Chávez reúne 100 mil pelo ‘sim’

Ele ameaça parar de vender petróleo aos EUA e volta a denunciar ‘complô’ da CIA

 

CARACAS

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, acusou ontem a CIA de conspirar para derrubá-lo, se disse disposto a “pegar em armas” para “salvar a pátria” e ameaçou interromper o fornecimento de petróleo aos EUA. No encerramento da campanha em favor da reforma constitucional que será submetida a referendo amanhã, o governo repetiu a proeza alcançada pela oposição na véspera, de encher de gente a Avenida Bolívar, uma das principais de Caracas. As pesquisas indicam empate técnico entre o “sim e o “não” no referendo.

“No domingo, daremos um novo nocaute nos esquálidos, na oligarquia, nos que pretendem que a Venezuela volte a ser uma colônia americana”, disse o presidente. “Até há poucos anos, a Venezuela era um país escravizado, dominado pelos Estados Unidos e pela oligarquia crioula”, afirmou Chávez, que disse que não falaria muito e discursou por 2h40. “Quem vota pelo ‘sim’ está votando por Chávez. Quem vota pelo ‘não’ está votando por George W. Bush. Essa é a verdadeira confrontação que temos.” 

Ele acusou os “oligarcas” e os americanos de tentarem matá-lo e advertiu: “Se por alguma razão escolherem o caminho da violência, como estão preparando para o domingo, os pegaremos nas ruas.” Segundo Chávez, uma suposta “Operação Pinça”, da CIA, prepara um golpe contra ele, que inclui sabotagens de redes elétricas e distúrbios nas ruas. “Já conheço os planos deles: tentar desestabilizar um país que avança em oito anos o que não avançou em cem”, disse Chávez, para arrematar, em tom inflamado: “Sou um soldado, e se tiver que pegar num fuzil outra vez para salvar a pátria, pegarei.”

“Se no domingo ganhar o ‘sim’, e aqui a oligarquia venezuelana, que faz o jogo do império, vier com a historinha de que houve fraude, ministro (Rafael) Ramírez (de Energia e Petróleo), ordene que detenham o envio de petróleo aos Estados Unidos”, ordenou. 

O presidente, que não renovou a licença da emissora RCTV, ameaçou ainda tirar do ar a rede de TV Globovisión, crítica ao governo, se divulgar os resultados do referendo antes da hora permitida, e de expulsar correspondentes estrangeiros, citando a cadeia americana CNN. 

Mais de 100 mil pessoas, vindas de todo o país, tingiram a avenida do vermelho púrpura das jaquetas de Chávez, convertido em cor oficial dos simpatizantes do governo, que traziam camisetas, bonés e bandeiras dessa cor. “Agora, sim, a Avenida Bolívar está cheia de gente”, disse ele, menosprezando a manifestação de quinta-feira, quando mais de 200 mil pessoas encerraram a campanha do “não”. “Eles não têm gente para encher a Bolívar”, zombou. Entoou o hino nacional e ao fim bradou: “Pátria, socialismo ou morte!” 

A reforma permite a reeleição ilimitada do presidente, no cargo desde 1999. Dá-lhe o poder de criar por decreto províncias federais e nomear seus governantes. Cria uma nova “Milícia Bolivariana” e concede às Forças Armadas poder de polícia. Institucionaliza os conselhos comunais, de trabalhadores, de estudantes, etc, que criam uma forma de representação paralela a sindicatos e outras entidades, o que levou muitos sindicalistas, líderes estudantis e outros representantes de classe a se oporem a ela.

Mas nem todos. Depois de 17 horas de viagem, o sindicalista José Freddy Varela Márquez, de 51 anos, descia ontem à tarde de um ônibus com um grupo vindo de San Cristóbal, no oeste do país. “Não importa que os sindicatos desapareçam. Depois virão os conselhos de trabalhadores”, disse Varela, secretário-geral do sindicato dos trabalhadores nos “mercales”, os supermercados conveniados ao governo. “Em cem anos, os sindicatos não fizeram nada. Quem propôs a jornada diária de seis horas e a seguridade social para os caminhoneiros, taxistas, camelôs e trabalhadores autônomos foi o presidente.”

Como havia acontecido na manifestação a favor do sim no dia 21, boa parte da multidão era formada ontem por bolsistas dos programas estatais e funcionários públicos trazidos em ônibus fretados pelos governos locais que apóiam Chávez. Centenas de ônibus se enfileiravam ao longo das grandes avenidas que dão acesso à Bolívar, nas cercanias do Palácio Miraflores, sede do governo.

“Apóio o presidente e a reforma porque dão mais poder ao povo”, disse Genesis Blanco, de 20 anos, estudante de educação básica na Universidade Zulia, em Punto Fijo, no Estado Falcón, noroeste do país. “Agora o povo pode decidir o que quiser, porque são levados em conta não só os que têm dinheiro, mas também os de menos recursos”, elogiou Gênesis, cujo pai é eletricista e a mãe, vendedora de empanadas. “Os conselhos comunais agora terão mais ajuda”, acrescentou Gênesis, que já participa de um deles no bairro onde mora, e cujo grupo viajou as 14h30 em três ônibus fretados pelo prefeito de Punto Fijo, o chavista Alcides José Goitía. 

Dezenas de entidades latino-americanas assinam um manifesto de apoio à reforma constitucional na Venezuela, publicado ontem no jornal Últimas Noticias, de Caracas. Entre elas estão os brasileiros do Núcleo Ruy Mauro Marini do PDT (RJ), o PCB, a União da Juventude Comunista e a Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro (Faferj). Parte do movimento feminista brasileiro também parece cativado por Chávez. Firmam o manifesto a Confederação das Mulheres do Brasil, a Federação Democrática de Mulheres e a União Brasileira de Manaus. 

 

O manifesto revela ainda uma proliferação de entidades “bolivarianas” no Brasil. Além da Casa Bolivariana do Rio de Janeiro, da Escola Bolivariana de Poder Popular do Brasil e do Coletivo de Educação Popular Escolas Bolivarianas do Brasil, o documento tem o apoio dos seguintes “Círculos Bolivarianos”: Subcomandante Marcos (SC), Luísa Mahin (BA), Leonel Brizola (RS) e Paulo Freire.

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