Paraguai deseja abandonar triangulação

ASSUNÇÃO – O presidente eleito do Paraguai, Raúl Cubas, está ciente da necessidade de eliminar a chamada triangulação, o papel de intermediário que o país exerce no comércio, tanto lícito quanto ilícito, sobretudo em Ciudad del Este.

 

Essa é a impressão do embaixador brasileiro em Assunção, Bernardo Pericás, que conversou ontem por uma hora e meia com Cubas, em seu escritório, no centro da capital.

“Ele está consciente de quanto o Mercosul pode ajudar o Paraguai a abandonar esse papel de intermediação e consolidar sua inserção econômica”, disse ao Estado Pericás, que visitou Cubas com os embaixadores da Argentina, Nestor Ahuad, e do Uruguai, Federico Bouza. Cubas, que assume em 15 de agosto, aceitou o convite para visitar o Brasil, feito na segunda-feira pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

O resultado final da eleição de domingo ainda não saiu, mas, apurados mais de dois terços dos votos, Raúl Cubas segue ganhando com 54%, enquanto Domingo Laíno, da oposicionista Aliança Democrática, tem 42,5%. Esses números, no entanto, não dão idéia do caráter arrasador da vitória colorada nas eleições gerais – as primeiras consideradas democráticas na história do Paraguai.

A aliança perdeu em lugares que eram considerados redutos seus, como Assunção e Departamento Central, que têm os maiores colégios eleitorais do país (14% e 25% dos eleitores, respectivamente). Os colorados arrancaram da oposição a maioria absoluta no Senado e na Câmara. E elegeram 13 dos 17 governadores departamentais.

Para a eleição presidencial, Raúl Cubas teve apenas três semanas de campanha – fincada na promessa de soltar o ex-comandante do Exército Lino César Oviedo. Só no dia 17 a Corte Suprema tornou inelegível o general Oviedo, o vencedor das prévias coloradas, ao ratificar sua condenação a 10 anos de prisão por tentativa de golpe militar em abril de 1996. Cubas, o vice na chapa colorada, saltou então para a candidatura à presidência.

Assim, depois de cinco décadas no poder de facto, os colorados devem manter-se pelo menos mais cinco anos no governo, agora pela vontade popular, num país em que a maior unanimidade é a necessidade de mudança. Como explicar esse fenômeno?

O psicólogo social José Jiménez, diretor-executivo da ONG Iniciativa para a Transparência Eleitoral Sakã, pesquisador do Grupo de Ciências Sociais e professor da Universidade Católica de Assunção, enumera duas razões principais: o fenômeno Oviedo e a maneira dos dirigentes da aliança de fazer política.

“Oviedo personifica o militarismo nacionalista, muito arraigado entre os paraguaios”, disse Jiménez ao Estado. “Essa ideologia, muito difundida nas escolas durante a ditadura de Alfredo Stroessner (de 1954 a 1989), estava sem um representante nos últimos anos.”

Oviedo veio preencher esse vazio. Há no país um imaginário popular análogo ao indígena. Segundo Jiménez, “só um cacique pode tirar o poder de outro

cacique”.

Para esse imaginário, Oviedo elevou-se à altura de Stroessner quando, “com uma granada numa mão e uma pistola na outra”, obrigou-o a deixar o poder.

Depois de desempenhar esse papel heróico na derrubada do ditador, Oviedo teve ascensão fulminante, tanto política quanto econômica. Foi braço direito do presidente Andrés Rodríguez (de 1989 a 1993), sobretudo nas relações com os militares, ao mesmo tempo em que administrava os bens do presidente, um homem muito rico. Afirma-se que os negócios envolviam tráfico de drogas e armas e a rentável pirataria de eletrônicos.

Em 1992, Oviedo assumiu mais uma vez o papel de “fazedor de reis”. Conduziu, segundo versões, a fraude que tomou de Luis María Argaña (eleito vice-presidente no domingo) a vitória nas prévias coloradas, garantindo a vitória da candidatura de Juan Carlos Wasmosy e conduzindo-o à campanha que o levaria à presidência da república no ano seguinte.

“Oviedo sabe muito de logística e de toda a técnica que envolve campanhas”, testemunha Jiménez, especialista nesse tema. “No ano passado, fiquei impressionado com o aparato de campanha dos oviedistas nas prévias coloradas de setembro.”

Jovens munidos de rádios e celulares, vestindo uniformes, seguindo esquemas de trabalho montados por engenheiros garantiram a vitória de Oviedo, que surpreendeu até mesmo o rival Wasmosy.

O presidente teve de improvisar um tribunal militar extraordinário para tirar o general do páreo, condenando-o por uma desastrada tentativa de golpe ocorrida um ano e meio antes, depois de Wasmosy ter tirado de Oviedo o comando do Exército.

 

De sua parte, “os dirigentes da aliança são políticos de gabinete”, diz Jiménez. “Laíno chega a uma cidade do interior, reúne-se com líderes locais, faz um comício de uma hora e vai embora.” Oviedo, não: “Discursa por cinco minutos e distribui tratores.”

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