itália, e com ajuda também da França, Dinamarca, Suécia, Áustria e Espanha.

Os dois diferenciais do programa dirigido por Rostan são esses: os camponeses não se dedicam só a produtos agrícolas primários, de baixo valor, mas com qualidade e beneficiamento, graças a usinas construídas com dinheiro do programa; e, quando se lançam na produção, já têm comprador certo. “O narcotraficante chega para o camponês e diz: ‘Garanto a compra da sua coca, porque tenho mercado'”, descreve o funcionário do UNODC, que ocupa um edifício de cinco pavimentos no bairro de classe alta de Chicó, em Bogotá – um dos 121 bens confiscados do narcotraficante Efraín Antonio Hernández, do Cartel de Cali, morto em 1996. “Usamos a mesma estratégia. É uma solução de mercado.”

São cerca de 30 produtos, que vão de madeira e borracha a café gourmet, jóias feitas de coco e roupas interiores, passando por iogurte com frutas amazônicas e chocolate em barra, espalhados por 11 Departamentos (Estados) do país (ver mapa). Alguns deles, como o café gourmet e o palmito em conserva, são exportados para a Europa. A parceria começou com a rede francesa Carrefour, com a qual Rostan tinha mais proximidade. Hoje, as três maiores cadeias de supermercado colombianas também participam.

“Começamos a vender feijão a granel, depois em sacos para supermercados, depois em lata, com toucinho”, conta o francês. “Hoje, estamos competindo com a marca nacional sem problemas.” Inicialmente, ele negocia preços e condições de entrega com os supermercados. Com o tempo, os produtores se habituam e fecham os negócios diretamente. Os supermercados, que fazem marketing com o valor social da substituição de cultivos, oferecem condições especiais a esses camponeses. Os produtos são livres de impostos. No ano passado, as vendas somaram US$ 6 milhões. A meta, este ano, é que alcancem US$ 10 milhões.

Inquieto, Rostan urde planos maquiavélicos. “Você, como brasileiro, não vai gostar disso”, brinca ele, tirando da prateleira uma sandália Havaianas, com as cores e bandeira do Brasil. “Vamos fazer uma sandália dessas, misturando borracha com frutas amazônicas, 70% sintética e 30% natural, com bandeira da Colômbia e um selo da paz.” O slogan do marketing será algo do tipo: Caminhando para a paz.

A também francesa Michelin está assistindo na melhoria da qualidade da borracha. A suíça Nestlé investiu em tanques de armazenamento de leite, e recebe em produção. “Todos saem ganhando”, entusiasma-se Rostan, cuja equipe tem apenas 12 integrantes. A mudança na vida dos camponeses, diz ele, é visível. O francês se lembra de um camponês no Sul de Bolívar que, quando conheceu, não tinha eletricidade nem água. Hoje gerente de produção de chocolate e feijão, anda de terno e os filhos estão na universidade.

 

Segundo Rostan, não há registro de represália dos narcotraficantes, da guerrilha e dos paramilitares, por eles financiados, contra os camponeses, ou de tentativa de forçá-los a voltar a plantar coca. A razão disso é que os arranjos produtivos envolvem associações de camponeses, não indivíduos. “Eles não têm coragem de ir contra uma comunidade inteira.” 

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