Ação da polícia foi bem-sucedida e dispensada

Operação comandada pela Receita estancou contrabando, mas paralisou também o comércio local

 

SANTA ELENA DE UAIRÉN

Tudo bem que a fronteira seca entre Brasil e Venezuela é longa e porosa e o preço da gasolina venezuelana é irresistível, ainda mais com o real valorizado. Mas, será que o contrabando de gasolina é assim tão intratável? Entre 29 de setembro e 4 de novembro, a Receita Federal provou que não.

Operação envolvendo fiscais da Receita, agentes das polícias federal e rodoviária federal, que se revezavam em grupos de 13 e turnos de 12 horas, apoiados por policiais civis e militares de Roraima, cortou o cordão umbilical do contrabando no Entroncamento Surumum, no KM 176 da BR-174, que liga Pacaraima a Manaus. Por ali passam inevitavelmente os automóveis e caminhões que transportam gasolina e diesel venezuelanos para Boa Vista.

Durante aquele mês, as filas nos dois postos de Santa Elena se tornaram razoáveis, e as bombas que abastecem os carros dos venezuelanos nunca secavam. Entretanto, o comércio de Pacaraima e de Santa Elena, irrigado pelo dinheiro do contrabando, ficou às moscas. No aniversário de Pacaraima, 5 de outubro, o prefeito Paulo César Quartiero (PDT) queixou-se da barreira federal com o governador do Estado, Ottomar Pinto (PTB). Líderes da comunidade Surumum, que atuam na intermediação do combustível, também pediram o fim da operação. O senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) os apoiou.

Ottomar retirou as polícias civil e militar da operação. Sem a sua cobertura, os federais julgaram que não tinham proteção suficiente, e levantaram a barreira.

“Os políticos estão tentando liquidar essa facilidade que temos aqui”, diz o tuxaua (cacique) Miracélio Floriano Peixoto, da etnia macuxi, com sua Pampa, na fila da gasolina. “Estão deixando de ver as nossas necessidades.” Para o tuxaua, a barreira violava o “direito de ir e vir, previsto na Constituição”.

O senador Mozarildo defende a “regularização da exportação” para Roraima de gasolina venezuelana, que, mesmo com impostos, ainda ficaria “muito mais barata” que a brasileira. “O governo estadual não pode ajudar o governo federal a fazer mal ao Estado.”

Santa Elena está dividida. O setor turístico e os comerciantes maiores, que podem se beneficiar da visita de turistas, querem o combate ao contrabando. As visitas à região, que tem belas cachoeiras e serras do complexo do Monte Roraima, declinaram por causa da impossibilidade de abastecer o carro nos postos da cidade. As câmaras de comércio e de turismo de Santa Elena (zona franca) apostam que o fim da renda gerada pelo contrabando seria compensado pela “reativação” dos dois setores.

Comerciantes menores já não pensam assim. “Prefiro que não haja operações da Receita, mas que haja integração”, diz José Waldemar, 55 anos, dono de uma loja de roupas, calçados, cosméticos e bebidas, cujo movimento caiu 40% durante a barreira. “A integração favorece aos brasileiros e a nós.”

Aqueles que são a favor da repressão ao contrabando vêem a operação da Receita como um marco. “O que é triste para nós venezuelanos é reconhecer que as nossas autoridades não conseguem resolver um problema, e precisamos das autoridades brasileiras”, diz Eduardo Cortez, presidente da Câmara de Turismo.

O coronel Pedro Briceño, comandante do Exército na região, rejeita as pressões para ser mais enérgico na repressão ao contrabando. “Esse é um problema eminentemente social, vinculado ao desemprego”, disse Briceño ao Estado. “Não posso cravar aqui a Espada de Dâmocles, sem sensibilidade humana.”

 

A atitude gera impaciência em Santa Elena. “Os brasileiros devem buscar o direito deles lá no Brasil”, disse o prefeito Manuel Vallés, numa tensa reunião com taxistas na Câmara Municipal, na quarta-feira, depois que a gasolina dos venezuelanos acabou às 11h. “Aqui, o direito é dos venezuelanos.”

Deixe o seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*