Golpe dá a Chávez aparência democrática

Mas expõe métodos de cooptação e ingerência do líder venezuelano

 

O golpe em Honduras oferece ao presidente Hugo Chávez, da Venezuela, e aos países que gravitam a seu redor a chance de apresentar-se como defensores da democracia e como vítimas de uma “oligarquia autoritária”. Por outro lado, lança luz sobre os métodos usados por Chávez para cooptar seus aliados, sob o guarda-chuva da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba). E suscita perguntas sobre até onde o presidente venezuelano pretende ir com a projeção de sua liderança no continente.

“Esse golpe deu visibilidade, força e um verniz mais democrático aos governos da Alba ante os olhos do mundo”, analisa Franklin Ramírez, pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, em Quito. “Ele permite aos governantes, sobretudo de Venezuela, Bolívia e Equador, apontá-lo como ameaças a seus governos e como alerta sobre os perigos da polarização. Eles podem dizer: ?Essa é a forma como a direita está reagindo. Os golpes não são coisa do passado.?”

Desde abril de 2002, quando ele próprio foi vítima de um golpe, Chávez não tinha uma oportunidade como essa. Nos últimos anos, sua imagem tem sido associada não à defesa, mas a ataques contra a democracia representativa, a independência dos poderes e a liberdade de imprensa. Ramírez observa que a reação unânime contra o golpe na comunidade internacional tem o efeito “paradoxal” de “reforçar a legitimidade do modelo mais plebiscitário” de democracia, cujas “mudanças forçam a legalidade e recorrem mais à legitimidade”.

A rejeição ao golpe pelo presidente dos EUA, Barack Obama, e por outros governos que não se alinham com o chavismo, como o do Brasil, amorteceu esse impacto. “É claro que o golpe tende a reforçar Chávez como estadista contra oligarquias que tentam manter o poder a qualquer custo”, reconhece Peter Hakim, do centro de estudos Diálogo Interamericano, de Washington. “Por outro lado, a reação dos EUA, Canadá, Colômbia, Brasil, México e Chile restringe os jogos que Chávez pode fazer.”

 

MILITARES

Na Venezuela, onde os passos de Chávez são seguidos mais de perto, o episódio de Honduras chama atenção para a estratégia regional do presidente venezuelano. “Agora se vê com mais clareza que a Alba não é só um acordo econômico, mas também uma aliança de caráter político-militar”, observa Carlos Romero, cientista político da Universidade Central da Venezuela. Romero lembra o apelo que Chávez dirigiu, no dia 25, aos “soldados hondurenhos”para que obedecessem a Zelaya e “ao povo”. Depois, ameaçou enviar tropas a Honduras.

O confronto de Zelaya com as Forças Armadas hondurenhas se agravou quando o presidente ordenou à Força Aérea que liberasse um avião venezuelano que pousou no país carregado de material – panfletos, cédulas, tinta e máquinas de votação – para a realização da consulta popular sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte. Tanto a Força Aérea quanto o Exército – encarregado da logística de eleições em Honduras – recusaram-se a levar adiante a consulta, que havia sido vetada pelo Congresso e pela Justiça. Zelaya destituiu o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, Romeo Vásquez, e acabou preso e extraditado para a Costa Rica.

“Não resta dúvida de que o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela apoiou a realização da consulta”, diz Romero. Ele acrescenta que foi detectada, em Honduras, assim como ocorre noutros países da Alba, a presença de venezuelanos militantes chavistas e integrantes das Missões, que executam projetos sociais na Venezuela. “Eles se dedicam a atividades políticas.”

Zelaya, um político de centro-direita, realizou sua guinada ideológica e selou sua adesão à Alba em 2007. O chamariz foi a Petrocaribe, o programa venezuelano de fornecimento de petróleo a preços subsidiados para os países da América Central, do qual Honduras tornou-se o 17º membro.

Os participantes podem adquirir até 180 mil barris de petróleo por dia com pagamento parcelado em 25 anos, a juros de 1% ao ano, ou em produtos agrícolas. Alguns países, como Cuba, revendem o excedente no mercado, como forma de captar divisas.

 

RESPALDO

Um novo aeroporto está sendo construído em Honduras com financiamento de US$ 12,5 milhões da Petrocaribe. Numa grande cerimônia, em fevereiro, Zelaya recebeu da Venezuela 100 tratores, 65 arados, 25 semeadoras e 15 pulverizadoras.

Esse tipo de ajuda espalha-se por todos os países da Alba – que inclui Bolívia, Equador, Nicarágua, Cuba, Antígua e Barbuda, Dominica e São Vicente e Granadinas. No dia 26, por exemplo, o presidente Evo Morales entregou a prefeitos do Departamento de La Paz 170 ambulâncias doadas pelo governo venezuelano. “Por meio da Petrocaribe e da Alba, Chávez obtém apoio e aceitação de sua ingerência em assuntos de outros países”, constata o cientista político Herbert Hoeneke, da Universidade Simón Bolívar, de Caracas.

Embora não pertença à Alba, a Argentina é outro país que tem aceitado ajuda venezuelana – desde a compra de bilhões em títulos de sua dívida até a obscura doação de US$ 800 mil para a campanha de Cristina Kirchner, há dois anos – e retribuído com gestos políticos. Cristina foi um dos presidentes, ao lado de Rafael Correa, do Equador, e Daniel Ortega, da Nicarágua, que se ofereceram para acompanhar Zelaya em sua pretendida volta a Honduras.

O súbito engajamento de Cristina – saída de uma derrota eleitoral e às voltas com uma epidemia de gripe suína – na política hemisférica poderia ser visto como uma distração de seus problemas internos. Mas a atitude não é malvista. “A proximidade da Argentina com os países da Alba pode ter influído nisso, mas não acho que se deva criticar o gesto”, apóia Aníbal Jozami, da Fundação Foro do Sul, de Buenos Aires. “Foi correto opor-se a um golpe tão brutal, tão carnavalesco.”

A reação de Chávez e de seu bloco colocou-os do mesmo lado do presidente americano, Barack Obama. Mas isso não significa necessariamente que conduzirá a uma aproximação. “Depende da conduta de Chávez”, avalia Romero. “Se ele considerar que os EUA estão frágeis e há condições de aprofundar a Alba e de promover sua revolução na América Latina, essa lua de mel vai durar pouco.”

Hakim também é cético. “O apelo de Chávez vem de seu confronto com os EUA. E há problemas reais, como a democracia, a liberdade de imprensa, as relações com o Irã, a compra de armas e o apoio a guerrilhas, como a da Colômbia”, diz o analista americano. “Os EUA não terão boas relações com a Venezuela enquanto ela for governada por Chávez.”

 

 

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