Do México à Venezuela, as eleições decisivas da América Latina

Este é um ano de eleições em importantes países da América Latina: México, Venezuela, Colômbia, Paraguai e Costa Rica, além do Brasil

MADURO DURANTE EVENTO EM CARACAS: a torrente de imigrantes influenciará eleição em casa, na Colômbia e até no Brasil | Marco Bello/ Reuters

Este é um ano de eleições em importantes países da América Latina: México, Venezuela, Colômbia, Paraguai e Costa Rica, além do Brasil. Há ainda a saída de cena de Raúl Castro, criando a oportunidade para alguém sem o seu sobrenome pela primeira vez em quase 60 anos. Embora nem isso seja garantido, nos opacos meandros do poder em Havana.

Começando pela Venezuela, onde tudo é mais escancarado: o regime chavista antecipou a eleição presidencial — melhor dizendo, a reeleição de Nicolás Maduro — de dezembro para 22 de abril. Os candidatos de oposição competitivos estão impedidos de concorrer: Enrique Capriles teve seus direitos políticos cassados, Leopoldo López está preso e Antonio Ledezma fugiu da prisão domiciliar para a Espanha.

Os venezuelanos leram na antecipação dois claros sinais: a situação econômica não só não vai melhorar, já que os chavistas continuarão no poder, como vai se agravar, já que eles não querem esperar até dezembro. Sendo assim, intensificaram a fuga pelas fronteiras com a Colômbia, Brasil e Equador.

Depois de visitar Boa Vista, o presidente Michel Temer decidiu mobilizar as Forças Armadas para controlar a entrada dos venezuelanos, que atingiu a média de 700 a 800 por dia. Com um contingente estimado em 40.000, eles já representam mais de 10% da população da capital de Roraima.

Uma semana antes, o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, já havia tomado a mesma decisão. Lá a situação é ainda mais crítica: já são cerca de 550.000 venezuelanos, entre legais e ilegais, o que dá mais de 1% da população do país.

A torrente de imigrantes venezuelanos é um dos temas das eleições para a presidência e o Congresso na Colômbia, no dia 27 de maio, com segundo turno em 17 de junho. Outros temas importantes: os processos de paz com as guerrilhas das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e do ELN (Exército de Libertação Nacional), crescimento econômico, emprego, saúde, educação e segurança, aponta Hugo García Segura, editor de Política do jornal El Espectador, de Bogotá.

“Os candidatos presidenciais se dividem entre os que respaldaram e rejeitaram no referendo de outubro de 2016 o acordo com a Farc (transformada no partido Força Alternativa Revolucionária do Comum)”, disse García a EXAME. O ponto central é se os ex-guerrilheiros deveriam passar um tempo na cadeia para pagar por seus crimes, ou apenas realizar trabalhos comunitários, como determinou o acordo.

As pesquisas mais recentes dão como favorito o candidato de centro-esquerda Sergio Fajardo. Em seguida vêm Gustavo Petro, de esquerda — assim como Fajardo, favorável ao acordo com a guerrilha —, e o ex-presidente Germán Vargas Lleras, de direita, que como tal rechaça o acordo.

Mas o páreo ainda será alterado pela definição do candidato da aliança entre os ex-presidentes Álvaro Uribe e Andrés Pastrana, que seguramente figurará entre os favoritos, e exigirá uma revisão do acordo. Entre os prováveis candidatos estão o senador Iván Duque e a ex-ministra da Defesa Marta Lucía Ramírez.

As investigações da Lava-Jato, que na Colômbia são mais conhecidas como “da Odebrecht”, eliminaram um possível candidato do uribismo, Óscar Iván Zuluaga. Ele foi acusado de receber financiamento ilegal da empreiteira brasileira em sua campanha à presidência em 2014. Alguns dos assessores mais próximos do presidente Santos também estão sendo investigados.

