Colorados disputam herança política de Argaña

Há um frenesi para definir o herdeiro do vice-presidente paraguaio assassinado

ASSUNÇÃO – A perplexidade provocada pelo assassinato do vice-presidente Luis María Argaña, em março, já se dissipou, assim como a euforia pelo êxito do movimento popular que levou à destituição do presidente Raúl Cubas Grau e ao exílio do general da reserva Lino César Oviedo. No balanço do que resultou daqueles eventos extraordinários, os paraguaios, sejam analistas políticos ou pessoas comuns, em Assunção e Ciudad del Este, constatam duas coisas, aparentemente contraditórias: depois daquela inesquecível semana, o Paraguai nunca mais será o mesmo, mas as velhas formas de cortejar o poder político e econômico ainda persistem.

No esforço de consolidação do poder, o presidente Luis Ángel González Macchi e seus auxiliares dedicam a maior parte do tempo à perseguição de ex-aliados de Oviedo e na busca de indícios de que o general e seus seguidores conspiram, do lado de cá e de lá da fronteira argentina, para desestabilizar o Paraguai.

Na sexta-feira, o ministro do Interior, Walter Bower e o presidente do Senado, Carlos Galaverna, reuniram a imprensa para mostrar 12 armas, incluindo fuzis e uma metralhadora, que, segundo eles, compunham um arsenal encontrado na cidade de Capiatá. O arsenal seria usado por oviedistas numa certa Operação Hipópotamo, destinada a desestabilizar o governo.

No Congresso, funciona uma Comissão Bicameral de Investigação, dominada por argañistas, encarregada de investigar o assassinato do vice-presidente, mas que se dedica a uma implacável caça às bruxas.

São 120 os suspeitos de envolvimento no atentado. Vários deputados, senadores e aliados políticos de Oviedo estão presos ou foragidos. Os argañistas – incluindo os afilhados post-mortem, conhecidos como “de segunda hora” – aproveitam para acertar contas com seus desafetos, sob o pretexto de punir os supostos conspiradores do assassinato de Argaña.

Está preso, por exemplo, por envolvimento na monumental conspiração, o ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral Carlos Mojoli, odiado pelos colorados por seu “legalismo”. O processo contra Mojoli deixaria Kafka inibido. O juiz é considerado suspeito porque, 40 minutos depois do assassinato de Argaña, anunciou a convocação de eleições para vice-presidente.

Como existe a versão de que Mojoli teria preparado o documento de convocação antes mesmo do assassinato, seu filho, Carlos, também está preso, acusado de levar embora o drive do computador do tribunal em que estava arquivado o texto. Quem conhece o juiz diz que ele pode ser afoito ou atabalhoado, mas jamais se envolveria numa conspiração para matar Argaña e abrir caminho para a eleição de Oviedo.

O ajuste de contas atravessou as fronteiras e envenenou as relações do Paraguai com a Argentina e o Uruguai, por causa da intimidade de autoridades e empresários desses dois países com Oviedo. Tanto o embaixador da Argentina em Assunção, Nestor Ahuad, como o do Uruguai, Federico Bouza, foram substituídos, por causa de suas ligações com o general.

“Oviedo é um perigo para todo o Cone Sul”, sentenciou o presidente Macchi, em entrevista à TV argentina, quarta-feira à noite, um dia antes de a chancelaria paraguaia formalizar o pedido de extradição do general. “Ele tem muitos amigos e se acha um líder do Mercosul.”

O Brasil, embora tenha acolhido Cubas, parece imune a essas insinuações, graças ao distanciamento do governo em relação às querelas internas paraguaias, e sobretudo ao grupo oviedista. Já o presidente argentino, Carlos Menem, não esconde sua amizade pessoal por Oviedo.

Internamente, há um frenesi político entre os colorados, na disputa pela definição do herdeiro político de Argaña e do espólio de Oviedo. Dos 80 deputados da Câmara, 29 eram oviedistas. “Ainda não há um sucessor definido”, diz Carlos Martini, professor na UniversidadeCatólica e analista político de televisão. “Macchi foi fruto da casualidade.” Com a morte de Argaña e a renúncia de Cubas, Macchi, como presidente do Senado, era o próximo da linha sucessória.

Estão no páreo para assumir a liderança colorada e a candidatura à vice-presidência – cargo-chave no tumultuado Paraguai -, em eleições dentro de um ano, o ministro do Interior, Walter Bower, o da Educação, Nicanor Duarte Frutos, e o presidente do Senado, Juan Carlos Galaverna.

 

Bower e Frutos levam vantagem, por serem argañistas “da primeira hora”. Bower acompanhava Argaña desde antes da queda de Stroessner, padrinho político do vice-presidente morto. Frutos já fazia campanha ao lado de Argaña para a presidência do partido antes do assassinato. Galaverna juntou-se depois, mas é dotado de retórica virulenta e boa exposição, devido ao cargo. Só uma coisa une os três: o esforço de espelhar-se em Argaña e execrar o oviedismo. 

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