Governo tenta censurar TVs e rádios piratas

Lei que prevê cassação de concessão será usada se emissoras apoiarem o boicote às eleições, dizem diretores de estatais

 

CARACAS

O governo venezuelano escalou ontem os dirigentes das estatais Telesur e Rádio Nacional da Venezuela (RNV) para advertir as emissoras privadas de rádio e televisão do país para as conseqüências de seguir apoiando o boicote à eleição parlamentar de domingo, no que chamaram de “golpe midiático”. Numa ameaça velada de censura, o presidente da Telesur, Andrés Izarra, e a diretora-geral da RNV, Helena Salcedo, disseram que será aplicada a polêmica Lei de Responsabilidade Social do Rádio e da Televisão (Resort), aprovada há um ano pela Assembléia Nacional, dominada pelo governo, que prevê a cassação da concessão de emissoras que veiculem mensagens consideradas impróprias por um órgão também controlado pelo governo.

“Há emissoras que veiculam exclusivamente mensagens contra o governo, tentando desestabilizar a democracia”, denunciou Izarra, em entrevista coletiva na sede da Vice-Presidência da República, transmitida ao vivo pelas emissoras estatais. “As mensagens antidemocráticas de concessionárias de rádio e de TV serão monitoradas, e serão feitas visitas às emissoras que estão divulgando mensagens contra o sagrado direito do voto.” 

Izarra e Helena citaram nominalmente o dono do canal Globovisión, Alberto Federico Ravel, ferrenho opositor do governo. Acolhida com entusiasmo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outros governantes de esquerda da região, a idéia de Hugo Chávez é transformar a Telesur numa rede sul-americana, destinada a contrabalançar o poder de emissoras como a CNN.

“Estão buscando um golpe eleitoral através de um golpe midiático, para turvar o processo eleitoral”, acusou Helena. “A grande maioria da população deseja que se realizem eleições e rechaça a retirada das candidaturas, promovida pelas cúpulas partidárias, sob orientação dos Estados Unidos.” Segundo ela, as emissoras “estão omitindo informações e ferindo a Lei de Resort e a Constituição Bolivariana”. À pergunta sobre o que aconteceria se fosse confirmada a violação da lei, Helena se limitou a dizer que “cada um deverá assumir a sua responsabilidade”.

Denunciada por entidades como a Sociedade Interamericana de Imprensa e Repórteres Sem Fronteiras como ameaça à liberdade de imprensa, a Lei de Resort proíbe a difusão de conteúdos que “promovam, façam apologia ou incitem à guerra, a alterações da ordem pública e ao delito”. A pena é a suspensão da emissora por 72 horas; e, em caso de reincidência em um prazo inferior a cinco anos, a perda da concessão. A lei é aplicada pelo Diretório de Responsabilidade Social, composto por 11 membros, dos quais 7 são nomeados pelo Poder Público. 

Simultaneamente à coletiva na Vice-Presidência, no fim da manhã de ontem, noutro ponto da cidade, no Hotel Tamanaco, o vice-ministro da Gestão Comunicacional, William Castillo, denunciava os principais jornais venezuelanos, que segundo ele “não têm uma cobertura equilibrada” dos fatos. Os dois principais jornais, El Universal e El Nacional, deram manchete ontem à decisão do partido Primeiro Justiça de boicotar as eleições. 

O termo “golpe midiático” foi cunhado em abril de 2002, quando Chávez foi destituído e substituído pelo líder empresarial Pedro Carmona. A maioria das emissoras de rádio e TV privadas encampou a versão de que Chávez teria renunciado, e não cobriu a reação governista, que devolveu o presidente ao cargo.

 

Num programa de debates intitulado “O povo não se retira”, de apoio às eleições, transmitido o dia inteiro pela estatal Venezuelana de Televisão (VTV), o presidente da Assembléia Nacional, Nicolás Maduro, acusou donos de emissoras de TV privadas de se terem reunido com “banqueiros” para “sabotar” as eleições, “não em função de um projeto nacional, mas dos interesses do império”, numa referência aos EUA. A VTV veicula constantemente mensagens de propaganda de Chávez, incluindo “clips” de desenho animado com referências a um suposto complô entre o governo americano e o empresariado venezuelano para subordinar a Venezuela aos EUA. 

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