Alan García: charme e instinto de animal político

Apesar de sua acidentada administração, a astúcia lhe permite chegar de novo às portas do poder

 

LIMA — Sobre a Villa El Salvador, na periferia sul da capital peruana, ergue-se um lúgubre monumento ao governo Alan García (1985-90): uma linha de trem inacabada, cuja construção foi interrompida, em meio a denúncias de que pelo menos US$ 1 milhão dos recursos para a obra – orçada em US$ 250 milhões – teriam sido depositados num paraíso fiscal em favor de García.

Dos 40 quilômetros previstos, que atravessariam a cidade, apenas 10 foram construídos. Para que os equipamentos não se danifiquem, os trens são postos em funcionamento todas as segundas, quartas e sextas-feiras, percorrendo, vazios, uma distância de 2 quilômetros. O trem fantasma de Villa El Salvador reúne os elementos da acidentada administração do agora candidato aprista:

idas e vindas inúteis, projetos que não chegam ao fim, deixando o pesado ônus da inépcia e da corrupção.

Outras lembranças do governo aprista não têm a concretude dos viadutos e trilhos pela metade, das locomotivas e vagões parados, mas continuam igualmente vivas na memória dos peruanos. A moratória da dívida externa, a nacionalização de bancos e empresas, a fuga de capitais, a asfixia do crédito externo e interno e a falta de divisas para importar insumos resultaram na combinação de uma inflação de até 7.650% e uma recessão que chegou a 13%.

O país mergulhou no desabastecimento. Quem não tinha dinheiro para comprar produtos básicos no atacado, pagando ágio sobre a tabela, era obrigado a fazer filas imensas nas padarias, açougues e mercearias. Para completar, os atos de sabotagem do Sendero Luminoso causavam freqüentes blecautes e falta d’água.

Depois de deixar o governo, García exilou-se, em 1991, na Colômbia, para escapar das acusações de desvio de dinheiro público, que ele classificou de perseguição política. O candidato só voltou em janeiro, já para se candidatar à presidência, uma vez prescritos os crimes de que foi acusado.

Com apenas dois meses de campanha, García ultrapassou Lourdes Flores no primeiro turno. Mais dois meses, e agora ameaça arrancar a presidência de Alejandro Toledo. O feito extraordinário se deve ao charme e à inteligência inegáveis de García, eleito presidente aos 35 anos de idade, em 1985. E ao instinto de animal político. “Não descobri a política aos 50 anos”, ironiza, referindo-se a Toledo. “Vivo a política há 50 anos.”

O nível de rejeição do ex-presidente, no entanto, que começou o governo com 94% de popularidade e terminou com 5%, segue sendo alto: 49% dos entrevistados pelo Instituto Apoyo disseram que não votariam nele em hipótese alguma, enquanto esse índice é de 44% em relação a Toledo.

Para a metade dos eleitores que admite votar nele, García fez mea culpa e garante que o exílio lhe ensinou as virtudes da paciência e da humildade.

 

Também teve tempo para rever suas convicções: “Já não estamos nos anos 30, na época de Perón e Getúlio Vargas, em que o Estado tinha de ser empresário porque não existiam empresas nem burguesia na América Latina.”

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