A queda no preço do petróleo e de outros minérios diminuiu a receita do governo colombiano, e Santos elevou os impostos para aumentar a arrecadação. Os candidatos de oposição prometem aumentar os salários e baixar os impostos. Mas, tudo indica que são só promessas de campanha, observa García, pois “o pau não está para colheres” — versão colombiana de “o mar não está para peixe”.

Com um Banco Central independente e um forte consenso em torno dos fundamentos da responsabilidade fiscal, os colombianos mantêm há muitos anos a sua economia organizada.

Assim como na Colômbia, no Paraguai não há um forte impulso de trocar o modelo econômico liberal por uma aventura heterodoxa. Entretanto, “dois de cada três paraguaios querem mudança”, disse a EXAME Roberto Codas, da First Analisis y Estudios, empresa de consultoria e pesquisas de opinião em Assunção. “Mais segurança, saúde, educação, mais e melhor trabalho.”

O desemprego, medido apenas nas áreas urbanas, está entre 7% e 8%. Mas mais de metade dos empregos é informal, sem direitos trabalhistas, ou de jornadas curtas. O Paraguai tem passado por um processo de industrialização, que inclui a transferência de empresas brasileiras para o outro lado da fronteira, mas o impacto ainda não é grande no emprego.

A popularidade do presidente Horacio Cartes, um dos maiores empresários do Paraguai, do setor de fumo, é de apenas 30%. Seu candidato, Santiago Peña, ex-ministro da Fazenda, perdeu as eleições primárias de seu Partido Colorado para o senador Mario Abdo Benítez, filho de um dos principais colaboradores do ex-ditador Alfredo Stroessner.

O outro candidato com mais chances, Efraín Alegre, é do Partido Liberal Radical Autêntico, histórico adversário dos colorados. Nenhum deles pode ser considerado de esquerda.

Aliás, na visão de Codas, não existe esquerda no Paraguai. O ex-presidente e atual senador Fernando Lugo, considerado de esquerda porque defendia a reforma agrária, usava uma expressão em guarani, “poncho yuru”, que quer dizer que ele está sempre no “meio do poncho”, nunca nos extremos.

Para Flavia Borja, repórter de política do grupo de mídia ABC Color, de Assunção, o desgaste de Cartes se deveu à sua insistência em tentar a reeleição e à sua incapacidade de conter os assassinatos e sequestros promovidos pelo Exército do Povo Paraguaio (EPP), que se inspira nas Farc colombianas.

O Congresso aprovou, em votação a portas fechadas, emenda constitucional permitindo a reeleição presidencial. Benítez votou contra. A decisão foi seguida de violentos protestos, em que um manifestante foi morto e o prédio do Congresso, parcialmente incendiado, em abril do ano passado. O presidente desistiu.

“Cartes perdeu todas as batalhas contra o EPP, e foi um dos governos que mais gastaram — com verbas discricionárias (ou seja, não previstas no Orçamento) — no combate ao grupo guerrilheiro”, observa Borja. “As pessoas estão cansadas e precisam de mudança.”

A Lava-Jato não repercutiu no Paraguai, mas houve um escândalo de vendas de sentenças por parte de juízes, que acabou em nada.

Cartes também endividou muito o país com a emissão de títulos do Tesouro, e sobrecarregou os pequenos contribuintes com impostos mais elevados, enquanto os de renda mais alta continuam se beneficiando com deduções, diz a jornalista. Efraín critica o endividamento externo e propõe a adoção de impostos sobre a soja e o fumo.

Entretanto, avalia Codas, os programas econômicos dos dois principais candidatos são “muito parecidos”. “Tem questões cosméticas que inventam para diferenciar os candidatos, mas são mais ou menos o mesmo esquema”, diz o consultor.

Com Trump ao norte 

Já no México, há a possibilidade de uma mudança mais acentuada, se se confirmar o favoritismo de Andrés Manuel López Obrador (conhecido por suas iniciais, AMLO), que disputa a presidência pela terceira vez como principal candidato da esquerda. Massimo Modonesi, estudioso da esquerda no Centro de Estudos Sociológicos, da Cidade do México, aponta como principais motivos do eleitorado a violência e o “empobrecimento relativo” de vários setores.

