‘Queremos buscar a paz sem guerra’

Em entrevista à imprensa estrangeira, o presidente colombiano, Andrés Pastrana, insiste em solução política

 

BOGOTÁ – Enquanto for presidente, Andrés Pastrana não aceitará uma intervenção estrangeira na Colômbia. Foi o que ele afirmou, na manhã de quarta-feira, em entrevista a jornalistas estrangeiros, da qual o Estado participou, com exclusividade para o Brasil. Pastrana reconheceu as denúncias de arbitrariedades na zona de distensão e disse que por isso insiste na instalação de uma comissão de verificação na área, qualificada por ele de um “gesto de paz” das Farc. O presidente defendeu a distinção entre guerrilha e narcotráfico: “Eu nunca negociaria com traficantes.”

Chicago Tribune – Os Estados Unidos se comprometeram a ampliar a ajuda à Colômbia no combate ao narcotráfico. É possível distinguir a luta contra o narcotráfico da luta contra a guerrilha?

Andrés Pastrana – São dois temas diferentes. Primeiro, necessitamos da ajuda americana para a criação do que denominamos um batalhão antinarcóticos. Quando há um ação de erradicação por parte da polícia, muitas vezes ela é atacada pela insurgência. Temos o Exército combatendo ao mesmo tempo a insurgência e o narcotráfico. Precisamos de um grupo especializado e bem equipado de reação imediata para proteger a polícia e dar-lhe respaldo na luta contra o narcotráfico. Assim, poderemos liberar o Exército da luta contra as drogas. Em segundo lugar, temos pedido também colaboração na modernização de nossas Forças Armadas. E, por último, pedimos a colaboração da comunidade internacional para projetos de substituição de cultivos alternativos.

Chicago Tribune – O general (Barry) MacCaffrey (assessor antinarcóticos da Casa Branca) nos disse que não há diferença entre o narcotráfico e a guerrilha. O sr. vê diferença entre os dois?

Pastrana – Sim, eu nunca negociaria com os traficantes. Nós estamos buscando uma solução política para um conflito com a guerrilha colombiana. As Farc têm reconhecido que cobram imposto do narcotráfico. Mas declaram que são os primeiros interessados a erradicar os cultivos ilícitos. Se as Farc forem ocupar um espaço político, democrático, que creio que eles estão aspirando, a primeira coisa que terão de fazer é afastar esse estigma do narcotráfico. Há um compromisso importante de começar com programas-piloto de erradicação dos cultivos ilícitos e aparentemente eles querem começar na zona de distensão.

Miami Herald – O sr. mesmo disse que não vimos ainda uma concessão das Farc. Que concessão veremos?

Pastrana – Tenho cumprido minha palavra em tudo em que nos comprometemos com as Farc. E por isso aspiramos que Tiro Certo (Manuel Marulanda) também honre sua palavra. Insistimos na comissão de verificação, que existam regras na zona de distensão. Se existem informações, por exemplo, de que estão recrutando menores na zona, eu posso falar com eles e eles dizerem que não estão recrutando, mas não existe um mecanismo de verificação para dizer se é verdade ou não. Igualmente, se eles têm dito que há paramilitares na região, que podem invadir a zona, eu posso dizer: “nós vamos reforçar a presença do Exército”, e eles podem ou não acreditar em nós. Os problemas que têm surgido são pequenos, e não podem pôr em risco o processo de paz. Dentro disso, o que esperamos são gestos de paz.

Estado – Com o processo de paz, intensificam-se as ações militares, já que as partes buscam melhorar sua posição na mesa de negociações. De quem foi a decisão de levar adiante as negociações, sem cessar-fogo, e por quê?

Pastrana – Eu conheço poucos processos de paz que tenham tido cessar-fogo. Na Guerra do Vietnã, levaram dois anos definindo o formato da mesa de negociações e foi quando morreu mais gente. A decisão é mútua. Ainda não nos sentamos para dialogar com as Farc. Até agora, só dissemos: vamos nos sentar para ver se podemos chegar à mesa de negociações. O cessar-fogo é um tema que deve ir para a mesa de negociações.

Estado – O sr., como chefe de Estado, como se sente, sabendo que, numa parte do território de seu país, a “zona de distensão”, há um estado dentro do Estado, com uma justiça revolucionária e uma série de arbitrariedades, como recrutamentos, seqüestros e execuções?

Pastrana – A zona de distensão foi um espaço criado para que pudéssemos nos sentar e conversar. Quando começarmos a dialogar, o primeiro ponto a levar para a mesa será o respeito aos direitos humanos. Impusemos, no acordo, que os prefeitos devem exercer seu trabalho, que há uma polícia especializada e que não houvesse presença da guerrilha nos perímetros urbanos. Por isso é que necessitamos de uma comissão de verificação. Eles têm o temor de serem invadidos e massacrados. E nós tememos que estejam ocorrendo coisas como as que o sr. está mencionando e que o país conhece.

El Clarín – Os Estados Unidos sondaram a Argentina, o Brasil e outros países da América Latina quanto à sua disposição de formar uma força de paz ou de intervenção – não está muito claro. O sr. tinha conhecimento dessa sondagem? E como vê a posição de (Fernando Henrique) Cardoso, que não aceita nenhum tipo de intervenção na Colômbia, enquanto não se sabe bem qual é a posição do governo argentino?

Pastrana – Não tinha conhecimento. Enquanto Andrés Pastrana for presidente da Colômbia, não haverá intervenção estrangeira em meu país. O presidente (Carlos) Menem na reunião do Rio (a Cimeira, há um mês) foi muito claro ao respaldar o processo de paz. E tem-se mostrado, em distintas manifestações, disposto a colaborar e a participar do processo de paz.

El Clarín – Repassando os 12 pontos da Agenda, o que o governo e as Farc vão discutir é uma reformulação estrutural, uma sociedade nova e um Estado diferente, em que é impossível que haja acordo…

Pastrana – Por quê?

Estado – A Agenda não é genérica demais?

 

Pastrana – Mas ela está em desenvolvimento. Afinal de contas, é a discussão que precisamos ter. E se formarão as comissões temáticas, para desenvolver os temas e ver até onde o país – não o governo, mas os colombianos – quer chegar. Mas, quando me sento com eles, vejo as discussões muito mais viáveis, mais abertas. Por isso tenho insistido que eles devem sair, ter a possibilidade de percorrer o mundo. Afinal, depois de 40 anos nas montanhas, é importante que tenham intercâmbios. A União Européia e os Estados Unidos estão dispostos a ajudar nisso. Creio que isso vá facilitar a comunicação nessas negociações. 

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