Condenação de Oviedo divide os militares

ASSUNÇÃO – O Exército paraguaio está profundamente dividido.

A condenação do general Lino Oviedo a dez anos de prisão, por um tribunal militar extraordinário criado pelo presidente Juan Carlos Wasmosy, acirrou ainda mais a polarização entre a cúpula e a base dos oficiais. Um coronel do Exército – que falou ao Estado sob a condição de permanecer no anonimato – disse que o boato que corre entre os oficiais é o de que Wasmosy “pagou milhões” pela condenação de Oviedo. “Dá para sentir o cheiro do dinheiro passando”, afirma o coronel.

Verdadeiras ou falsas, essas especulações aprofundam o ressentimento na base da pirâmide do Exército, na qual o ex-comandante Oviedo desfruta muita simpatia. O maior ponto de tensão é a diferença brutal de situação econômica. A distância não está tanto no soldo. Um subtenente, o mais baixo posto de oficial, ganha cerca de US$ 400, enquanto o soldo de um general-de-divisão é de US$ 2 mil.

A diferença maior está no padrão de vida – derivado das oportunidades de negócios. Uma lei da época do ditador Alfredo Stroessner permite aos militares paraguaios atuar na iniciativa privada. E eles têm atuado ferozmente. Os altos oficiais aproveitam boas oportunidades de negócios, como contratos cobiçados no setor da construção civil, importação, comércio, etc.

Fontes civis e militares disseram ao Estado que a corrupção grassa no alto escalão das Forças Armadas. Mais uma vez, isso pode ser verdadeiro ou falso, mas, concretamente, os oficiais que ocupam postos de coronel para baixo se ressentem do contraste visível entre o padrão de vida deles e o dos generais – que não são poucos. O Exército paraguaio tem cerca de 60 generais-de- divisão. Chega-se comparativamente cedo a esse posto e passam-se 15, 20, até 30 anos nele, na ativa.

É bem verdade que Oviedo não é uma exceção. Também acumulou fortuna inteiramente incompatível com seu soldo, graças a vantajosos contratos em Itaipu e noutras áreas, até mesmo em sociedade com seu ex-amigo Wasmosy. Mas isso não tem perturbado sua empatia com os jovens oficiais. Uma fonte com amplo acesso a esses oficiais disse ao Estado que muitos deles sentem que “não é certo o que fizeram com Oviedo”.

As razões para essa simpatia com o ex-comandante são as mesmas que explicam o carisma de Oviedo perante a população. O general distribui promessas assistencialistas de toda sorte e faz pregações nacionalistas. Oviedo venceu as primárias do Partido Colorado em todos os distritos eleitorais da fronteira com o Brasil, com um discurso hostil aos cerca de 560 mil brasiguaios. Falando em guarani, ele observava que os brasiguaios tinham os melhores tratores, carros e casas. “No meu governo, isso vai mudar.” Oviedo tem sabido acalentar os sonhos dos oficiais da base da pirâmide com promessas de valorização profissional e dias melhores. Quando comandante-chefe do Exército, virou padrinho de muitos jovens oficiais – tanto no sentido figurado, de proteção e tutela, quanto literalmente, em casamentos e batizados.

A suposta tentativa de golpe liderada por Oviedo foi seguida do expurgo de cerca de 200 oficiais. De coronel para cima, os militares estão com o presidente Wasmosy. “Daí para baixo, reinam o descontentamento e as incertezas”, diz uma fonte.

De que a cúpula esteja contra Oviedo, não há dúvida. Entretanto, diz o sociólogo Marcial Riquelme, professor da Universidade do Kansas e um dos maiores especialistas paraguaios em assuntos militares, “não se sabe se oficiais de alta patente são a favor da democracia ou apenas contra o caudilho militar Oviedo”.

Ser contra o caudilho militar, diz Riquelme, que está realizando uma pesquisa com os oficiais paraguaios, “é condição necessária, mas não suficiente, para jogar segundo as regras democráticas”. Uma inquietação freqüente entre os observadores é a seguinte: o que acontecerá se Oviedo vencer a batalha na Corte Suprema e for eleito presidente? As Forças Armadas continuarão contra ele?

O mais grave: essa pergunta se aplica também ao caso de a aliança oposicionista vencer as eleições – o que pode acontecer, segundo as pesquisas, se os colorados substituírem Oviedo por outro candidato. Essas incertezas se devem a um velho problema das Forças Armadas paraguaias: seu envolvimento crônico na política. “Não há fronteira entre civil e militar no Paraguai”, diz Riquelme.

Até a Constituição de 1992, para ser militar, policial ou funcionário público civil, era obrigatória a filiação ao Partido Colorado. No caso dos militares, o pai também tinha de ser colorado. A Constituição proibiu a filiação partidária dos militares, mas, na regulamentação, por uma lei de 1994, essa filiação ficou apenas “suspensa”. De qualquer forma, um vínculo como esse não se desfaz da noite para o dia. O grosso dos militares continua sendo formado por colorados.

Além do envolvimento político, Riquelme aponta uma segunda particularidade paraguaia, que dificulta a transição democrática: a abertura começou com um golpe militar, que derrubou Stroessner, em 1989. “Foi uma abertura tutelada.” Na opinião do sociólogo, a transição só começou efetivamente em abril de 1996, com a destituição de Oviedo do comando do Exército e os expurgos dos oficiais leais a ele.

 

Riquelme, autor de vários livros sobre as Forças Armadas e sobre o processo político paraguaio, está desanimado. “Se, antes, a transição estava emperrada, agora está regredindo”, observa. “Não saber se vai haver eleições é um retrocesso: em 1993, sabia-se pelo menos que seriam realizadas eleições em 10 de maio.”

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