Erro de Wasmosy pode dar vitória à oposição

ASSUNÇÃO – A elegante Gladys Florentín, funcionária da Antelco, a estatal de telecomunicações paraguaia, e presidente da Organização das Mulheres Coloradas, foi ao Palácio de López, sede do governo, com dezenas de militantes, oferecer apoio ao presidente Juan Carlos Wasmosy.

Em troca, um pedido simples: que todos os empregos públicos voltem a ser reservados para filiados ao Partido Colorado.

Wasmosy não disse nem que sim nem que não. O presidente atravessa um momento difícil. Depois de criar um tribunal militar para condenar a 10 anos de prisão o general da reserva Lino César Oviedo, vencedor das primárias coloradas, terá de realizar outra manobra tosca – como tentar adiar as eleições – para impor seu candidato à presidência, Raúl Cubas, expirado o prazo para inscrições. O encontro entre Gladys e Wasmosy, cada qual com o seu nível de inquietações, é uma síntese do Paraguai.

Nas ruas de Assunção, soam longínquas e fúteis as preocupações, que as principais capitais sul-americanas dedicam ao Paraguai, sobre o fortalecimento das instituições democráticas, a transparência das regras ou a integridade do Mercosul. Com um desemprego que subiu de 5% para 8% nos últimos dois anos (aumento de 60%), subemprego de 20% e mais da metade dos trabalhadores ganhando menos que o salário mínimo de US$ 220, os paraguaios querem é emprego, segurança e salário decente. E isso, no Paraguai, é sinônimo de emprego público.

A líder das mulheres coloradas não pretende inventar a roda. Até 1993, para ser funcionário público, era preciso ter carteirinha de filiação do partido que governa o Paraguai há quase 51 anos. Era o único caso no mundo não comunista.

Acontece que, nas eleições daquele ano, a oposição obteve maioria absoluta na Câmara e no Senado. Por isso, Wasmosy propôs o chamado “pacto de governabilidade”, pelo qual todas as instituições e órgãos passaram a oferecer seus cargos segundo cotas, respeitando a proporcionalidade da votação do Senado: 44% para colorados, 34% para liberais, 15% para “encontristas” e 1% para “fevereiristas”. Resultado: o número de servidores duplicou. Aonde um motorista colorado vai, um oposicionista vai junto.

E por que acabar com o pacto de governabilidade? É aqui que os anseios de Gladys se encontram com os de Wasmosy. O presidente, que sempre teve mais problemas se engalfinhando com as outras três grandes facções de seu próprio partido do que com liberais e “encontristas”, anda muito chateado com a oposição. É que essa está vislumbrando a primeira chance real, em cinco décadas, de voltar ao poder. Tudo, por um tremendo erro de cálculo do próprio Wasmosy.

Amizade – Oviedo, ex-comandante-chefe do Exército, e Wasmosy eram amigos, aliados políticos e, segundo dizem, sócios na Conempa, conglomerado de empresas que ajudaram a construir Itaipu e sempre foram bem-sucedidas nas licitações públicas para estradas, hidrovias, etc. Alguma coisa deu errado entre Oviedo e Wasmosy, seja na esfera política, na empresarial, ou nas duas

– há várias versões.

Uns dizem que foi problema de dinheiro. Outros, que Wasmosy resistiu a pressões de Oviedo para aumentar o número de ministros indicados pelo general. Oviedo diz que Wasmosy ia tentar um “fujimorazo”, com o qual não quis compactuar. Wasmosy diz que Oviedo armava um golpe.

O certo é que o presidente destituiu o general do comando do Exército e o mandou para a reserva, em abril de 1996. Alguns oficiais leais a Oviedo reagiram. Os aviões da Força Aérea foram guardados na fazenda de Wasmosy, por via das dúvidas. O presidente ofereceu o cargo de ministro da Defesa a Oviedo, que aceitou.

O Brasil e a Argentina entraram em cena. Brandiram a “cláusula democrática” do Mercosul, instituída na Cúpula de Ouro Preto, de 1994, por proposição do próprio Wasmosy, que já temia um golpe. Sem democracia, o Paraguai seria suspenso do Mercosul, o que equivaleria a sua ruína econômica. O presidente retirou a oferta. O golpe fracassou.

Entretanto, e aqui vem o erro político, Wasmosy deixou Oviedo à solta. De acordo com o professor Carlos Martini, da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Católica de Assunção, e um dos analistas políticos mais requisitados da mídia paraguaia, o presidente temeu os custos políticos e sobretudo a divisão interna que a perseguição a Oviedo implicariam. E nunca imaginou que o general pudesse vencer as primárias de setembro.

Oviedo venceu, segundo Martini, colocando em campo um formidável exército de oficiais da reserva. As bases coloradas – assim como o eleitorado em geral – viram em Oviedo a figura de um homem forte, que pode oferecer segurança e trabalho.

“É um populista messiânico”, definiu Martini, em entrevista ao Estado. “Um político que soube reconhecer as brechas da sociedade paraguaia.” Uma delas é a corrupção. A controladoria-geral da república estima em US$ 2 bilhões o volume envolvido nas denúncias de corrupção do ano passado. Na Justiça, 99% dos processos não avançam. Oviedo vende a imagem do “moralizador”.

Tribunal Militar – A morosidade da Justiça também favoreceu o general de forma mais direta. O processo contra ele, por tentativa de golpe e por dar declarações políticas enquanto militar da ativa, não prosperou. Foi assim que Wasmosy teve de criar, às pressas, um tribunal militar, previsto na Constituição de 1992, mas nunca aplicado, para condenar Oviedo. E, agora, tem de enfrentar a Justiça Eleitoral, que não admite candidatos fora do prazo nem adiamento das eleições.

Uma pesquisa coordenada por Martini e divulgada na quinta-feira à noite, com bastante impacto no Paraguai, mostra que, se as eleições fossem realizadas hoje, 45% dos entrevistados votariam em Oviedo. O candidato da aliança oposicionista, Domingo Laíno, teria 37%.

Entretanto, se os colorados mudassem de candidato, desses que antes votariam em Oviedo, apenas 64% manteriam o voto para o novo candidato colorado.

Outros 20% dizem que seu voto depende do candidato, já que a pesquisa foi realizada antes de os colorados definirem a nova chapa, com Raúl Cubas como candidato a presidente e Luis María Argaña, ex-rival de Wasmosy, a vice.

Esse é um grande sinal de mudança, segundo o cientista político. A maioria deixa de votar automaticamente nos colorados, qualquer que seja o candidato.

Por que votou, nas últimas cinco décadas?

O Partido Colorado, fundado em 1887, é o terceiro mais antigo da América do Sul. “Ele evoca um forte sentido de identidade, transmitido de geração em geração.” Além disso, os colorados dispõem de uma “grande rede de caudilhos” em todo o país, que “administram tudo, arranjam empregos, enfim, cuidam dos cidadãos”.

E o que está mudando? A imprensa nunca foi tão livre como agora, no Paraguai. Pela primeira vez, a lista dos eleitores, chamada de “padrón”, é entregue, pela Justiça Eleitoral (ela mesma uma instituição nova) dois meses antes das eleições, com grau de confiabilidade de 99,5%, segundo o cruzamento dos dados dos eleitores com os da polícia e do Registro Civil.

Além disso, nunca houve o “colchão internacional” que há hoje, liderado pelo Brasil, para assegurar e exigir a continuidade do processo democrático.

 

Esses fatores podem ser positivos. Mas o presidente Juan Carlos Wasmosy está acuado. E isso, no Paraguai, segundo a tradição, não é bom.

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