Ele cita como principais temas da eleição presidencial de 1.º de julho a alta criminalidade, a hostilidade de Donald Trump contra o México, crescimento econômico e as questões sociais.

A eleição de López Obrador “daria uma pitada de neodesenvolvimentismo, de intervenção estatal, em meio à substancial continuidade neoliberal e do extrativismo”, considera o sociólogo, referindo-se à exploração do petróleo por empresas estrangeiras.

O impacto nas relações com os Estados Unidos “depende mais de Trump que dos futuros governantes mexicanos”, avalia Modonesi, em entrevista a EXAME. Se o presidente americano mantiver sua cruzada contra o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e contra os imigrantes, “haverá respostas”, prevê o analista, “mornas dos partidos tradicionais e mais soberanas e sonoras” de AMLO.

“Difícil prever”, pondera Andrés Rozental, ex-vice-chanceler mexicano. “Não sabemos como reagirão os americanos quando tiverem um populista de esquerda como vizinho, especialmente um que detesta os Estados Unidos e se manifestou contra tudo o que se construiu na relação bilateral ao longo dos últimos 25 anos.”

Rozental, membro de conselhos de empresas no México e no Brasil, diz que uma eventual eleição de AMLO “seria um fator negativo para a economia a curto prazo, especialmente pelas reações negativas dos investidores e do setor privado mexicano”.

Poderia, segundo ele, “significar un peso depreciado, incerteza sobre o futuro do Nafta, das reformas econômicas”, sobretudo a quebra do monopólio estatal do petróleo, em 2015. AMLO promete cancelar projetos de infraestrutura, transferir o governo federal para o interior e reverter a abertura comercial.

Rozental advertiu a EXAME que o fato de AMLO estar na frente nas pesquisas não significa que ele vencerá. Afinal, o mesmo aconteceu, nas duas eleições anteriores. A campanha só começa para valer em abril.

Por último, as investigações da Lava-Jato tiveram “impacto mais simbólico e jornalístico a respeito do caso de Lula, porque a corrupção semeada e colhida pela Odebrecht no México não foi levada aos tribunais e está sendo encoberta”, lamenta Modonesi.

O debate eleitoral na Costa Rica é dominado por um tema um pouco incomum, em se tratando de uma eleição presidencial na América Latina: se homossexuais podem ou não se casar. A polêmica começou com uma decisão em janeiro da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja sede fica em San José, a capital da Costa Rica. Consultada pelo governo do presidente Luis Guillermo Solís, do Partido Ação Cidadã (PAC), a Corte decidiu que casais formados por pessoas do mesmo sexo têm os mesmos direitos que os outros.

A decisão polarizou a disputa entre Carlos Alvarado, do PAC, favorável aos direitos dos homossexuais, e Fabricio Alvarado (os dois não são parentes), do evangélico Partido Restauração Nacional (PRN), que representa os conservadores (também dos católicos) na luta pelos valores morais tradicionais.

No primeiro turno, dia 5, Fabricio saiu na frente, com 25%, seguido por Carlos, com 22%. Os grandes partidos tradicionais, Liberação Nacional e Unidade Social-Cristã (PUSC), ficaram de fora do segundo turno, marcado para 1.º de abril. A jogada do governo e a radicalização dos dois partidos sobre esse tema deram certo: PAC e PRN estavam antes bem atrás nas pesquisas, disse a EXAME o ex-presidente Miguel Ángel Rodríguez (entre 1998 e 2002, pelo PUSC).

“Em temas econômicos, o PAC é mais protecionista e próximo dos sindicatos, especialmente do setor público”, descreve Rodríguez, professor de economia na Universidade da Costa Rica. O governo Solís termina com o déficit fiscal mais alto dos últimos 34 anos (6,5%, segundo estimativa do Fundo Monetário Internacional).

