Opositores de Chávez põem 200 mil nas ruas de Caracas contra reforma

Líderes assumem retórica chavista, em favor dos ‘excluídos’, e advertem que não aceitarão ruptura democrática

 

CARACAS

Mais de 200 mil pessoas lotaram ontem à tarde uma das mais importantes avenidas de Caracas e as ruas adjacentes para dizer “não” à reforma constitucional proposta pelo presidente Hugo Chávez, que será submetida a referendo no domingo. Diante do impressionante mar de gente, que encheu a Avenida Bolívar e os calçadões próximos ao Palácio Miraflores, Yon Goicoechea, o principal dirigente estudantil do país, fez um discurso emocionado em favor da “liberdade” e dos “excluídos”.

“O dia de hoje é uma reivindicação para os milhões de excluídos que hoje sofrem no país”, disse

Goicoechea, procurando neutralizar o discurso de Chávez, que se apresenta como o presidente dos pobres e desqualifica a oposição como “oligarquia de direita a serviço do império norte-americano”. 

“Hoje é uma promessa”, prosseguiu Goicoechea, estudante de direito de 23 anos que se tornou o maior líder da oposição, no vazio deixado pelos partidos políticos, desacreditados pelos escândalos de corrupção do passado e por derrotas sucessivas perante Chávez, em 11 votações, desde 1998. “Aqui estão os grêmios profissionais, os representantes da Igreja, os jovens, os partidos políticos – uma mescla de passado, presente e futuro.”

“Hoje é uma homenagem a Simon Bolívar, na avenida que leva seu nome”, disse Goicoechea, apropriando-se de outro ícone do presidente, que diz estar conduzindo uma “revolução bolivariana”. “É uma homenagem à dignidade do ser humano, que é dono do seu destino, ao progresso, à revolução verdadeira e à tolerância.” 

A reforma modifica 69 artigos da Constituição. Prevê a reeleição ilimitada do presidente e lhe dá a prerrogativa de nomear administradores de regiões federais e de interferir na promoção dos militares, a partir de tenentes. Institucionaliza uma nova força armada popular. Introduz uma nova forma de “propriedade social”. Legaliza “conselhos populares” custeados pelo governo, que passariam a gerir empresas e a formar instâncias paralelas ao Legislativo, aos sindicatos e às entidades estudantis. 

“A reforma constitucional é a limitação da criatividade e do trabalho do povo, a concentração do poder de 26 milhões de venezuelanos numa só pessoa”, disse Goicoechea. “Pretende que os venezuelanos não tenhamos direito de escolher as autoridades, que sejamos inimigos e não compatriotas. Hoje, estendemos a mão à outra metade do país.” Segundo as últimas pesquisas, o voto no “não” tem uma ligeira vantagem sobre o “sim”, mas dentro da margem de erro, configurando empate técnico.

Goicoechea mandou um recado a Chávez, que pretende disputar a sua segunda reeleição em 2012: “O senhor pode ficar de acordo com a Constituição. Dentro da Constituição, tudo. Fora dela, nada.” E arrematou: “O senhor manda, mas manda como democrata. Se não, encontrará o bravo povo na rua.” 

Esse tipo de advertência foi feito também por outros oradores. “Não estamos armados, mas não somos tontos, e estamos prontos a defender nossos direitos”, disse Henrique Capriles, prefeito de Baruta, município da Grande Caracas. 

“Temos que estar dispostos – e aqui não vai nenhuma ameaça – a defender a vontade do povo venezuelano na rua, sem violência, com disciplina”, exortou Freddy Guevara, dirigente estudantil da Universidade Católica Andrés Bello. Guevara dez um apelo aos abstencionistas: “Marchamos muito, tragamos muito gás lacrimogêneo, agüentamos muitas balas, mataram estudantes. Só pedimos, pelo futuro da Venezuela, que saiam a votar.” 

Ele pediu aos eleitores que votem “cedinho” no domingo e depois voltem às seções eleitorais para “vigiar o voto”. “Não confiamos no CNE (Conselho Nacional Eleitoral), e sabemos que a reforma é inconstitucional, mas o voto é o cartucho que temos para solucionar esse conflito de forma pacífica.”

Quatro deputados federais brasileiros chegaram ontem à noite a Caracas para atuar como observadores do referendo. A delegação é composta por Aldo Rebelo (PC do B-SP), Vieira Cunha (PDT-RS), Arnon Bezerra (PTB-CE) e Nilson Mourão (PT-AC). Os deputados vêm a convite do CNE.

Depois do encerramento da campanha do “não”, hoje será a vez dos chavistas encerrarem a sua campanha, pelo “sim”, na Praça Bolívar, também nas imediações do palácio do governo.

Desde a manhã estudantes de outras partes da Venezuela começaram a chegar em ônibus a Caracas. Depois do almoço, multidões de pessoas começaram a sair de seus escritórios e casas, caminhando pelas ruas do centro em direção à Avenida Bolívar. Muitos carros buzinavam em sinal de apoio. “Não queremos um ditador, a Venezuela é de todos”, disse o cirurgião Jorge Castro, de 58 anos, que deixou o pronto-socorro para se juntar à manifestação. 

 

“Essa reforma tira a nossa liberdade”, criticou a advogada María Jesús Puente, cujo filho, Henrique, de 15 anos, vinha num grupo de três rapazes tocando tambores que animaram a marcha. “A reforma tira os nossos direitos e dá o poder a uma pessoa só”, opinou Giuseppe Cianci, de 19 anos, estudante de arquitetura e integrante da pequena banda.

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