Inesperada reação da população mudou a história do Paraguai

Ninguém poderia imaginar que jovens não filiados a partidos lutariam pela democracia

 

ASSUNÇÃO – Ninguém discute que março representou uma ruptura. “Desapareceu o poder fático que Oviedo detinha desde (o governo de Andrés) Rodríguez (1989-93)”, assinala o cientista político Jorge Riquelme. Oviedo, que, com uma granada na mão, obrigou o ditador Alfredo Stroessner (1954-89) a renunciar, mantinha-se, desde então, como um dos homens mais poderosos e certamente o mais popular do Paraguai. Além disso, nunca antes um movimento popular espontâneo, impulsionado pela indignação, tinha sido capaz de impor a saída de um presidente.

A semana mais longa da história política recente do Paraguai começou, no domingo, 21 de março, com as derrotas dos líderes dos dois partidos de oposição, em suas respectivas convenções. O caudilho liberal Domingo Laíno perdeu a presidência para Julio César Franco, enquanto Carlos Filizzola, do Partido do Encontro Nacional, deu lugar a Euclides Acevedo. Naquele instante, nem Laíno nem Filizzola, que haviam disputado, em aliança, a eleição presidencial com Cubas e Argaña, podiam prever que seus partidos, sob as novas lideranças, estavam prestes a participar do governo, via coalizão com os colorados, pela primeira vez em cinco décadas.

Na terça-feira, Argaña era assassinado. No domingo, Cubas se antecipava ao impeachment e renunciava, exilando-se no Brasil, enquanto Oviedo fugia para a Argentina. Entre um evento e outro, ocorreu um dos episódios mais marcantes da história do Paraguai: milhares de pessoas saíram às ruas, sob o fogo de franco-atiradores e contra tanques do Exército, para exigir a destituição do presidente e punição dos culpados. Oito morreram e 200 ficaram feridos.

“Nenhuma pessoa sensata que conhecia a história deste país podia prever essa reação”, diz o sociólogo José Carlos Rodríguez. “Rapazinhos que costumavam brigar por causa de futebol foram para a praça dispostos a morrer pela democracia. Aqui, antes, morria-se pelo chefe ou pela máfia, mas não pela democracia, uma coisa abstrata.”

“Em Assunção, aqueles acontecimentos mudaram a vida de todos”, diz Riquelme, professor de Sociologia na Universidade Católica. Entre os oito mortos, estava um aluno seu de 19 anos. “Sempre se pensou que a violência se desataria no interior do país”, lembra Riquelme. “Ninguém imaginou que o confronto envolveria filhos da classe média, não militantes de partidos. Isso traumatizou a capital, onde está o poder econômico e político.”

 

Terá valido a pena? “Antes de março, as pessoas estavam muito resignadas”, diz Amadeus Velásquez, de 22 anos, que esteve desde o primeiro momento na praça. “Era preciso frear aquele governo, para voltar a ter esperança.” Quem está frustrado, hoje, é por ter sido “imediatista e pensado que o país mudaria do dia para a noite”, acrescenta Carolina Thiede, de 19 anos, que também participou das manifestações. “O país só vai mudar mesmo quando mudar a mentalidade das pessoas, e isso vai levar tempo.”

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*