Uma região unida pela corrupção

OLLANTA HUMALA: ex-presidente do Peru foi preso em Lima, na última semana, sob suspeita de envolvimento com a corrupção da Lava-Jato/ Justice Palace/ Handout via Reuters

Ao revelar o pagamento de US$ 788 milhões em propinas para obter contratos em 12 países da América Latina, a delação premiada de executivos da construtora Odebrecht, a maior da região, transformou-se no primeiro grande teste coletivo da independência das instituições de suas jovens e frágeis democracias.

O Peru saiu na frente no dia 14, ao levar para a prisão Ollanta Humala, que até um ano atrás presidia o país, e sua mulher, Nadine Heredia. A Justiça emitiu mandado de prisão preventiva de 18 meses de ambos, e também do ex-presidente Alejandro Toledo, que está na Califórnia, onde é professor de economia na Universidade Stanford. Foi emitida ordem de captura internacional contra ele.

Marcelo Odebrecht, herdeiro da construtora, afirmou que a campanha de Humala, eleito em 2011, recebeu US$ 3 milhões ilegalmente. Já o ex-gerente da empresa Jorge Barata declarou terem sido pagos US$ 20 milhões à campanha de Toledo, em 2001, como parte do orçamento da construção da rodovia transoceânica Peru-Brasil.

O envolvimento dos dois ex-presidentes confirma o caráter suprapartidário e não ideológico da corrupção: Toledo, um liberal, foi eleito em 2001, quando o Brasil era presidido por Fernando Henrique Cardoso, enquanto a eleição de Humala, de esquerda, deu-se já sob a administração de Dilma Rousseff.

Mesmo no Peru, um dos países da região que mais têm consolidado sua democracia e organizado sua economia, mantendo uma continuidade de políticas apesar das diferentes origens ideológicas de seus presidentes, as investigações não transcorrem sem solavancos.

O presidente Pedro Pablo Kuczynski, também um liberal, destituiu na quinta-feira a comissão especial que investigava as revelações da Lava Jato, atraindo acusações de interferência. O motivo foi a decisão da procuradora Katherine Ampuero de bloquear a venda da Olmos, empresa de irrigação do grupo Odebrecht.

Ampuero alegou que o grupo usaria o dinheiro para pagar credores no exterior, e não no Peru, o que a Odebrecht negou. Já a ministra da Justiça, Marisol Pérez Tello, afirmou que a decisão de Ampuero violou a lei e “causou prejuízo econômico ao Estado”. A Comissão Lava Jato do Congresso peruano vai convocar a ministra para explicar a destituição.

Na vizinha Colômbia, que também tem fortalecido suas instituições, já foram presos o ex-ministro dos Transportes Gabriel García Morales, o ex-senador Otto Nicolás Bula e os empresários Federico Gaviria e Eduardo José Zambrano. Eles são acusados de envolvimento no desvio de US$ 6,5 milhões da construção da estrada Rota do Sol 2, em 2009.

O Ministério Público colombiano investiga também uma reunião ocorrida em 2010, durante a campanha para o primeiro mandato do presidente Juan Manuel Santos, da qual participou seu tesoureiro, Orlando Sardi, e Luiz Bueno, executivo da Odebrecht. E afirma ainda que a empresa doou US$ 1 milhão para a campanha da reeleição de Santos, em 2014.

No também vizinho Equador, cinco pessoas foram detidas no dia 2 de junho, no âmbito das investigações das propinas pagas pela Odebrecht. Nas buscas e apreensões realizadas no mesmo dia foram confiscados um cheque de US$ 980 mil, dinheiro em espécie, joias, automóveis, armas e computadores.

Alguns dos investigados têm foro privilegiado. O presidente Lenín Moreno, que tomou posse em 24 de maio, e é aliado do ex-presidente Rafael Correa, ambos de esquerda, garantiu que “nenhum ato de corrupção ficará impune, venha de onde vier”.

E acrescentou que há “muito mais pessoas” envolvidas.

Em abril, já havia sido decretada a prisão preventiva do ex-ministro da Eletricidade Alecksey Mosquera, acusado de ter recebido US$ 920 mil em propinas da Odebrecht. O empresário Marcelo Endara, envolvido no mesmo caso, está sob prisão domiciliar.

A Justiça bloqueou pagamentos no valor de US$ 40 milhões à Odebrecht, que está banida das licitações no país. O procurador-geral do Equador, Carlos Baca, tem vindo ao Brasil coletar informações do Ministério Público sobre a corrupção envolvendo a Odebrecht.

Depois que a Procuradoria-Geral da República (PGR) brasileira negou informações às autoridades argentinas sobre as delações envolvendo a Odebrecht, uma força-tarefa de quatro juízes e dois procuradores argentinos foi a Washington requerer dados do Ministério Público americano. Com a homologação da delação e a definição das penas, a PGR não pode mais colaborar com investigações contra esses réus.

Mesmo assim, outras frentes de investigação da corrupção na Argentina estão avançando. Víctor Manzanares, o contador da ex-presidente Cristina Kirchner, foi preso na segunda-feira 17. Ele é acusado de desviar para os filhos da então presidente, Máximo e Florencia, dinheiro do aluguel de suas propriedades.

