Paraguai realiza primeiras eleições livres

ASSUNÇÃO – As eleições gerais que se realizam hoje no Paraguai são únicas e inéditas em muitos sentidos.

 

Os principais analistas políticos do país e observadores internacionais concordam que será a primeira eleição presidencial verdadeiramente livre e democrática de sua história, com uma Justiça Eleitoral independente e credenciamento de eleitores isento de fraudes.

É a primeira vez que um presidente civil conclui seu mandato e entrega o cargo a outro presidente eleito. Será também a eleição mais disputada da história, em que, pela primeira vez, não se sabe quem será o vencedor. As pesquisas feitas por grupos independentes apontam um empate técnico entre o colorado Raúl Cubas e o liberal Domingo Laíno.

Mas estas eleições são peculiares também por uma circunstância política sui generis. Pela primeira vez na história recente do Paraguai, os oficiais das Forças Armadas têm sérias razões para desejar a derrota – ou, pelo menos, não desejar a vitória – do Partido Colorado. Até 1996, para o ingresso na Academia Militar e na Academia de Polícia, era obrigatória a filiação colorada.

Assim, todos os oficiais paraguaios são ou já foram filiados, do mesmo modo que os funcionários públicos do país. Como explicar, então, a rejeição ao candidato colorado à presidência, Raúl Cubas?

A explicação chama-se Lino César Oviedo, o general que, de comandante das Forças Armadas e homem forte do governo de Juan Carlos Wasmosy, passou a seu arquiinimigo, depois da crise militar de abril de 1996. Oviedo venceu as prévias do Partido Colorado, em setembro, mas foi tirado do páreo por Wasmosy.

O presidente, que não esperava a vitória do general, criou um tribunal militar extraordinário, que o condenou a 10 anos de prisão por tentativa de golpe militar. Oviedo, oriundo da Cavalaria, foi encarcerado na 1.ª Divisão de Infantaria. O general da reserva recorreu à Corte Suprema.

No dia 17 de abril, a Corte Suprema confirmou a condenação, tornando Oviedo inelegível. Naquele momento, as pesquisas davam 50% das intenções de voto ao general. Raúl Cubas, o vice da chapa de Oviedo, tornou-se o candidato colorado a presidente e Luis María Argaña, que ficara em segundo lugar nas prévias, passou a vice.

Nas três semanas que teve para fazer campanha, Cubas moveu-se à sombra de Oviedo. Sua principal plataforma: indultar o popular general. Ou seja, reverter a decisão, não só da Suprema Corte, mas da cúpula militar, que bancou a condenação, por intermédio do tribunal extraordinário.

Mas não é só por isso que os oficiais temem a vitória colorada. “Se Cubas for eleito, vai arrasar com a cúpula das Forças Armadas”, disse ao Estado Edwin Brítez, editor de Política do ABC Color, o jornal mais importante do Paraguai. “Vai querer pôr gente de sua confiança.” Seria a segunda vez, em dois anos, em que a cúpula militar seria arrasada”. Depois de sufocar a sedição liderada por Oviedo, Wasmosy mandou para a reserva cerca de 200 oficiais. Os atuais oficiais de posto mais alto são wasmosystas e antioviedistas. Serão a bola da vez, com a eventual eleição de Cubas, espécie de ajudante-de-ordens de Oviedo.

Se os liberais vencerem, “não vão golpear as portas dos quartéis, como os colorados podem fazer”, disse ao Estado Marcial Riquelme, professor de Sociologia da Universidade do Estado de Kansas e um dos maiores especialistas paraguaios em assuntos militares. “Apesar de serem todos filiados ao Partido Colorado, os oficiais percebem que um governo da Aliança Democrática representa a chance de institucionalização das Forças Armadas, pela qual a maioria anseia”, garantiu Riquelme, que está realizando uma pesquisa acadêmica sobre os militares paraguaios.

A Aliança Democrática, que reúne o Partido Liberal Radical Autêntico e o Partido do Encontro Nacional, propõe, em seu programa de governo, a profissionalização das Forças Armadas. Na quinta-feira circulavam, entre os militares, panfletos apócrifos, acusando a aliança de pretender reduzir o Exército a uma Guarda Nacional, ao estilo das repúblicas centro-americanas.

