Revelada a fraude, Maduro dobra a aposta

ELEITORES DE MADURO COMEMORAM A CHEGADA DA NOVA CONSTITUINTE: o presidente diz que o país deve unir-se para a “guerra econômica” | Ueslei Marcelino/ Reuters

CARACAS – Com os indícios de uma fraude monumental na eleição da Assembleia Constituinte se avolumando, o cerco a Nicolás Maduro só faz crescer. No sábado, o Mercosul decidiu suspender indefinidamente a Venezuela até que presos políticos sejam soltos e a Assembleia Constituinte, desfeita. Estados Unidos e União Europeia também ameaçam com mais sanções, enquanto o dólar dobra de valor em uma semana e o número de mortos em quatro meses chega a 130. Ricardo Hausmann, ex-ministro do planejamento do país e colunista de EXAME, define a crise econômica da Venezuela como a maior da história para países que não estão em guerra. Tudo isso somado, o governo de Nicolás Maduro teria bons motivos para estar na defensiva. Mas não é o que está acontecendo.

Apesar de tudo, a Assembleia Constituinte se instalou nessa sexta-feira, mesmo com acusações de fraudes até de candidatos que concordaram em participar do pleito, boicotado pela oposição, e que agora denunciam que seus votos foram roubados por pessoas às quais o regime queria dar cadeiras. No sábado, Maduro cerco o edifício do Ministério Público com soldados e a Constituinte destituiu a procuradora-geral, Luisa Ortega, crítica do governo.

Mais que isso, o governo ainda conseguiu dividir a oposição, com o anúncio da realização das eleições para governadores e assembleias estaduais em dezembro deste ano – com um ano de atraso. Parte da oposição afirma que não se pode mais participar de eleições sob esse regime, em razão da fraude na eleição da Constituinte e das demais arbitrariedades que ela deve criar. Já outra parte afirma que vai participar. O Conselho Nacional Eleitoral definiu que as inscrições de candidaturas serão abertas no dia 8.

Maduro se sente tão à vontade com a manobra que tripudiou na quinta-feira. “Saúdo a Ação Democrática, alguns dirigentes do Primeiro Justiça e o partido Um Novo Tempo por terem anunciado que inscreverão seus candidatos”, declarou o presidente. “Tomara que adotem o caminho da política e abandonem a loucura da violência.” E ainda fez uma previsão sombria: “Imagino esse dia, quando (a presidente do Conselho Nacional Eleitoral) Tibisay Lucena anunciar os resultados, nós da força chavista e revolucionária vamos ganhar os 23 governos. Vamos com tudo, compadre”.

O secretário-geral do partido oposicionista Ação Democrática, Henry Ramos Allup, anunciou que seu partido concorrerá não só nas eleições estaduais, mas também nas municipais – que deveriam ocorrer este ano, mas não estão marcadas – e na presidencial, prevista para o fim de 2018. Na interpretação de Ramos, a posição é coerente com o resultado do plebiscito promovido pela oposição, no qual mais de 7,5 milhões de pessoas votaram a favor de eleições gerais imediatas.

“O mandato do povo no dia 16 de julho foi muito claro, é preciso participar para não deixar espaços abertos ao governo”, afirmou Ramos Allup, que recentemente deixou a presidência da Assembleia Nacional. “Quando participamos com nossos fiscais e com observadores internacionais, a fraude não ocorre.”

Na última eleição realizada segundo as leis eleitorais, e seguindo o princípio “um eleitor um voto”, a oposição obteve dois terços da Assembleia Nacional, em dezembro de 2015. Para a eleição da Constituinte, o CNE, controlado por chavistas, fez um desenho eleitoral para favorecer o governo.

Cada município teve direito a uma cadeira na Assembleia Constituinte, independentemente de sua população, o que favoreceu os municípios menores, em geral mais pró-chavistas. Além disso, um terço das cadeiras foi preenchido por categorias profissionais e setores sociais, definidos segundo o CNE, que deram mais peso aos grupos mais chavistas. Levantamento da equipe do site de checagem Armando.info revelou que um terço dos eleitores acabou sem direito a esse segundo voto, e eles se concentram em Estados maiores, que são oposicionistas.

 

Votar ou não votar?

A empresa Smartmatic, responsável pelo voto eletrônico nas eleições do país desde 2004, anunciou na quarta-feira em Londres que havia indícios de fraude no resultado oficial, segundo o qual 8 milhões de eleitores teriam comparecido no dia 30 – um número na medida para superar o plebiscito da oposição. A agência Reuters afirmou ter obtido a ata das 17h30, portanto uma hora e meia antes do fechamento das urnas, segundo a qual haviam comparecido até aquele horário 3,7 milhões.

Diante de tudo isso, a ex-deputada María Corina Machado, coordenadora do movimento Vente Venezuela, advertiu no Twitter que os partidos que concorrerem “ficarão sós”, que participar das eleições equivaleria a “legitimar” a Constituinte e o regime, e que além do mais “o mundo não entenderia”.

Machado teve seu mandato de deputada cassado em 2014 pelo então presidente da Assembleia Nacional, o chavista Diosdado Cabello, depois que o governo do Panamá a nomeou sua representante na Organização dos Estados Americanos, para que ela denunciasse violações aos direitos humanos pelo regime venezuelano. Machado exortou os venezuelanos a continuar se manifestando: “Não há prisão para 30 milhões”, disse ela, referindo-se à população do país. “Manter a pressão é a estratégia para que Maduro saiba que deve negociar sua saída.”

O governo está tomando providências para a possível imposição de um embargo de petróleo por parte dos Estados Unidos. A estatal PDVSA reduziu as vendas de petróleo para sua unidade de refino no Texas, a Citgo, que ainda mantém uma rede de 7.500 postos no país (já foram 16.000). Ao mesmo tempo, aumentou o fornecimento para a semi-estatal russa Rorneft.

De acordo com a agência Reuters, a medida foi tomada para diminuir o atraso no fornecimento do óleo pago adiantado pela estatal, uma forma que o governo russo tem de ajudar a Venezuela a rolar sua dívida. O ministro venezuelano do Petróleo, Nelson Martínez, anunciou em junho que a Rosneft poderia receber 70.000 barris diários em pagamento por um crédito de 1,5 bilhão de dólares concedido à PDVSA no ano passado.

Dos 2 milhões de barris diários produzidos pela Venezuela, 700.000 são exportados para os EUA, que pagam em espécie. A Venezuela é o terceiro maior fornecedor dos EUA, depois de Canadá e Arábia Saudita. Outros 500.000 são vendidos para a China e 400.000, para a Índia.

O presidente Donald Trump já congelou os bens de 13 funcionários do governo venezuelano e mais os do próprio Maduro. Numa indicação de que temem um embargo, as refinadoras que processam o petróleo pesado venezuelano aceleraram sua produção. O Parlamento Europeu e alguns governos, como o da Espanha, recomendam que a União Europeia também adote sanções contra a Venezuela. O Brasil, que ocupa a presidência do Mercosul, vai pedir uma suspensão definitiva da Venezuela até o restabelecimento da democracia no país, informou na sexta-feira o chanceler brasileiro Aloysio Nunes.

Maduro condecorou os funcionários sancionados pelos EUA e se disse “orgulhoso” de ter sido alvo das punições também. Ele tem usado as pressões da comunidade internacional como prova de que a Venezuela está sob uma ofensiva do “imperialismo”, e deve unir-se para a “guerra econômica”. Pobre Venezuela.

Publicado no app EXAME Hoje. Copyright: Grupo Abril. Todos os direitos reservados.

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