Falando por ele e por Fidel, Chávez ataca os EUA

Venezuelano tomou ‘emprestado’ tempo do dirigente cubano e fez discurso incendiário para não-alinhados

 

HAVANA

O presidente venezuelano, Hugo Chávez, roubou a cena ontem, na abertura da reunião de cúpula dos países não-alinhados. Na ausência de Fidel Castro, que se recupera de uma cirurgia no intestino, Chávez ‘pediu emprestado’ o seu tempo e atacou duramente os EUA, estabelecendo a nova agenda do movimento. O discurso incendiário, feito em nome da América Latina, durou cinco vezes mais que os dos outros dirigentes, e contrastou com o tom sóbrio até mesmo do presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, e de Raúl Castro, o presidente interino de Cuba.

‘Vocês sabem, tenho um grande defeito, sempre me excedo no tempo’, desculpou-se Chávez, o quarto a falar na cerimônia de abertura. ‘Se Fidel estivesse aqui, ainda estaria falando. Então, peço a transferência de seu tempo’, continuou ele, arrancando risos dos representantes de 118 países membros do movimento. ‘Tudo o que Raúl disse, eu tinha escrito aqui. Não vou repetir’, explicou Chávez, abandonando o texto escrito e falando de improviso por 27 minutos, quando o tempo reservado ao representante de cada região era de 5 minutos.

Chávez iniciou então sua peroração, em nome ‘dessa América Latina colonizada, ajoelhada, massacrada durante séculos’. Ele lembrou que, há 50 anos, quando o movimento foi criado, ‘a América Latina estava toda sob domínio norte-americano e o governo cubano foi o único que sobreviveu’.

Chávez se perguntou ‘o que teria acontecido se os EUA não tivessem derrubado João Goulart no Brasil, invadido a Guatemala, interferido no Haiti, assassinado todos os governos patrióticos’. Foi a única referência ao Brasil, representado na abertura pelo chanceler Celso Amorim.

Chávez contou ter tomado café da manhã com o presidente Evo Morales, que segundo ele ‘ressuscitou o povo boliviano, o povo indígena’.

Chávez citou então José Martí, herói da independência cubana: ‘Os Estados Unidos parecem destinados a massacrar todos os países americanos em nome da liberdade.’ Assumindo o lugar de Fidel, oficialmente representado por seu irmão Raúl, que conduziu a abertura da cúpula, Chávez se encarregou de fazer a propaganda do regime cubano, informando que a economia tem crescido a um ritmo de 20% e que o país registra a menor mortalidade infantil do mundo.

Para Chávez, sob a presidência cubana (Cuba assume agora a presidência de turno dos não-alinhados), o movimento entra ‘numa nova era’. Muito aplaudido, Chávez encerrou com um ‘até a vitória sempre, pátria ou morte, venceremos!’

Com seus ataques a Washington, Chávez procurou estabelecer a nova orientação do movimento – criado há cinco décadas, no início da Guerra Fria, como alternativa à supremacia dos EUA e da União Soviética -, convertendo-o em um movimento contra o ‘imperialismo norte-americano’.

‘Cada um que fala dá o seu conteúdo.’ Com esse comentário, Amorim desvencilhou-se da pergunta sobre o que achou do discurso de Chávez na Cúpula. ‘O discurso do presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, foi muito pragmático’, acrescentou Amorim, em declaração ao Estado. O Brasil, que não é membro do movimento dos não-alinhados, participa da reunião como observador.Segundo o chanceler brasileiro, o Movimento dos Não-Alinhados ‘tem matizes ideológicos dos mais variados’.

No encontro dos países do G-15, paralela à cúpula dos Não-Alinhados, um dos temas discutidos foi a cooperação na área nuclear. ‘Nós também a defendemos, mas dentro das obrigações legais internacionais, para evitar confusão e interpretações erradas.’

Na abertura dos trabalhos no nível de diplomatas, na segunda-feira, o ministro das Relações Exteriores de Cuba, Felipe Pérez Roque, anunciou que os temas no topo da agenda seriam: a ‘agressão ao Líbano’, o ‘continuado genocídio do povo palestino’ e o ‘direito inalienável do Irã ao desenvolvimento da tecnologia nuclear’.

Entretanto, nem mesmo Ahmadinejad, conhecido por sua retórica incendiária, investiu contra os Estados Unidos em seu discurso em nome dos países asiáticos, restringindo-se, como os outros representantes regionais, a defender o fortalecimento do movimento. E o próprio Raúl, no seu estilo reservado, foi menos efusivo que Chávez na defesa de Cuba, cuja economia tem recobrado impulso graças às transações com a Venezuela, exportando serviços médicos e de ensino e importando petróleo, alimentos e produtos de limpeza venezuelanos.

Mesmo doente, Fidel tem recebido alguns chefes de Estado individualmente, e tinha previsto oferecer-lhes um jantar na noite de ontem. A cúpula se realiza em Havana sob forte esquema de segurança, com um policial a cada esquina na região em torno do Palácio de Convenções. Infantes da Marinha reforçam a vigilância, e a Polícia Nacional Revolucionária recebeu uma frota de 70 ladas – o veículo que utiliza – seminovos que estavam guardados para a ocasião.

 

Na 5ª Avenida do bairro de Miramar, que dá acesso à área do palácio, o tráfego é controlado, e estão proibidas motocicletas e bicicletas. A avenida também dá acesso à área permanentemente interditada onde vive Fidel. Mas, como sempre, os cubanos comuns não sabem o paradeiro de seu comandante-chefe. 

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