“Isso causou bastante nervosismo entre os oficiais”, afirmou Riquelme. O candidato liberal, Domingo Laíno, apressou-se em entrar em contato com a cúpula militar, para desmentir essa versão.

Entretanto, quem se tem movimentado mais para tranqüilizar os oficiais é o candidato colorado, Raúl Cubas. Segundo fontes militares citadas pelo jornal La Nación, o candidato a vice, Luis María Argaña, manifestou à cúpula militar o compromisso de “respeitar a institucionalidade” das Forças Armadas. Argaña passou o recado de Cubas durante uma reunião de rotina entre o alto comando e o presidente Wasmosy, na quarta-feira.

“Uma vitória da Aliança diminuiria muito a tensão nas Forças Armadas”, confirmou ao Estado Carlos Martini, coordenador de pesquisas de opinião da Universidade Católica de Assunção, comentarista do canal Tevedos e colunista do jornal Noticias. Martini ressaltou, no entanto, a possibilidade de Cubas não insistir no intento de indultar Oviedo. “Uma coisa é um candidato em campanha, outra coisa, muito diferente, é um presidente”, argumentou o pesquisador.

Martini concordou também que tenha havido uma mudança de mentalidade nas Forças Armadas. “Em 1996, assistimos ao crepúsculo do último caudilho militar no Paraguai”, disse o analista, referindo-se ao fracasso da sedição liderada por Oviedo. “Em 1993, Oviedo usou abertamente as Forças Armadas na campanha em favor de Wasmosy”, lembrou Martini. “Hoje, a realidade é muito diferente.” O pesquisador disse que o Paraguai vive sob “uma democracia tutelada do exterior, vigiada pelo Mercosul”.

Se há um amadurecimento político, como explicar a popularidade de Oviedo, um político messiânico, sem grande apreço pelos trâmites democráticos? Martini dispara sua munição de números. “De 1989 para cá, ou seja, no período de democratização do país, o desemprego aberto subiu de 5% para 8% e o poder de compra dos salários deteriorou-se 26%”, diz o pesquisador. “Segundo a FAO , o Paraguai tem a maior concentração de terras do mundo e, segundo o Banco Mundial, a maior concentração de riquezas. Cerca de metade dos paraguaios vive abaixo da linha de pobreza.

“O país é, socialmente, um fracasso”, sentenciou Martini. “E a democracia não reverteu esse quadro, ela o aprofundou.” É nesse contexto que muitos paraguaios se encantam com o populismo e o personalismo de Oviedo, considerando pouco relevante a maneira como ele galgará ao poder – se por um golpe militar ou por eleições. De acordo com uma pesquisa publicada por The Wall Street Journal, apenas 46% dos paraguaios preferem a democracia a outros regimes, em comparação com 80% dos bolivianos, por exemplo.

Aqui, entende-se por que os analistas políticos paraguaios enfatizam tanto a importância do Mercosul e de sua “cláusula democrática”, que desencorajou o apoio a um golpe militar, há dois anos, sob pena de expulsar o Paraguai do bloco comercial, o que equivaleria à sua ruína econômica.

“Cubas terá de ser pragmático”, espera Martini. “Terá de negociar com os militares, com a oposição e com o Brasil e os EUA”, que pressionam pela manutenção da ordem democrática.

E se a Aliança Democrática vencer, como reagirão os colorados? De seus 110 anos de história, quase metade, 50, o partido viveu no poder. Facções mais exaltadas têm ameaçado “sair às ruas” para preservar o que consideram seu.

“Não creio que eles vão reagir violentamente”, disse ao Estado o candidato à presidência pelo Partido Revolucionário Febrerista, Luis Campos – sem chances de vitória, com cerca de 2% das intenções de voto.

 

Campos, cujo partido se declara social-democrata, disse roubar mais votos dos colorados que da Aliança Democrática. “Os colorados sofreram derrotas dolorosas nas eleições municipais de 1996 e suportaram.” Doutor em Economia pela Sorbonne e diretor de uma empresa de consultoria, o candidato acredita também que as Forças Armadas tenham demonstrado que querem “institucionalizar-se”. Alguns setores, segundo ele, “cultivam esses fantasmas” do uso da força. Mas não passa disso.

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*