Kirchner é investigada em várias outras ações por corrupção, e o juiz Claudio Bonadio, que comanda o processo, insinuou que pode decretar a prisão da ex-presidente, se ficar provado que ela ou seus filhos ordenaram os pagamentos.

Maior destino das propinas da Odebrecht fora do Brasil — US$ 98 milhões —, na Venezuela as investigações estão inevitavelmente sujeitas aos conflitos entre as instituições, que se intensificam a cada dia no país.

A procuradora-geral, Luisa Ortega Díaz, denunciou no dia 14 que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), controlado pelo regime chavista, está bloqueando as investigações de funcionários do governo envolvidos no esquema de corrupção da Odebrecht. Ela disse que o TSJ retirou do Ministério Público o poder de indiciar, o que agora só pode ser feito por um juiz.

Ortega está em guerra com o TSJ e com o regime desde que criticou a decisão da Corte, no fim de março, de assumir os poderes da Assembleia Nacional, de maioria oposicionista. O TSJ recuou em seguida.

No mês passado, a procuradora-geral também foi contra a convocação da Assembleia Constituinte, cuja eleição está marcada para dia 30. Agora, ela está sendo processada por chavistas no TSJ, acusada de desvios de conduta.

Antes de entrar em choque com o regime, o Ministério Público tinha dado alguns passos na investigação do pagamento de propinas na Venezuela pela Odebrecht. Em fevereiro, a sede da construtora em Caracas foi alvo de busca e apreensão, e suas contas bancárias foram bloqueadas. Ortega se reuniu naquele mês com o procurador-geral Rodrigo Janot. Agora, como parte da ação contra ela no TSJ, a procuradora não pode mais deixar o país.

As revelações da Lava Jato se espraiaram também pela América Central. O ministro da Indústria e Comércio da República Dominicana, Juan Temístocles Montás, foi preso no dia 29 de maio, com outras sete pessoas.

Montás foi ministro da Economia no governo de Leonel Fernández (2004 a 2012) e no primeiro mandato do atual presidente, Danilo Medina (2012-2016). Entre os presos estavam também o ex-ministro de Obras Públicas Victor Díaz Rúa e Radhamés Segura, ex-vice-presidente da Corporação de Empresas Elétricas Estatais Dominicanas. Um pouco como aconteceu com o senador Aécio Neves, Andrés Bautista, líder do Partido Revolucionário Moderno, principal da oposição, também está entre os acusados.

O procurador-geral da República Dominicana, Jean Alain Rodriguez, qualificou as prisões de “inéditas”, considerando os crimes cometidos e as posições de poder dos envolvidos. Com US$ 92 milhões, o país é o terceiro colocado em volume de propinas da Odebrecht, depois de Brasil e Venezuela.

As investigações se baseiam em informações fornecidas pela PGR brasileira ao Ministério Público dominicano no dia 17 de maio. A Odebrecht realizou 16 obras no país. Segundo o Departamento de Justiça americano, a empreiteira faturou US$ 163 milhões com a corrupção na República Dominicana. A empresa se comprometeu a pagar US$ 184 milhões em multas ao país.

No Panamá, milhares de pessoas saíram às ruas em fevereiro, exigindo a punição dos envolvidos na corrupção no país revelada pela Lava Jato. Segundo investigadores americanos, as propinas da Odebrecht no país somaram US$ 59 milhões entre 2010 e 2014. As revelações ocorreram menos de um ano depois do escândalo dos Panama Papers, que revelaram a abertura de mais de 200 mil empresas de papel para lavar dinheiro do mundo todo, em um esquema comandado pelo escritório de advocacia Mossack Fonseca, com sede no Panamá.

No dia 23 de maio, a Interpol emitiu ordem de prisão internacional para o ex-presidente Ricardo Martinelli. Dois de seus filhos já eram alvos de mandados de prisão. Dono de uma rede de supermercados, Martinelli vive em Miami.

Em El Salvador, o triângulo PT-Odebrecht-governo local foi costurado com a ajuda da petista brasileira Vanda Pignato, ex-mulher do ex-presidente Mauricio Funes. Os executivos da Odebrecht afirmaram ter pagado ilegalmente R$ 5,3 milhões ao marqueteiro baiano João Santana, que trabalhou na campanha de Funes, em 2008.

Por autorização do próprio então presidente Lula, segundo os delatores, o valor teria sido retirado do caixa 2 do PT — criando a situação inédita de um partido multinacional.

O repasse é identificado na planilha da Odebrecht como “Evento El Salvador via Feira 5.300”. “Feira”, no caso, é João Santana, por associação à cidade de Feira de Santana.

Vanda Pignato se separou de Funes e se desfiliou do PT, mas continua no governo salvadorenho: desde 2014 é secretária de Inclusão Social do presidente Salvador Sanchez Cerén. Por lá, as investigações não andaram.

Como se vê, não é só no Brasil que a Lava Jato serve de termômetro da maturidade da democracia.

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One Comment

  1. Quando estive no Panamá, em janeiro, comstatei a irritação das pessoas. Quase culpando todos os brasileiros por malfeitos da construtora!!!

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