Petróleo é arma para poder regional

Dependência mudial do produto dá a Chávez projeção que jamais um governante teve na América Latina

 

CARACAS

O especialista em energia Elie Habalián é contundente no seu diagnóstico. “A equação petróleo-poder dá a Hugo Chávez uma projeção que jamais um governante teve na América Latina”, diz Habalián, que assessora o general Raúl Baduel, ex-ministro da Defesa e hoje o principal adversário político de Chávez. “Ela o faz nadar como um peixe na água.” 

Habalián e outros analistas trabalham com projeções da Agência Internacional de Energia para medir o papel estratégico que a Venezuela tende a ocupar nos próximos anos. Segundo esse cenário, daqui até 2030, a demanda por energia vai aumentar 0,7% ao ano nos países desenvolvidos da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, cujas economias vão crescer 1,1% ao ano. Já os países em desenvolvimento, puxados sobretudo pela China e pela Índia, mas possivelmente também pelo Brasil, vão ter um aumento de consumo anual de energia de 2,4%, para sustentar um crescimento de 4,7% do PIB ao ano.

Ao contrário do que sugere o entusiasmo com os biocombustíveis, a fatia do petróleo na matriz energética mundial tende a crescer (veja gráfico). É aí que entra a Venezuela. As principais reservas provadas de petróleo do mundo se concentram assim: 676 bilhões de barris no Oriente Médio, 149 bilhões nas Américas e 75 bilhões na África. Nas Américas, quase a metade – 78 bilhões de barris – pertencem à Venezuela. Quando se incluem as reservas prováveis, com óleo extra-pesado e betume, a Venezuela se torna ainda mais importante no cenário mundial.

A América Latina reúne 9% da população do mundo e 23% de seu petróleo, sendo que do total 20% está na Venezuela, calcula Habalián. “Aí está o poder de Chávez em sua estratégia para a América Latina”, diz ele. 

Ao longo de oito anos na presidência, Chávez tem preparado o terreno para elevar ao máximo a conversão do petróleo em poder. No exercício da presidência da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), de 2000 até o mês passado, ele conseguiu convencer os demais integrantes a limitar suas exportações às cotas definidas por eles mesmos e sistematicamente excedidas. 

Essa política, testemunha Habalián, que foi governador da Opep em 2003, foi uma das causas da elevação do preço do barril de US$ 9 para quase US$ 100 no período. Outras razões importantes são a guerra do Iraque e o aumento da demanda da China e da Índia. 

No plano interno, Chávez conseguiu o que nenhum presidente venezuelano tinha conseguido até então: o controle absoluto sobre a PDVSA e, com ela, sobre as receitas do petróleo. Desde a nacionalização do setor na Venezuela, em 1975, a estatal atua como um “para-Estado”. Chávez aproveitou a greve da PDVSA no fim de 2002 para o expurgo sem precedentes de metade dos seus trabalhadores (20 mil), e sua substituição por gente da confiança dele, recorda Habalián, que estendeu a mão ao presidente nesse período, e depois rompeu com ele, ao ter rejeitada a sua proposta de uma gestão transparente da estatal, com a participação de representantes da sociedade.

Em 2005, o presidente mudou a legislação sobre as reservas do país, permitindo que parte da receita da PDVSA em moeda forte fosse retida nos seus cofres, em vez de ir para o Tesouro. A estatal passou então a financiar diretamente programas sociais, construção de casas populares e uma série de atividades político-sociais que angariam apoio para o presidente, sem passar pelo Orçamento ou qualquer controle externo. “O poder petroleiro passou de La Campiña para Miraflores”, diz Habalián, referindo-se ao bairro onde fica a sede da estatal e ao palácio do governo. “O controle sobre o Estado não é perfeito. Há juízes que dão votos desfavoráveis ao governo, há problemas. Com a PDVSA, o controle é absoluto.”

A rede de programas sociais, que pagam bolsas aos beneficiários, e mais o inchaço do funcionalismo público – o Estado é o maior empregador do país, com 1,6 milhão de servidores – explicam grande parte da mobilização política de que Chávez é capaz em momentos críticos como o referendo deste domingo, e suas vitórias em 11 votações desde 1998. 

Para manter essa máquina em movimento, é vital para o presidente que o preço do barril de petróleo não caia significativamente. Assim, além do cumprimento das cotas da Opep, Chávez tem interesse na manutenção das tensões no Oriente Médio, observam os analistas. Esse seria um dos motivos pelos quais ele se alia ao Irã, do presidente Mahmud Ahmadinejad, adversário dos Estados Unidos na região. A Rússia, outra exportadora de petróleo e gás, cujo presidente Vladimir Putin também tem tido conflitos com os Estados Unidos, é outro governante cortejado por Chávez. “Mas nem Putin nem Ahmadinejad querem realmente que o petróleo se mantenha no atual nível, porque sabem que isso pode conduzir o mundo a uma recessão, o que seria o fim deles”, ressalva Habalián. “Chávez não tem limites. É um aventureiro.”

No campo regional, o Brasil, com sua economia relativamente grande e até algum petróleo e gás, e o México, que detém 2% do petróleo do mundo, são os únicos países que podem conter o expansionismo de Chávez, diz Habalián. E parecem estar fazendo precisamente isso. “Sabemos que a confrontação verdadeira e muito silenciosa é entre o Brasil e Chávez”, afirma ele. “O Brasil ergueu um muro contra Chávez”, diz o analista político Alberto Garrido. 

 

Um dos palcos dessa disputa é o Mercosul. Antes mesmo de ter o seu ingresso ratificado pelos Congressos dos países membros e de ter cumprido os procedimentos tarifários, Chávez entrou na união aduaneira dizendo que ela precisava ser reformulada, para se tornar uma instância “política”, mal disfarçando – até porque Chávez não é de disfarces – as suas intenções, explicitadas no novo texto do artigo 153

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