Os partidos estão negociando no Congresso um acordo para tentar diminuir o déficit. “Pela composição da próxima Assembleia, se não der nesta, talvez na próxima legislatura se torne possível”, estima o jornalista Eduardo Ulibarri Bilbao, ex-embaixador da Costa Rica na ONU.

Outro problema enfrentado pelo governo foi um grande escândalo de tráfico de influência envolvendo um empréstimo do Banco da Costa Rica (estatal) para a importação de cimento pelo empresário Juan Carlos Bolaños, que criou uma “rede impressionante de influências”, incluindo o Poder Judiciário, disse Ulibarri a EXAME.

A Lava-Jato não repercutiu diretamente na Costa Rica. O país centro-americano bateu na trave: um contrato de concessão de uma estrada para a OAS durante o governo de Laura Chinchilla (2006-2010) foi cancelado nos últimos meses de seu mandato, lembra Ulibarri.

Em Cuba, o ditador Raúl Castro, de 86 anos, deve deixar as funções de presidente, embora possa continuar como primeiro-secretário do Partido Comunista (PC). No dia 19 de abril, a Assembleia Nacional elegerá o novo presidente do Conselho de Estado. Ainda não se sabe ao certo quem o sucederá.

Um nome provável é o de Miguel Díaz-Canel, de 57 anos, vice-presidente desde 2003. Num sinal de sua possível ascensão, ele foi promovido a vice-presidente do Conselho de Ministros (equivalente a vice-primeiro-ministro) em 2012. Entretanto, também são cogitados dois veteranos da Revolução de 1959: Ramiro Valdés, de 85 anos, e José Ramón Machado Ventura, de 87. Essas especulações entram em choque com limites de idade e de permanência no poder, estipulados por Castro no último congresso do Partido, em abril de 2016.

As chances de mais um Castro no poder diminuíram em janeiro, quando o coronel Alejandro Castro Espín, filho de Raúl, não foi eleito para a Assembleia Nacional. O chefe dos Conselhos de Estado e de Ministros tem de ser membro do Parlamento, e ratificado por ele.

O sistema é piramidal. Os cubanos elegem os conselheiros municipais, equivalentes a vereadores, em votações controladas pelo PC. Esses conselheiros escolhem os representantes provinciais e nacionais.

Entretanto, segundo o jornal Miami Herald, o coronel continuará concentrando bastante poder em suas mãos, como chefe da Comissão de Defesa e Segurança, criada recentemente, que supervisiona os ministérios e as forças de segurança.

Mas a continuidade da dinastia Castro não está de todo descartada. Mariela Castro Espín, filha de Raúl, foi eleita para a Assembleia Nacional. Ela já exerce o cargo de diretora do Centro Nacional para a Educação Sexual, e tem servido de porta-voz do regime, sobretudo no exterior.

Em abril do ano passado, Mariela fez declarações um pouco surpreendentes para os rígidos padrões de discrição nessas questões em Cuba, ao assinalar que há vários nomes possíveis para substituir seu pai.

Cuba tem sido administrada como uma empresa familiar. Desde que Raúl entrou no lugar de seu irmão enfermo, em 2006, o poder se deslocou gradualmente do entorno de Fidel para o do novo governante.

Entre os filhos do primeiro ditador, apenas Fidel “Fidelito” Castro Díaz-Balart demonstrara apetite pelo poder. Seu pai parecia estar preparando-o para a sucessão. Depois de estudar física nuclear na antiga União Soviética, Fidelito supervisionou o programa nuclear cubano entre 1980 e 1992. Até que Fidel o demitiu “por incompetência”, segundo declarou publicamente.

Um das últimas vezes em que Fidelito foi visto publicamente foi nos funerais de seu pai, em novembro de 2016. Depois de mergulhar na depressão, ele se suicidou no dia 1.º, aos 68 anos.

Do ponto de vista institucional, Cuba e Venezuela não pertencem à América Latina contemporânea. Na terça-feira, o governo peruano retirou da Venezuela o convite para a Cúpula das Américas, que será realizada em abril, em Lima. Paradoxalmente, Cuba está convidada.

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